O Sexta Feira

Capítulo 02 - Camisolas e Vestidos


Na casa da árvore Challenger como de costume estava enfiado em seu laboratório, Verônica preparava o almoço e Malone a ajudava colocar a mesa, logo ouviram o barulho do elevador subindo e puderam ver John com as plantas que Challenger havia pedido e Marguerite parecia carregar um gato, na verdade Malone foi o primeiro a perceber o que a herdeira tinha no colo, Verônica até então nunca havia visto tal animal, o mais próximo talvez que tivesse visto uma vez ou outra fora tigres dentes de sabre e mesmo assim das vezes que viu se manteve longe, pois sabiam que eram perigosos.

V - Ned que animal é esse que a Marguerite está carregando? É bom ter cuidado.

N - É apenas um gato Verônica, eles são inofensivos, veja vou fazer carinho na cabeça dele.

Marguerite olhava para o jornalista se aproximando não exatamente de si, ou por sua causa, mas sim por conta de seu gato e não podia acreditar que ele tinha tomado tal liberdade, nem ao menos havia lhe perguntado se podia acariciar o Sexta Feira. Preferiu silenciar-se e ver o que aconteceria, talvez poderia ser divertido, embora depois de tantos anos nem ela mesmo sabia qual seria a reação de seu gato.

Malone se aproximou do gato que parecia de fato inofensivo, no colo da herdeira parecia estar confortável, manso, logo o jornalista começou a acariciar o pescoço do gato, o qual a princípio não recusou o carinho, a princípio apenas.

N - Viu Verônica, inofensivo, não falei, ele é manso… Aí, aí, ui isso dói gato.

Verônica olhava assustada diante do temperamento do animal, durante um instante manso e quieto, mas em questão de segundos havia mudado e agora estava mordendo o dedo do jornalista que chegava a sangrar, enquanto Marguerite não podia deixar de rir do jornalista intrometido.

M - Ora Malone isso é para você aprender a não se meter aonde não é chamado, bem feito.

N - Mas isso dói, a quer saber não quero mais saber desse bicho, definitivamente ele não é o que parece ser.

M - Hahaha… só porque você quer? Ninguém nunca lhe ensinou a não mexer no que não é seu.

N - E só porque você o achou por aí andando, já se acha a dona dele?! Não podia ser diferente não é mesmo Marguerite.

J - Ela não se acha a dona dele Malone, Marguerite é a dona do gato. É só verificar o pingente com os dados.

O caçador e o cientista haviam subido há pouco, ainda há tempo de ouvir o questionamento de Malone, claro que a resposta de John, perturbou a todos, que naquele momento direcionavam toda a atenção para Marguerite.

C - John meu velho, como poderia isso?

Verônica pensou rápido e até mesmo precipitada, sabia que única forma seria se Marguerite estivesse usando o Oroboros, o que não era de se duvidar, mesmo que a morena havia mudado muito, a garota da selva sabia que quando a outra mulher colocava algo na cabeça iria até o fim.

V - Eu acho que sei professor. Marguerite você usou o Oroboros para buscar o seu gato?

M - Sim e não, sim porque eu usei o Oroboros e não porque com tantas possibilidades, entre outras eu usaria apenas para buscar o meu gato?! É claro que não Verônica, você é mais esperta do que isso.

N - Está bem, está bem ... Se eu já não estava entendendo nada antes, agora piorou.

M - Você nunca entende nada Malone, isso não é novidade.

J - Chega vocês dois. Irei explicar melhor o que está acontecendo aqui.

N - Bom pelo menos um dos dois ainda sabe usar o bom senso, temia que o convívio com Marguerite iria mudá-lo.

J - Malone não é porque estou usando o bom senso, que quer dizer que deve abusar da sorte. Agora porque não vamos todos almoçar e aproveitamos para discutir sobre o assunto.

V - Espera, mas e o… o… bicho da Marguerite? Ele não pode ficar perto de nós, quero dizer ele não é inofensivo como o Malone falou há pouco.

