O Senador Rebelde

Poeira, suor e perigo


O recinto de espetáculos de Pesak era uma edificação circular composta por bancadas de pedra e um terreno no centro coberto de areia, a arena propriamente dita. Situava-se numa planície extensa de várias milhas, uma paisagem tão vasta que parecia infindável e impossível de percorrer a pé. Não havia nada à volta, era só o recinto, a desafiar o céu imenso onde brilhava o sol inclemente que parecia inamovível no seu zénite.

Procissões de seres entravam no recinto num rebuliço típico de festival. Uma multidão de gente e de androides que se organizava numa fila e que escolhia uma das dez entradas para ocupar um dos setores das escadarias empedradas que se fechavam sobre a arena e que formavam os lugares onde se sentariam os espetadores. Num perímetro mais afastado, em terrenos que circundavam o edifício, estacionavam-se um sem fim de veículos, que tinham levado até ali aquela turba sedenta de sangue e de riqueza fácil.

As apostas eram feitas eletronicamente, com dispositivos semelhantes a esferas, equipados com botões simples que permitiam carregamento de créditos e definir os montantes investidos, distribuídos aos apostadores pelos agiotas que operavam em bancas colocadas estrategicamente nos pórticos de entrada. Cada um dos espetadores levava um dispositivo consigo. Todos eram jogadores, portanto. Sem exceção. Heskey conseguiu, num vislumbre casual, encontrar o gigante mercenário naquela multidão. Acenou-lhe efusivamente para lhe chamar a atenção – poderia ser ajuda adicional, iria tentar várias possibilidades, para além do rapaz que se mantinha colado a si – mas o homenzarrão não lhe devolveu o aceno. Nem o teria visto. Heskey desanimou-se.

O seu grupo estava num reduto delimitado por uma cerca eletrificada. Assim que saíram do transportador foram identificados com um emblema geométrico que lhes foi pregado nas roupas, mais ou menos no centro do peito. Eles eram os losangos. Heskey achou aquilo ridículo. O losango brilhava dourado, a refletir o sol magnífico que os estava a cozer num calor insuportável.

— Quando estiveres ferido, a perder sangue ou com pouca força anímica, o losango vai mudando de tom. De dourado passa a vermelho. Se estiver branco, significa que o teu coração parou de bater e morreste. Tenta manter o losango dourado – explicou o rapaz, calmo, a olhar para a agitação das pessoas que entravam no recinto.

— Sabes mesmo muitas informações sobre estes jogos! – comentou ele, agastado. Começava seriamente a detestar aquelas lições do outro.

— Para te defender preciso de estar informado, já te disse.

— Podias calar-te com as informações? Obrigado.

— Deixam-te nervoso?

— Vou lutar pela minha própria vida daqui a momentos e a situação não é propriamente agradável. Pelo menos, no meu conceito, não é. Não nos vão dar nada para beber? Estamos a fritar aqui fora, sem um toldo ou um chapéu. Não há chapéus em Pesak?!

— Eu tenho a minha capa.

— Eu também tinha uma capa— rosnou Heskey. – Despiram-me naquele Templo. Por que motivo foram fazer isso se era para me deixar aqui, a derreter ao sol?

— Acalma-te. Guarda as tuas energias para a arena. Vais precisar delas.

— E quem não tem coração?

— O quê? – O rapaz olhou-o. Continuava a esconder-se no capuz.

— Quem não tem coração? Como é que funciona esta coisa do losango? – Os dedos apontavam para o emblema, com receio de tocar naquilo. Se era um medidor de vida, mais valia não interferir no circuito sensível que fazia essa medição.

— Estás a fazer muitas perguntas para quem não quer mais informações…

— Isto não me vai contaminar o sangue, ou assim? Poderei ficar doente se tiver esta coisa ligada aos meus sinais vitais. Uma febre, uma fraqueza…

— O losango adapta-se à anatomia de cada criatura. Com coração ou sem coração, sabe sempre onde ir buscar o que precisa para mudar de cor. Satisfeito?

