O Verdadeiro Lar

A Certeza de Tigresa


– Está tudo certo... agora é só esperar uns quatro dias e enviar uma carta para Gongmen - disse Dishi colocando as patas atrás da nuca para recostar-se na cadeira.

Colocou as pernas em cima de uma mesa da sala do lugar.

Já era noite e ele estava em uma região a quilômetros ao sul de Gongmen. Não iria demorar muito para que os guerreiros abaixassem a guarda e era só uma questão de tempo para Tigresa juntar-se a eles, ao menos isso pensava. E então, ele atacaria... junto à Hui Nuan.

– Como você pode ter tanta certeza? - Perguntou o imperador tigre cruzando os braços sobre o peito e levantando uma sobrancelha.

Hui estava sentado do lado oposto de Dishi e não sentia segurança no plano do sobrinho.

"Tem alguma coisa errada", pensava ele semicerrando os olhos. "Ele não se juntaria facilmente a mim depois de tudo o que eu fiz."

– Simples. Conhecendo Tigresa, sei que ela vai se abalar com o que deixei pra ela.

– Tigresa... o que você fez? - Perguntou Hui tentando manter a calma.

– Apenas deixei um registro pra ela, provando que ela é sua filha. Uma pintura de vocês e tia Yi Jie e uma nota explicando o que sei sobre isso. Ela está com o cordão.

Nesse momento, Hui se surpreendeu. Como ela poderia estar com aquele cordão se ele o jogou longe há tanto tempo? Como chegou a ela? Olhou para o príncipe buscando respostas.

– Está?!

– Sim - Dishi sorriu sentando-se normalmente para olhar o tio -, o panda comprou pra ela, encontrou com um vendedor ambulante no Vale da Paz - ele quase cuspiu literalmente a palavra "panda".

Hui ficou pensando. Esse panda tinha uma relação com Lin, mas por que ela o queria? Não passava de um urso gordo e tonto que nem conseguiu se esquivar de seu golpe e acabou sendo ferido em sua enorme pança, apesar de ser o Dragão Guerreiro. E depois de seu sobrinho contar que ela fora criada por um mestre de kung fu, discípulo de Oogway, era provavelmente impossível que Lin fosse ambiciosa à ponto de envolver-se com alguém apenas por um título.

A ideia de que a tigresa estivesse junto a esse panda, tivesse escolhido alguém dessa espécie como companheiro não lhe agradava nada, mas não sabia se era tão ruim ou pior que ela se tornasse esposa de seu sobrinho como o jovem queria.

– Esses caras pegam qualquer coisa pra vender - comentou Dishi ainda falando sobre o cordão com pingente de Yin Yang.

– Ela vai se desligar do panda mesmo?

– Claro que vai. Ela será minha e voltara para seus braços, titio - Dishi sorriu, levantou-se e caminhou para a saída.

– Dishi - o jovem virou-se para encará-lo da porta - você trouxe os pergaminhos?

– Sim. Eles poderiam mexer neles se eu os deixasse, estou com os dois mas ainda não vou abrir nenhum.

– Tudo bem, apenas pelas dúvidas.

Hui ficou sozinho na sala e não fazia outra coisa que não fosse pensar. "Agora que vou saber se esse idiota é o Guerreiro Prometido ou não. Só preciso pegar o pergaminho dele, Akame só me disse que o destino dele era governar nosso povo sem mim, só não me disse como faria isso."

Enquanto caminhava pelos corredores da casa onde estava, Dishi imaginava no que acabaria aquela nota que deixou no quarto de Tigresa. Não tinha certeza absoluta, mas desejava com todas as forças que tinha que desse certo e foi para seu quarto se deitar com um sorriso malicioso plantado em seu rosto.

Em pouco tempo estaria com a companheira de seus sonhos e no controle do povo, controle que sempre foi seu.

"Mal posso esperar pra que esse dia chegue", foi o que veio à sua mente antes de dormir.