M - Ele não é qualquer bicho Verônica, ele é um gato e tem nome, se chama O Sexta Feira. E não, ele não irá ficar perto de nós, alias de vocês que têm medo de um pobre gatinho, vou deixá-lo no meu quarto e logo subo... Ainda se dizem exploradores...

Antes mesmo que qualquer um pudesse respondê-la, a herdeira virou as costas e rumou para o seu quarto, deixou o gato em sua cama, o qual logo se familiarizou ao seu cheiro e já foi procurando um canto para dormir.

C - Bem... Agora todos reunidos, acho que podemos saber o que está acontecendo aqui.

Marguerite e John trocaram olhares cúmplices, a herdeira com certo temor, seu semblante sério e carregado, o caçador não podia deixar de perceber tais aflições demonstradas, segurou sua mão como sinal, o qual ressaltava que ela o tinha como apoio, tinha quem pudesse contar.

M - Acontece Challenger que continuei a usar o Oroboros, não só para colher pedras, mas também, mesmo depois que conversamos sobre esperar alguns meses para voltar para sociedade, eu o fiz.

J - Nós fizemos, eu sinto muito por não ter contado isso antes. Mas sim eu e Marguerite já estivemos em Londres e em outros lugares também, lugares que não fomos reconhecidos, que não corremos riscos, não muitos pelo menos, portanto a culpa é dos dois, juntos. E antes que perguntem, isso tudo foi porque havia algo, que queríamos muito fazer, algo pessoal, algo nosso, mas como todos aqui sabem, assim que voltarmos definitivamente Marguerite terá que se esconder ou fugir, o que torna esse nosso “sonho” impossível de ser realizado.

V - Mas Marguerite você mesmo nos falou que não era seguro, que precisava treinar mais, ter um maior domínio sobre o Oroboros, não entendo, porque fizeram isso? Tem ideia do quanto se arriscaram?

Os três exploradores estavam pasmos com a confissão do casal, não queriam acreditar no que ouviam, Marguerite devido seu histórico era de se esperar ou minimamente “compreensível”, mas John, ele havia os surpreendido, não que estivessem cometendo algo errado ao extremo, mas todos sabiam os perigos que uma viagem por meio do Oroboros causaria se algo acontecesse de errado, todos haviam acordado que iriam usá-lo para voltar para Inglaterra, mas não antes da herdeira ter um domínio sobre o medalhão, para que não ocorresse falhas e agora por sua teimosa, ou teimosia de ambos, mais uma falha havia acontecido, provavelmente aquele gato não era a primeira, muito menos a última das falhas se eles continuassem a usar o Oroboros.

M - Eu já até imagino o que irão falar ou o que estão pensando. George eu sei que nos últimos dias você até mais do que eu deseja voltar para casa, mas se eu voltar agora, terei que me esconder, fugir, isso se não me matarem, não tenho ainda pedras o suficiente para pagar todas as minhas dívidas e eu não sei o que pode acontecer comigo. Esse é o real motivo de eu ter pedido mais tempo para vocês, eu aprendi a usar o medalhão, não sei ainda se tenho o domínio de tudo, mais em grande parte sim, porém eu precisava ganhar tempo. A princípio Verônica me ajudou, mas isso até levarmos William de volta para o passado, tudo bem que foi quando o medalhão apresentou a primeira falha, mas enfim, depois eu comecei a colher sozinha às pedras, John apenas manteve segredo a meu pedido.

Challenger olhava para o casal, com uma mistura de sentimentos, em partes sentia pena, por conta da situação de Marguerite, sua explicação era plausível, porém em contrapartida não esperava que ambos, principalmente John, estivessem mentindo ou escondendo algo assim de tamanha importância.

C - Sabe minha cara eu consigo entender seus motivos, assim como os seus John, só não entendo o porquê esconder isso de nós, John você mais que ninguém diz que somos uma família, que devemos cuidar um do outro, deveria ser o primeiro a não nos esconder a verdade.

J - Challenger eu fiz tudo para proteger Marguerite, não poderia levá-la de volta para Londres para perdê-la. Sabe disso, não posso ariscar tanto.