— Enquanto não recuperar a minha liberdade, não estarei satisfeito, meu rapaz!

— Certo, certo… – suspirou o outro, encerrando a conversa.

Entraram para os calabouços do recinto por grupos, um emblema de cada vez. Primeiro foram os quadrados, depois os círculos, os triângulos e por aí fora. Os losangos foram quase os últimos a entrar, ficando apenas à frente dos pentágonos e dos heptágonos. Tinha de ser uma mente bastante retorcida para criar emblemas com tantos lados, pensou Heskey cansado. No fundo, eram muitos grupos que se iriam apresentar na arena.

Os calabouços foram um alívio, porque lá dentro não havia sol. Tinham outros defeitos, como humidade, um cheiro intenso a bolor, nenhum lugar para se sentarem a não ser o chão imundo, mas naquela fase ele já não se importava com elementos acessórios. Encostou-se à parede viscosa, cruzou os braços, olhava em volta e percebia que a agitação era contagiante, à medida que a se aproximava o momento de entrar na arena. Seriam todos novatos naquilo, menos o rapaz que exibia uma sabedoria irritante sobre os jogos.

Uma segunda cerca elétrica foi erguida em torno dos losangos e outras cercas separavam os grupos uns dos outros. Os guardas eram exclusivamente androides. Andavam pelas passagens criadas entre as cercas, apitando e crepitando, numa espécie de vigia inútil, pois ninguém mostrou vontade de se escapar.

Ele conseguiu ver pelo menos dois grupos a desaparecer por um corredor, presumindo que tivessem seguido para a arena. Não aconteceram regressos. Os sobreviventes, se é que existiam, deveriam tomar outro escoadouro, diferente daquele, e apresentavam-se noutra área dos calabouços para recolher a prova da sua liberdade. Haveria qualquer documento, um dispositivo como o das apostas, qualquer coisa. Não seriam despedidos assim, de forma seca e ingrata.

Estavam na Orla Exterior, recordou-se, e ali não existiam formalismos. Ele que se deixasse de ideias esquisitas. Se saísse vencedor da arena, teria de inventar uma outra maneira de sobreviver ao deserto do planeta.

Os losangos tinham vinte e seis membros, contando consigo e com o rapaz. Nem todos eram humanoides, aliás a maioria não o era. Como estava encostado à parede tinha uma panorâmica alargada do grupo. Conhecia mais ou menos todas as espécies que partilhavam o mesmo emblema colado ao peito – wookies, caamasi, barabel, kurtzen. Todos com um aspeto mais furioso, implacável ou aguerrido do que ele ou o rapaz. Se a vitória fosse definida pelas rosnadelas e fungadelas, ele e o seu defensor minorca jamais teriam uma hipótese.

Um androide aproximou-se e desligou a cerca. Dirigiu ao grupo seis canos negros e grossos dos canhões incorporados no corpo enferrujado. Uma ação para prevenir qualquer ideia de sublevação ou fuga – desnecessário, considerou Heskey, já que todos estavam a alinhar no jogo sem um protesto ou vontade de se revoltarem contra aquela injustiça. E talvez nem considerassem nada daquilo injusto. Seria um divertimento, um jogo, que ganhasse o melhor, a lei do mais forte, o típico de qualquer sistema da Orla Exterior. Outro androide veio e pôs-se a palrar instruções de como se deviam apresentar na arena. Havia um anfitrião que patrocinava os jogos e eles deviam dirigir-se-lhe cortesmente, apresentar-se e pedir-lhe clemência. Um pequeno teatro que se destinava a demonstrar o lugar de cada um naquele esquema, como se não fosse já evidente quem ordenava e quem servia. Ao mesmo tempo, outro androide entregava-lhes lanças, bastões, espadas, correntes, matracas, tridentes. O rapaz recebeu um bastão, Heskey recusou obstinadamente receber qualquer dos objetos estendidos pelo androide, mantendo-se de braços cruzados. O androide deslizou para um barabel

— Será melhor escolheres uma arma… – aconselhou o rapaz preocupado.