No mundo espiritual, Akame estava ajoelhada e olhava por Dishi numa poça d'água que permitia vê-lo dormir. Foi impedida de adverti-lo mais uma vez porque ela não tinha mais nada a dizer que não desse a resposta mastigada ao filho.

– Ele tem que aprender sozinho - disse o espírito Yang.

A tigresa volteou para ver quem estava atrás dela.

– Eu sei, mas não há nada que possamos fazer? - Perguntou Akame aflita.

– Não podemos mais interferir nem suplicar pra que ele veja as coisas com clareza - respondeu o espírito Yin ao lado do irmão.

Akame olhou para o chão temendo aonde o destino do filho o levaria. Ele havia interferido demais, fez tudo o contrário do que ela lhe pediu em seu último encontro.

– Saiba que ele ainda pode mudar o rumo das coisas, o destino não é tão cruel assim...

– E nem a morte. Eles só escrevem as consequências das escolhas que se tem. São várias de acordo com a missão do ser vivente e do que ele deve aprender pra concluí-la, depende do ponto de vista de quem vê...

– Todas levam a ambos caminhos: bom e ruim, mas depende muito de onde se quer chegar e o que se faz pra chegar lá...

– Assim são dadas as consequências, por essa série de coisas ligadas, encadeadas e é dessa maneira que nossos pais escrevem a vida de cada um...

– Isso sem falar das várias chances que se tem pra se redimir do mal que se fez ou pra escolher o caminho, o meio e o motivo certos pra alcançar o que deve. Só assim se acaba o ciclo e você pode iniciar outro.

Foi a explicação dos irmãos á tigresa. Ela sinceramente havia se interessado por isso, era uma coisa que valia a pena saber. Sorriu levemente diante da tentativa dos irmãos de aliviar seu temor, mas ainda assim seguia com o coração apertado por seu filho.

– Meu menino... - murmurou ela olhando ainda para ele.

Os espíritos se foram para fazer seu trabalho harmonizando o mundo, segundo os escritos de seus pais. Não ficou sozinha muito tempo.

– Se acalme, querida - disse a velha tartaruga.

– Olá, Mestre Oogway - disse ela desviando o olhar do filho.

– Eu sei o que Dishi tem.

– Sabe? - Olhou para o mestre interessada em saber.

– Sim, conflito de interesses. Imagine uma caixa... - ele olhou para ela e Akame assentiu - nessa caixa você deve colocar areia, pedrinhas, uma grande pedra, água e ar. O que você colocaria primeiro?

Ele esperou que ela pensasse e alguns minutos depois, ela não havia respondido e volteou a vê-lo com dúvida. Como se lesse os pensamentos dela, ele respondeu:

– Imagine que cada um desses elementos são seus desejos, suas prioridades e vontades e a caixa é a vida. Do maior e mais consistente até o menor e menos denso, são suas prioridades. Você coloca primeiramente a sua prioridade que seria a pedra grande, em seguida, o que vem depois como que em segundo lugar e aí derrama a areia, ela vai entrar nos espaços entre as pedras. Depois vem a água, ela ficará entre os espaços, molhando tudo, e por último o ar, que ficará no espaço que sobrar da caixa. Então você tampa e aí estão suas prioridades em ordem. Ele não sabe como colocar seus elementos em ordem dentro de sua própria caixa e você foi impedida de vê-lo porque ele tem que fazer isso sozinho.

– Há uma coisa você já fez e assim ele vai saber o que seu destino.

– O que foi que eu fiz?

– Você plantou em seu coração a dúvida sobre suas prioridades. Embora não pareça, ele não está tão seguro do que está prestes a fazer. Espere e verá. Nada é impossível - sorriu.

A tigresa se acalmou um pouco, confiaria no mestre sempre.

No quarto de Po, estava sua namorada. Ela ainda segurava sua pata e tinha os pensamentos mesclados, entre ele e o que disse Hui Nuan.