Verônica olhava para o casal, ela mais do que ninguém sabia que a amiga estaria encrencada se voltassem para Londres, e não queria o seu mal, se caso isso acontecesse sabia que o principal atingido seria John, seria o mesmo que perder os dois.

V - Challenger, acho que isso é desnecessário, sabemos o porquê esconderam. Não é óbvio?! Um queria proteger o outro, simples e nos proteger também.

J - Isso mesmo Verônica, mas ainda assim, acredito que devemos desculpas, sim foi no intuito de proteção, até mesmo porque não sabemos o que essas pessoas são capazes de fazer seja com a Marguerite ou com que estiver próximo, o que pode ser qualquer um de nós.

C - John, acho que como Verônica acabou de dizer compreendemos os motivos de agirem de tal forma, melhor explicação não há. Mas e agora o que tem em mente, ou o que um de vocês tem em mente?

M - Honestamente George ainda não sabemos. Eu preciso juntar uma maior quantia de pedras para quando voltarmos eu eliminar minhas dívidas, mas isso requer tempo, ainda mais se for para pagar todas de uma vez.

Malone estava concentrado em cada palavra pronunciada pelos amigos, mantinha-se quieto, buscando alguma solução ou meio de resolver tal problema, ainda que ele e Marguerite sempre estavam tendo suas discussões, não queria seu mal.

N - E se pagar parcelado suas dívidas?! Quer dizer, você pode continuar juntando suas pedras, mas aquelas que já possui ir direto ao credor pagá-lo, aos credores menores, antes de voltarem definitivo?

Marguerite agora tinha toda sua atenção voltada ao jornalista, não era um mal plano, pelo contrário era um ótimo plano, mas ainda tinha algo que não se encaixava nele.

M - Sabe Ned, às vezes você nos surpreende. É um bom plano, mas não posso fazer isso. Ainda que a ideia de ir eliminando às dívidas antes de voltarmos seja boa, não posso me expor, minha cabeça está a prêmio se lembra?!

C - Bem colocado minha jovem, mas talvez um de nós poderíamos estar fazendo isso.

J - Se é por isso não. Eu faço, eu vou.

C - Não creio que seja o mais indicado John, não se esqueça sua fama percorre o mundo, mesmo após anos, poderiam reconhecê-lo, eu já não estou certo se tenho idade para isso Marguerite, sinto muito.

N - E se eu for?

M - Você Malone?

N - E porque não Marguerite? Nem um de vocês três pode ir, você por ser o alvo, John por conta da sua fama, Challenger sua idade e eu acho que também por ser conhecido, Verônica nunca foi para a sociedade, não poderíamos envia-la assim, ainda mais nessas circunstâncias. Eu sou a única escolha que tem, não sou tão famoso, conhecido e bem, sem ofensas Challenger, mas a minha idade também me beneficia.

M - Tem certeza do que está propondo Ned? Faria isso mesmo?

N - Embora você nem sempre mereça Marguerite, por conta de suas provocações, pegando no meu pé e duvidando da minha inteligência ou que eu seria capaz de fazer algo útil, sim eu te ajudaria com isso, também não quero o seu mal, nem o mal do John. Porém pelo o pouco que sei de você, acho que nem todas às viagens poderei ir sozinho.

M - Malone eu provoco e pego no pé de todo mundo, não é algo pessoal, que seja só privilégio seu, mas admito que com você é mais fácil do que com os outros. Agora sobre o seu plano, e o fato de não me querer mal eu agradeço, e justamente por também não lhe desejar mal, concordo que haverá viagens que irá sim precisar de companhia. Os credores de menor porte, não são tão perigosos, nada que não consiga resolver, o que me preocupa são os Alemães e o Xan.

Por alguns instantes todos mantiveram o silêncio, o plano era de fato bom, mas os dois últimos credores que Marguerite citou lhes levantaram novas preocupações, os exploradores já haviam vivido experiências com estes no passado, mas talvez como a própria mencionou e devido o valor em questão, não haveria motivos para discussões.