— Não! – disse ele determinado. – Recuso-me a aceitar o que está a acontecer desta forma passiva e alinhar nesta loucura. Nunca usei uma arma e continuarei a fazê-lo. Sei que a arena será perigosa, mas conto com a minha astúcia.

— Vai ser precisa uma grande dose de astúcia… nunca usaste uma arma?

— Um instrumento musical conta?

— Acho que não.

— Então, nunca usei uma arma.

— Tiveste uma vida fácil.

— Estive longe de confusões, não significa que tenha sido uma vida fácil. Não me perguntes como vim aqui parar. É uma história muito longa! E não me está a apetecer contá-la, neste ambiente desfavorável.

O disco continuava escondido na sua bota, a magoar-lhe o tornozelo. Para entregá-lo à Aliança teria de sair vivo daquela arena. Focou-se nessa vontade e definiu esse objetivo. Tentou humedecer os lábios, mas tinha a boca completamente seca.

— Tens uma maneira engraçada de falar.

— Oh, sim, meu rapaz… A minha vida tem muita graça… De facto, não tinha graça nenhuma até há bem pouco tempo e, de repente, vejo-me em Pesak. Sabes usar esse bastão?

— Sei. Preferia um blaster, mas não estão a distribuir armas desse calibre.

— E o teu cúmplice? – sussurrou.

— Não te preocupes, já te disse – devolveu o rapaz zangado. – O meu cúmplice vai estar nas bancadas.

— Viste-o a entrar com os outros expetadores?

— Ele vai lá estar.

A conversa terminou.

Seguiram numa coluna, dois a dois, pelo corredor que já tinha sido percorrido pelas outras equipas. Ele começou a pensar assim – eram uma equipa. Os malditos losangos! Um grupo composto por elementos que não se conheciam, nem falavam uns com os outros. Só ele e o rapaz estabeleceram essa ligação. Por necessidade, por obrigação. Começou a matutar nisso enquanto andava, pesadamente, por aquele corredor sombrio e tão húmido como os calabouços. Que motivo teria o rapaz para o ajudar? A resposta teria que ver com a Aliança. O rapaz sabia como contactá-la, portanto, foram os rebeldes que o tinham enviado, porque estavam atrás dos planos dos compressores. Pela primeira vez, sentiu-se confiante e estufou o peito, cinzelando um sorriso no rosto.

O corredor terminava numa abertura generosa, retangular, larga, branca e intensa. O contraste era arrepiante, entre a passagem escura e a luz do exterior. Caminhavam em direção a algo quente e tão cintilante como uma estrela – e as estrelas, em permanente combustão, eram corpos celestes mortais.

As pernas dele travaram e foi o barabel que ia atrás dele, com um empurrão brusco, que o forçou a continuar a marcha. Heskey desenhou todos os perigos imaginários ao contemplar aquele portal que o haveria de cuspir para o pior dos seus pesadelos.

A arena surgiu. Ou melhor, ele sentiu que do corredor se tinha teletransportado para lá, pois chegou demasiado rápido e sem preparação, sem aviso, nada. De repente, tinha uma multidão ululante a debruçar-se sobre si e sobre a equipa dos losangos, querendo engoli-los com o ruído medonho que faziam desde as bancadas que rodeavam a enorme arena circular. Olhou para as suas botas. Pisava uma areia grossa, que rangia e se quebrava cada vez que a esmagava com as solas largas. Olhou para os lados. O palco principal daquele espetáculo era limitado por parapeitos altos, de pedra escura. Aliás, todo o recinto era negro e ameaçador, com pequenos elementos que suavizavam a sua arquitetura agressiva.