Olhava para o panda que estava dormindo, cansado. Depois olhou novamente para as faixas que estavam ao redor da barriga dele, tinham uma ligeira mancha avermelhada pelo ferimento que só não era maior por conta do bálsamo aplicado.

Alguém bate à porta.

– Quem é? - Pergunta ela desviando o olhar.

– Somos nós, Jing-Quo, Fa Huo e Ju. Podemos entrar para ver Po?

– Entrem - respondeu ela um pouco duvidosa se deveria deixar ou não.

Jing abriu a porta e deixou que seu amigo e sua filha passassem antes de fechá-la. Se aproximaram da cama onde Po estava sem o menor ruído e Ju tinha uma expressão preocupada e tocou na testa de Po e parecia querer acariciá-lo, o que bastou para Tigresa lançar um olhar frio com um grunhido profundo. Ju retirou a pata rapidamente.

– Uh... Tigresa, como ele está? - Pergutou o pai de Po tentando aliviar a tensão no ambiente.

– Ele parece estar bem, vai dormir mais algum tempo. O médico disse que ele vai melhorar, mas tem que ficar dois dias de cama.

– Graças aos deuses ele está bem - murmurou Jing.

– Que bom - suspirou Ju com um sorriso bobo totalmente alienada do frio olhar da felina.

– Quer que eu fique aqui olhando ele enquanto você descansa? - Perguntou Jing-Quo à Tigresa.

– Com todo o respeito majestade, acho que é melhor eu ficar, caso ele precise de proteção. Pelo que sabemos, Hui Nuan ainda pode estar na região e eu não penso em deixar Po desprotegido nesse estado.

– Ah, sim... tudo bem - respondeu ele coçando a nuca assim como Po fazia. Tigresa sorriu levemente em resposta.

– Qualquer coisa nos chame, Mestre Tigresa - disse Fa Huo com um sorriso que deu um calafrio na felina.

– Não será preciso - volteou a olhar seu panda.

Eles se foram do quarto, deixando-os novamente sozinhos.

– Hm, não gosto deles... nem um pouco. Esse Fa Huo e essa Ju estão tramando alguma coisa - sussurrava ela como se Po estivesse acordado para prestar atenção - você poderia estar acordado pra me dizer agora que eu sempre penso o pior das pessoas - riu de seu próprio comentário.

Logo ele estaria acordado para conversar com ela, irritá-la, fazer brincadeiras nas quais ela iria segurar o riso.

Tigresa foi tomar um banho rápido para poder voltar a cuidar de Po antes que ele acordasse e ficasse sozinho.

Enquanto isso, ele sonhava.

Era um lugar calmo. uma campina a céu aberto com bambus em torno. Olhando para si mesmo, já não estava com as faixas em volta de si, não havia cicatriz ou ferimento presente. Sabia que se tratava de sonho ou meditação.

"Mas não estou no jardim meditando... então, é sonho mesmo? Mas é tão lindo esse lugar pra ser só sonho", pensava enquanto olhava à sua volta.

Ali só se ouvia murmúrio do vento. Po estava sentado no meio da campina, entre a grama alta e de repente uma pata toca seu ombro, fazendo o panda gritar e se virar assustado em posição de batalha.

– Olá, Dragão Guerreiro - disse Oogway rindo da reação do guerreiro.

– Ah, que susto haha... mestre - curvou-se Po ficando frente ao seu mestre.

– Como vai, amigo?

– Estou bem, tô bem sim... mais feliz do que nunca, apesar de ter me machucado hehe. Sabe, mestre, conheci meu pai, meu povo, gente legal e Tigresa, ah, ela está comigo... é às vezes até estranho acreditar que a garota mais corajosa, durona, perfeita, linda e incrivelmente demais que eu conheço está comigo! - Disse Po e suspirou.

– Ah, o amor, é a dádiva mais sublime concedida aos seres. O amor pelo que fazemos, o amor pelas pessoas. Nos liga ao que devemos ter e ao que merecemos. Vocês merecem ser felizes, Po - disse a sábia e velha tartaruga sorrindo a seu aluno.