V - Eu acho que quando formos pagar às dívidas com os Alemães, o John pode ir junto, aliás eu e o John, como proteção para o Malone. Assim só irá ficar o Xan.

M - O Xan eu irei.

J - Não, Marguerite eu não irei permitir.

M - É preciso John, conheço ele, às dívidas são minhas, eu que às fiz e eu que terei que pagá-las. Mas não vou sozinha, você e Verônica também irão.

C - John, Marguerite está certa, pelo pouco que conhecemos Xan, ele só irá permitir o pagamento da dívida com ela presente. Nada vai adiantar irem só vocês.

J - Está certo George, mas e o Oroboros, ele vai querer de volta, como iremos resolver isso?

V - Eu acho que sei, é só darmos o Oroboros para ele.

M - Verônica, perdeu o juízo? Não vou entregar o Oroboros para ele, não depois de tudo o que tenho passado nesse maldito platô.

Verônica encara a amiga, a amava como irmã, mas muitas vezes seu temperamento, sua ironia ou sarcasmo lhe tiravam fora do sério, era obrigada a se controlar o máximo que podia para não lhe dar uma resposta mal educada.

V - Não Marguerite, eu não perdi o juízo, ainda. O povo Zanga tem bastante ouro e, para eles ouro ou pedras preciosas não tem valor como tem pra você, podemos ir até lá, fazer algumas trocas e os artesões podem fazer uma réplica do Oroboros e antes de terminado a partimos, assim quando se encontrar com o Xan, você além de pagar suas dívidas, devolve o Oroboros ou a parte que roubou dele.

Marguerite refletiu um pouco sobre a ideia, ainda temia que Xan não fosse aceitar tudo isso facilmente, não sem mais nada a pedir ou querer em troca, porém seria um risco a correr, se desta maneira ele não lhe deixasse em paz, sabia que só existiria uma segunda alternativa, a qual caberia somente a si mesma, ou seja acabar com ele de uma vez por todas, teria que matar Shangai Xan.

M - Certo. Ned termine de almoçar, vamos para Londres, irei até a minha casa, existem duas pessoas que podem nos ajudar, principalmente quanto às coordenadas dos meus credores, também aproveito para buscar algumas das minhas camisolas mais finas, da alta costura francesa e até vestidos.

J - Minha Marguerite, não creio que seja este um bom momento para pensar em suas camisolas, vestidos da alta costura ou mesmo fazer uma visitinha em casa.

Marguerite olhou para o caçador ao seu lado, balançou a cabeça em sinal negativo, suspirou fundo e levemente deu um tapinha em seu rosto, como um meio de alertá-lo sobre seu plano.

M - John, às camisolas e até os vestidos serão para trocar com os Zangas, eles adoram ter variedades de tecidos. Quanto mais eu conseguir, mais pedra terei e quero ir até minha casa por conta dos meus contatos, além de ter que levar o Sexta Feira, não acredito que esse seja um lugar para se manter um animal de estimação.

V - Marguerite está certa, quanto mais você conseguir trazer de lá para cá, melhor. E bem aquele bicho, quer dizer gato...É melhor longe mesmo, na casa dele.

J - Sendo assim, mas e essas duas pessoas e isso de ir agora tarde?

M - Simples, ambos são meus empregados de confiança, nem o Malone, muito menos eu serei vista. Irei agora a tarde para já agendarmos o encontro do Malone com primeiro credor, preciso passar as instruções para os meus empregados sobre os encontros, sobre o Malone, acertar alguns detalhes. Vai ficar tudo bem.

J - Não, só vocês dois?! Nem pensar, eu irei junto e não se discute.

M - John às vezes isso de você querer cuidar e me proteger tanto assim, me tira do sério, mas se eu não permitir é pior ainda, vai ficar implicando comigo o resto do dia e isso é o que eu menos preciso nesse momento, portando vamos os três. Mas que esteja claro, será tudo do meu jeito. Certo?

J - Se isso me permitirá ir junto, certo, será tudo como quiser.

M - Ótimo.