Fez uma curta análise. Havia duas portas opostas – aquela por onde eles tinham entrado e outra que seria a saída. Viam-se mais quatro portas, mais pequenas, fechadas com gradeamentos encimados por pontas aguçadas. Seria o local de confinamento das bestas.

Suava debaixo do calor daquele dia infernal que regressara, de supetão. Limpou a testa com a manga da túnica que vestia. Estreitou os olhos, tentou respirar aquele ar saturado e quente.

Ao seu lado, o rapaz afastou o capuz. Tinha cabelo loiro, feições jovens, uns expressivos olhos azuis. Pôde vê-lo, por fim, conhecer-lhe o rosto e arrepiou-se. Tudo fez um estranho sentido, um pérfido e estranho sentido.

Aquele rapaz, que rondaria os vinte anos, poderia ser… seu filho! Tinham a cor dos olhos em comum. Depois do choque inicial, não lhe achou outras parecenças, todavia. Quando o grupo parou no centro da arena, numa formação atabalhoada de batalhão, ele estava confuso. Para além de pertencer à Aliança e de estar em Pesak numa missão de resgate, o rapaz podia ter outros motivos, mais pessoais para estar ali a defendê-lo. No entanto, não se recordava de nenhuma aventura com uma mulher, quando ele se despedia da sua vida dissoluta de músico revoltado pelos mundos do Núcleo, que pudesse ter gerado descendência. E ele tivera os seus dias de fama enquanto senador. Se essa mulher existisse, com um filho nos braços, tê-lo-ia procurado. Algumas namoradas interesseiras estiveram com ele em Coruscant… mas nenhuma lhe mencionara qualquer filho que precisasse de um pai.

O grupo virou-se para a bancada, para uma parte enfeitada com um toldo listrado. O anfitrião dos jogos sentava-se numa cadeira alta, como um trono. Uma criatura anafada, enrolada num manto dourado que refulgia a luz do sol. Num coro desafinado foi feita a sua apresentação como os losangos – aqui Heskey revirou os olhos e sentiu o suor molhar-lhe as pestanas – e solicitaram a sua bênção – neste ponto, Heskey abanou a cabeça, irritado com toda aquela hipocrisia.

O rapaz também não estava a participar da farsa. Segurava o bastão com força, que apoiava no solo, concentrado e tenso, fixava toda a sua atenção num ponto invisível, à sua frente. Ele saberia a verdade, o que seriam um ao outro. O segredo que eventualmente o levaria a uma viagem ao passado, a um encontro intenso e fugaz do qual ele não se recordava totalmente. Eram os olhos azuis, mostrava-se insolente e imprudente. Uma versão mais jovem de si mesmo. Talvez sim… ou talvez não. Decidiu sobreviver àquela prova para esclarecer a sua curiosidade.

Uma trompa soou agreste sobre o recinto e a assistência redobrou os seus incentivos ruidosos. Os membros dos losangos agitaram-se. Quebraram a formação, voltaram-se para o parapeito, virando nervosamente as cabeças de um lado para o outro, a fixar as portas gradeadas. O seu nervosismo cresceu. Era o único, dos vinte e seis, que não estava armado e, subitamente, não soube onde colocar as mãos. Abriu e fechou os dedos várias vezes.

Um som de metal a raspar em pedra ecoou na arena. Os wookies rosnaram, os barabel praguejaram. Houve um homem que quis fugir. Coxeava pronunciadamente na sua corrida em direção à porta oposta por onde entraram. Um silvo atravessou o ar, um raio laser foi disparado e o homem caiu morto na areia. Heskey levantou o olhar e percebeu que no topo do edifício estavam montados canhões laser manejados por guardas que vigiavam as movimentações mais abaixo. Quem entrava na arena jogava, não se admitiam cobardias.

— Fica atento. Continua comigo. Confia em mim!

— Meu rapaz, nesta fase creio que não tenho outra alternativa – disse ele.