– Obrigado, mestre - Po curvou-se novamente em agradecimento às palavras dele.

– Mas... - a expressão de Oogway mudou para uma séria deixando Po com uma sensação nada agradável - não se deixe enganar por palavras, o que conta mesmo, é o que você ver nos olhos dela, o que você conseguir captar da energia de Tigresa para saber a verdade sempre. Com sua paz interior, agora maior do que nunca, você consegue fazer isso, Dragão Guerreiro.

– O que quer dizer com isso mestre? Vai acontecer alguma coisa ruim?

Po temia pela resposta, embora sentia que ela fosse um "sim".

– Apenas lembre-se do que eu disse e logo você vai entender.

– Então Jing, quando vamos cumprir nosso acordo? Você precisa garantir que tenha algum herdeiro da liderança, de preferência seu filho, para tomar conta quando você se for.

No escritório de Jing-Quo, ele e seu amigo estavam jogando Mahjong à espera de que o tempo passasse para ver o que aconteceria. Se Po melhoraria tão rápido quanto supunha o médico e se Hui Nuan ainda estaria vivo

– Eu sei, Fa, eu sei, mas...

– Além do mais, você tem que dizer a ele com quem ele deve se casar para dar continuidade ao seu sangue e à sua boa liderança aqui na vila - interrompeu Fa Huo.

Mais uma jogada. Era a vez de Jing.

– Sim, mas é um assunto delicado demais, ainda mais agora que ele está ferido e Hui Nuan atrás de nós?

Depois da pergunta, o líder panda fez um movimento.

– Ah, está bem - Fa suspirou demonstrando cansaço e tédio - vamos esperar essa situação passar e resolver a história do casamento dos nossos filhos.

Agora era a vez de Fa Huo jogar

– Claro, desde que meu filho não tenha uma namorada...

– Independente disso.

– Vamos ter que discutir outra vez sobre isso? Não quero estragar a felicidade dele obrigando-o a fazer uma coisa que não quer, jamais faria isso, mesmo que eu o tivesse criado.

– Não é você sozinho que decide, os habitantes decidem junto o que é melhor pra vila, o que é melhor pra todos - Fa Huo começou a ficar mais sério.

– Mas devemos levar em conta o que ele quer, não só o que queremos. Não podemos deixar alguém infeliz pra vivermos bem às custas disso! - Afirmou Jing elevando consideravelmente o tom de voz e agitando os braços ao ar.

– É o que vamos ver - Fa moveu mais uma peça no tabuleiro para então, sair da sala. Não tinha mais nada a falar.

Morava com Jing-Quo pois eram antigos amigos e o líder ajudava Fa a criar e cuidar de Ju. Em um dos corredores da casa, chegou ao quarto de sua filha, chamou à porta e pediu para entrar. Sentou-se na cama dela e deixou espaço para que ela se acomodasse ali também.

– O que acha dele, filha?

– O acho encantador, papai - disse Ju com um leve sorriso.

– Você gosta dele, não é?

– Sim, mas não posso chegar perto que aquela tigresa rosna pra mim, não me deixa tocá-lo. Sempre que quero conversar com ele ou penso nisso, vejo os dois juntos e quando isso acontece, estão sempre segurando as patas um do outro - respondeu ela olhando para o chão segurando o próprio cotovelo sem jeito - e ela me dá medo. Não quero arrumar confusão com ela, só quero estar com ele e ajudar o senhor - volteou a ver o pai.

– Oh, minha flor, minha filha querida, não fique assim - disse ele acariciando o belo rosto da panda - vamos dar um jeito nisso. Se ele ficar aqui como sucessor de Jing, ele terá que se casar e o povo vai decidir com quem será. Posso fazer com que escolham você.

– Pode?! - Perguntou ela, mais entusiasmada.

– Claro que sim. Agora, boa noite, meu anjo. Descanse, que serão longos dias até seu casamento.

Deu um beijo na testa de sua filha e saiu do quarto apagando as velas para que ela pudesse dormir. Foi rumo a seu quarto para então dormir, sem perceber que sua conversa foi ouvida por uma cozinheira e seu amigo que passavam pelos corredores. Agora estavam escondidos em um quarto vago, até que ouvissem a porta de Fa se fechar.

– O que ele quis dizer com isso? - Perguntou Ho intrigado.

– Eu sei lá... acho que temos que contar à Jing-Quo ou a um dos mestres.

– Você ouviu o que ele disse, imbecil, Jing está no meio disso... se Po ficar, vai ter que casá-lo com alguém que o povo panda vai escolher e ninguém vai acreditar na gente sem provas.

– Como vamos fazer então?

A conversa por sussurros parou por alguns segundos. Nenhum dos dois ainda tinha ideia do que fazer.

– Vamos esperar pra ver e saber tudo o que pudermos. Assim que ele deixar algum rastro, vamos acabar com a festa deles hehehe.

– Assim que se fala Tao.

Fa Huo estava em sua cama ainda pensando sobre como faria pra afastar aquela tigresa de seu futuro genro, de seu passaporte para o poder. Ju se casaria com Po e pronto. Era pro bem da vila, pro bem de todos e pro seu próprio bem.

Tigresa estava terminando de se trocar, estava mais relaxada.

“Esse banho me fez muito bem”, pensou ela sorrindo a si mesma.

Aproximou-se de seu guarda-roupas para não larga-lo ali aberto e virou-se para sair do quarto, mas antes que pudesse chegar à porta reparou em um papel deixado em sua cama. O tomou e viu que era uma pintura, nela, estava Hui Nuan com uma tigresa idêntica a ela agora e um filhote, apenas os três. Todos eles com os mesmos cordões, o mesmo cordão que Po havia dado a ela. Seus olhos se abriram o máximo que podiam mais uma vez à medida que reparava nos detalhes dos tigres.

Junto à pintura, estava uma nota que rezava:

"Se estiver lendo isso, a situação chegou a um nível alarmante.

Me perdoe por não ter dito nada antes, eu estava com medo por você, com medo de como iria reagir. Você é a filha de Hui Nuan. Não sabia como contar, mas isso vai manter você à salvo caso eu não consiga detê-lo.

Se você reparar, usa o mesmo colar que ele e sua mãe, Yi Jie. Isso porque é a marca da sua linhagem, do seu lado da família.

Mais uma vez, peço perdão.

Dishi"

"Família". Essa palavra ressoou em sua mente por alguns segundos. O coração de Tigresa acelerou a tal ponto que ela estava certa de que poderia parar à qualquer segundo.

"Ah, não, não pode ser", pensou ela amassando a nota em sua palma. Sentia... não sabia o que sentia, não podia acreditar que era filha desse tigre tão cruel. Por que tinha que ser assim?

Ficou algum tempo andando em seu quarto como se estivesse em uma jaula, até que conseguiu pensar numa dolorosa escapatória para esse problema. Já não se sentia digna de nada do que possuía por conta de sua descendência. O que faria agora, doeria tanto nela quanto nele. Lembrando-se que o deixou sozinho no quarto, correu para lá.

Quando chegou, Po estava começando a acordar. Sentou-se o mais depressa que pôde na cadeira ao lado de sua cama e tomou de novo a pata dele entre as suas. Vendo-o nesse estado, deixaria pra falar o que queria quando ele estivesse melhor, era covardia com seu próprio coração obrigar-se a fazer isso enquanto Po estivesse debilitado. Não conseguiria.

– Oi - disse ela baixinho sorrindo com ternura.

– Oi, Ti - respondeu ainda sonolento e esfregou os olhos com a pata livre sem perceber que havia escurecido devido à visão embaçada pelo sono - que horas são?

– É de noite, você dormiu o dia todo, praticamente.