As grades foram levantadas totalmente. Dos quatro compartimentos surgiram, então, os nwarr, acossados e furiosos. Investiam cegos e brutos por entrarem num local tão iluminado depois de terem estado fechados na escuridão. Correspondiam à descrição dada pelo rapaz. Grandes bestas quadrúpedes, com a fronte ornamentada por uma armação mortal formada por cornos e espigões. O chão tremia com aquela debandada, igual a um sismo que rasgasse um continente.

O grupo separou-se definitivamente, à vista dos animais que teriam de combater, cavalgar e dominar. Heskey contou-os. Dez nwarr. Agora eram vinte e cinco, o que significava que cada um deles teria de lidar com, mais ou menos, meio nwarr. Se fossem unidos, formariam duplas e a tarefa ficaria mais fácil, já que dois deles iriam enfrentar apenas um nwarr. E se o fizessem sistematicamente, as equipas seriam reforçadas com aqueles que tivessem amansado o seu nwarr. Mas não, verificou Heskey assustado. Só ele se juntava ao rapaz. Os outros ou corriam para tentar escapar da sua sorte, ou tentavam acertar o companheiro do lado para que não atrapalhasse, ou queriam apanhar um nwarr sozinhos. Era como o rapaz tinha dito – cada um por si.

O pó subia em grossos rolos do chão, com as patadas vigorosas dos nwarr. A arena tornou-se caótica e confusa, invadida pelos animais desorientados, pelos jogadores determinados, pelo incitamento ruidoso da assistência, pelos berros metálicos de um comentador que ecoava em altifalantes pelo recinto.

Heskey abriu os braços e tentava antecipar o que se passava em seu redor. Pelo canto do olho viu o rapaz brandir o seu bastão e derrubar um dos concorrentes com uma pancada. Pelo outro lado passou um nwarr às marradas que se roçou nele e fê-lo rodopiar. Viu a parte traseira do animal e um peso monumental contraiu-lhe os ombros. Era impossível subir para cima de um nwarr em corrida! Para além da óbvia dificuldade causada pela movimentação da besta, que escoiceava àquela velocidade, existia ainda o problema de serem quase da altura de um adulto. Apenas os wookies estavam em vantagem naquele confronto e ele entreviu um deles, entre as nuvens de poeira, a tentar agarrar-se como podia ao tufo de pelos do cachaço de um nwarr.

Nunca iriam conseguir vencer aquele desafio com um simples bastão, com espadas ou qualquer outra daquelas armas ridículas que lhes tinham dado! Tentou não ceder ao pânico. Suava em abundância, tinha as roupas empapadas e sujas, o tornozelo magoado com o disco que lhe cortava a pele, desarmado e sem perspetivas. Limpou os olhos com os dedos para desanuviar a visão. E um nwarr vinha em tropel na sua direção, cabeça baixa, a apontar-lhe a cornadura.

O rapaz empurrou-o e colocou-se à sua frente, bastão em riste.

— É impossível!

— Cala-te, homenzinho! – berrou o rapaz, abrindo as pernas, fincando a esquerda atrás, a preparar-se para o impacto.

Mas era realmente impossível receber a investida de um nwarr de frente. Heskey puxou-o para o lado e os dois rebolaram na areia grossa. Um segundo nwarr passou por cima deles. O rapaz levantou-se e puxou-o pelas roupas, para que também ele se pusesse de pé.

— Não podemos cair. Seremos espezinhados!

O bastão descreveu uma volta e separou dois caamasi que os atacavam com as suas espadas. Heskey saltou, alarmado com a animosidade que percebeu nos seus colegas de equipa. Deviam estar todos do mesmo lado, naquele jogo. Para além dos nwarr também teria de prestar atenção aos demais jogadores, pois eles não teriam qualquer compaixão.

Num lampejo recordou-se do gigante mercenário – estaria a assistir à sua prestação na arena, naquele momento.

— Nunca conseguiremos subir para um desses bichos – alertou Heskey num tom demasiado esganiçado, mas precisava de falar alto para se poder ouvir no meio do barulho medonho que enchia a arena. – São demasiado altos e andam muito depressa!