– Nossa, mas já? Bem, estou com muita fome, não comi o dia todo, né? - Disse rindo, mas a risada sumiu quando ele tentou se sentar e sentiu uma dor em sua barriga - Ai! - Sua pata livre foi direto para lá.

– Não se mexa, Po, você ainda não pode levantar - repreendeu Tigresa o ajudando a se encostar na cabeceira da cama - espera aí que eu vou trazer alguma coisa pra você.

Ela foi até a cozinha e como todos estavam dormindo, tentou fazer arroz com alguns legumes e bambu para Po comer. Detestava cozinhar, por isso comia tofu que era mais leve do que muitas comidas e também mais prático, mas o que poderia fazer agora? Levou isso tudo junto à bolinhos e um chá verde fresco para o quarto de Po. Assim que ele terminou de comer, a bandeja foi colocada de lado em uma mesinha próxima a cama e já era hora de dormir, no caso dele, de novo.

– Tigresa, onde você vai dormir?

– Aqui mesmo, sentada do seu lado. Agora dorme, panda.

– Mas não quero que fique desconfortável, isso é falta de cavalheirisse.

– Não faz mal, dorme.

– Não, só se você deitar aqui... vem, tem espaço suficiente. Se não eu levanto e não deito até você deitar.

– Você vai dormir de pé.

– Então tá - respondeu ele começando a se levantar com uma expressão de dor ainda por sua ferida. Tigresa o deteve.

– Tá bom, Po. Tá bom, mas deita aí... e deixa um espaço pra mim.

Po sorriu vitorioso e feliz. Ficaram um de frente para o outro. O panda passou seu braço por baixo da cabeça de Tigresa para que usasse como travesseiro, e com isso a abraçou, deixando-a petrificada. A sensação de estar tão próxima assim de Po a incomodava, mas ela gostava.

Ele olhou nos olhos âmbar da felina e sorriu novamente fazendo carinho em suas costas para relaxá-la, como se estivesse adivinhando que ela não se sentia bem assim. Ela relaxou e começou a ronronar tentando controlar a altura para não acordar ninguém, sorriu e se apegou mais a ele. O braço que estava mais próximo da cama, ela apoiou no peito dele e o outro, passou pelo pescoço do panda.

– Boa noite, Ti - disse ele antes de dar-lhe um beijo.

– Boa noite, Po.

Isso tudo, só estava tornando mais difícil que mantivesse a decisão que tomou quando soube que é filha de Hui, mas não podia fazer nada. Ele conseguia deixá-la assim, arrancar sua armadura, todas as vezes que ela pensava em usá-la.

Três dias se passaram sem notícias do vilão, sem notícias do príncipe. Shifu estava prestes a enviar seus alunos atrás dele quando recebeu um pergaminho. Nele, Dishi dizia que conseguiu prender Hui Nuan porque os felinos o ouviram, acreditaram nele porque ele tinha amigos lá que comprovaram sua história. Detalhou como fez acordo com as tropas e que estava prestes a ser coroado.

O Grão-Mestre do Palácio de Jade sorriu satisfeito e foi comunicar à toda a vila, mostrando o pergaminho ao líder, aos Cinco Furiosos e o Dragão Guerreiro.

– Ah, que ótima notícia!

– Agora viveremos em paz! - Comemoravam os pandas.

Depois disso, Fa Huo e Jing-Quo estavam conversando animadamente, sabendo que era a hora de Po saber sobre o caminho que poderia escolher.

– Não podemos esperar mais, quanto antes melhor - dizia Fa - mas deixe que eu traga Ju até aqui primeiro, ela precisa estar presente quando conversarmos - sorriu e foi em busca dela.

Ainda não sabia o que fazer para afastar Mestre Tigresa de Po, mas torcia que alguma ideia viesse à sua cabeça em poucos minutos.

"Po pode dizer á Jing que está com essa gata e tudo vai por água abaixo", pensava ele enquanto se afastava para procurar pela jovem. Mas antes que pudesse se afastar, olhou para o casal de guerreiros mais uma vez e chamou sua atenção que a felina o puxasse para mais longe. "Hm, o que será que ela vai fazer?"

Movido pela curiosidade, resolveu segui-los, quem sabe vendo como eram um com o outro teria alguma ideia para separá-los.

– O que foi, Ti? - Perguntou ele quando Tigresa o soltou e o encarou - Tá agindo estranho faz um tempinho. Ainda tá preocupada com meu machucado? - Olhou para a própria barriga já sem as faixas e seu pelo cobria a fina cicatriz - estou bem olha...

– Cala a boca, panda! - Interrompeu Tigresa em tom firme olhando Po sem demonstrar nada. Ele se calou surpreendido, ela só falava assim quando estava realmente brava.

A felina não conseguia falar, sua respiração era irregular e no fundo, não queria isso. Após alguns minutos num desconfortável silêncio, mesmo sem jeito, Po se atreveu a perguntar:

– Eu fiz algo de errado?

– Não - "claro que fez, seu idiota, me fez me apaixonar por você", respondia ela mentalmente - não fez nada, mas eu quero...

– O que?

A sensação ruim que Po sentia crescia a cada segundo.

– É só que... acabou, Po.

Agora foi a vez dele se surpreender e quase ter um ataque do coração. Não acreditava que ela dissesse isso com tanta frieza, sem nem se importar com o que ele sentia.

– Haha, está brincando não é? Sarcasmo...

– Não, não é.

– Então por que? Eu... eu fiz algo errado? Eu sei que deveria ter me defendido, mas eu não fiz por mal... Juro que nunca mais deixo de prestar atenção na luta...

– Não é isso, Po. Eu vou explicar. O que eu senti por você foi engano. Nunca sentiria aquilo por você, nunca vou te amar do mesmo jeito, se continuasse, estaria te enganando - com cada palavra, sua boca ameaçava secar e sua voz falhar, dando lugar ao choro preso - não quero mais você.

– Você nunca gostou de mim? - Perguntou ele em um sussurro e ela apenas assentiu.

– Sinto muito, mas eu devo estar com outra pessoa, com alguém como o Dishi... não vou te machucar mais. Eu vou embora - disse passando por Po.

"Não posso ficar com você, não sou digna disso... você merece alguém melhor e que não te arrume problemas como eu vou arrumar", pensava Tigresa caminhando de volta à casa. "Mas eu te amo muito e quero sua felicidade".

– Não! - Ele a alcançou e deteve segurando seu pulso - por favor, não vai embora agora. Espera a gente voltar pro Palácio de Jade, assim vai poder pegar suas coisas e eu posso tentar deixar isso de lado e me comportar só como amigo com você. Por favor.

Ela o encarou desviando o olhar logo em seguida, se continuasse perdida naquelas pedras de jade, não conseguiria afastá-lo de si.

– Está bem, panda. Me solte - ela ordenou ele obedeceu com relutância - quando chegarmos lá eu vou.

– Tá.

Ela saiu andando o mais rápido que podia, sem que suas pernas trêmulas falhassem.

Po continuou lá, parado olhando Tigresa se afastar. Sentia como se parte de si fosse junto com ela e o resto estivesse despedaçado. Caminhou de volta à seu pai que pediu uma palavrinha com ele.

Ambos não sabiam, se concentraram demais na conversa e não perceberam que Fa Huo estava próximo ouvindo tudo.

Já não teria mais que se livrar de Tigresa, era apenas convencer Po a ficar e casar-se com Ju e como pai dela, poderia ter o poder do povo panda de volta. O poder que foi tirado ao descobrirem que ele nada vez para ajudar seu próprio povo a escapar da matança de Shen, mas ninguém desconfiava que ele fora o real responsável pela ira de Hui Nuan contra os pandas, mais certamente contra o pobre Jing-Quo que não sabia onde seu "amigo" o havia metido.