— Está tudo controlado…

— Estará mesmo tudo controlado?! – exasperou-se.

O wookie que tinha visto a cavalgar um dos nwarr soltou um urro, braços peludos ao alto. Na mão esquerda ensanguentada tinha o espigão alaranjado que exibia como um troféu. E bem fazia em celebrar a vitória com tal entusiasmo, pois o animal, debaixo de si, resfolegava e estremecia, parado onde terminara a sua correria. Estava manso como um miru. O primeiro nwarr que era dominado e restavam nove.

Um grito ecoou junto ao seu ouvido esquerdo.

— Cuidado!!

Não teve tempo de reagir. Tropeçou e tombou para diante, ficando estendido de borco. Não se lembrou do que aconteceu logo a seguir e devia ter perdido os sentidos, pois quando se apercebeu onde e como estava, deitado de barriga para baixo sobre a areia quente e áspera, tossiu e teve uma tontura que o impediu de se mexer. Arranhou o chão, recolheu nos punhos uma porção de areia e pôs-se a sentir a textura dos grãos entre os dedos.

Entreabriu os lábios. Sem saliva para engolir ficou a arfar e a soprar areia. Os olhos estavam velados pelo suor e pelo cansaço, numa cortina fosca que lhe caía à frente da cara e que o impedia de ver. Havia vultos, pó, tudo esbatido contra um cenário amarelo.

— Levanta-te! Depressa, levanta-te!

Alguém lhe tinha pontapeado o flanco para que se mexesse. Irritou-se com a agressão, mas o golpe não tivera intenção de ferir, mas sim de alertar. Fechou os olhos. Estava muito, muito zonzo, uma impressão de vómito a subir-lhe pelo esófago.

A claridade foi engolida por uma sombra enorme. Teve o instinto de se soerguer, depois de se atirar para o lado. Foi enterrado por uma onda de areia que lhe cobriu o torso e parte das pernas. O disco cortou-lhe o tornozelo e ele gritou de dor, levando uma mão à bota. Um nwarr tinha derrapado junto a ele. O rapaz, reconheceu-o pela cabelo loiro que brilhava ao sol, afastava o animal com picadas vigorosas do seu bastão.

Heskey pestanejou. O nwarr rodava a cabeça e fungava irritado, à procura de quem lhe estava a picar o dorso. O rapaz apercebeu-se que tinha enfurecido o animal e desatou a fugir.

— Anda! Levanta-te!! Sai daí!

Depois, voltou-se para as bancadas e chamou por um nome que ele não percebeu. Heskey engatinhou, aflito e antes de conseguir dar o impulso necessário às pernas recebeu uma pancada violenta e tornou a ficar estendido na areia. Voltou-se, atirando-se de costas para o chão, para perceber a origem do ataque e gritou de horror. O nwarr recuava e agitava a sua cabeça pesada mesmo à sua frente, a uma distância tão curta que ele era capaz de sentir o bafo quente que lhe saía das ventas húmidas.

Estava perdido! O nwarr já o tinha marcado e iria empalá-lo com os seus cornos.

Começou a rastejar às arrecuas, empurrando areia com as botas, que levantava na direção do nwarr. Queria cegá-lo e confundi-lo, mas os enormes olhos do animal situavam-se na parte lateral do crânio, protegidos por uma prega de pele translúcida e, por isso, imunes às partículas que inquinavam o ar.

Gritou de raiva, gritou de medo.

Nisto, um silvo elétrico cortou o espaço entre ele e o nwarr. Uma estreita faixa de luz faiscante azul surgiu a flutuar. Era tanto bela, quanto ameaçadora. E no prolongamento dessa faixa de luz estava uma silhueta. Heskey pôde reconhecer o rapaz loiro que era o seu defensor.

Arquejou, inquieto e tonto. Seria… Seria? Exclamou:

— Um sabre de luz!