O Legado - Nova Ordem

Capítulo 11: Céu Sem Fim


Um ponto prateado no céu refletia a luz do sol, sendo quase capaz de cegar quem olhasse por muito tempo. Mas Barbara não se importava, devido ao orgulho que estava sentindo de Godric ao vê-lo voar tão alto.

– Você está ótimo, Godric! – gritou a garota para o companheiro. Sabia que podia simplesmente tocar a mente dele, mas assim conseguia exprimir toda a sua felicidade para que todos no barco ouvissem.

Ele guinchou, mergulhando no céu e fazendo uma acrobacia no ar, fazendo Barbara bater palmas enquanto exibia um enorme sorriso para a sua exibição.

– Ele está a cada dia melhor. – quem comentou foi o elfo Bereniel, que tinha longos cabelos castanhos que naquele dia estavam soltos e balançavam com o movimento do vento. – A sua cavaleira é realmente muito boa. – ele lhe disse sorrindo.

Barbara corou um pouco com o comentário, cobrindo parte de seu rosto com o seu cabelo negro.

– Obrigada... – disse timidamente. Não estava muito acostumada a elogios – Mas todo o mérito é de Godric, que é muito habilidoso.

Bereniel sorriu novamente, divertindo-se ao ver Barbara ficando constrangida pelo seu comentário. Não era muito da personalidade dura da garota corar daquela maneira, estando acostumada à vira dura que tivera que enfrentar depois que o seu tutor morreu. Mas Berenial gostava de tirar essas expressões da garota com simples comentários, mas que ela sempre se esquivava.

Estavam navegando no lago Eldor, quase chegando na cidade de Ceris, onde foram informados que receberiam a escolta de dois cavaleiros de dragão. Os três elfos mais experientes, Blödgharm, Agalad e Erudhir, acharam desnecessário que enviassem cavaleiros tão jovens para ajuda-los, mesmo depois daquele incidente. Mas os quatro aprendizes ficaram animados com a ideia de conhecer mais cavaleiros de dragão como eles, estando os quatros ansiosos para chegar logo na cidade de Ceris.

O navio em que estavam era confeccionado pelos elfos e bem grande, uma galé de rio. Visto que eram uma comitiva de nove pessoas e quatro dragões , que mesmo ainda pequenos ocupavam bastante espaço e não podiam fazer todo o caminho voando, pois começaram a aprender o básico do voo só agora.

– DIMITH! – todos viraram-se para a gritaria da garota.

Ismira estava na proa do navio, tão inclinada que quase caia para fora do batente. O seu mestre preocupou-se com a possibilidade da garota cair, mas não mudou a sua expressão impassível enquanto observava.

– OLHEM! – ela apontou para um ponto no céu.

Blödgharm, assim como os demais tripulantes do navio pela primeira vez desviaram o olhar do espetáculo de Godric no céu e olharam para um ponto mais embaixo.

Dimith era um ponto verde jade no céu, que embora não voasse tão alto quanto Godric, aproximava-se numa velocidade assustadora. Logo ele alcançou Godric e o ultrapassou vários metros de baixo dele, porém tão velozmente que pareceu uma flecha no ar. Dimith deu um voo rasante pelo navio, quase tocando o mastro principal e inclinando-se para alcançar o convés. O seu pouso foi um mergulho desajeitado que fez a galé balançar com o impacto, assustando os seus tripulantes, mas arrancando uma grande risada de Ismira.

– NOSSA! VOCÊS VIRAM? – a garota gritou, correndo para abraçar o seu dragão ainda atordoado pela queda, jogando-se no chão para envolver o seu pescoço.

Você gostou? Eu fui bem, Mira?

– Você foi INCRÍVEL, Dimith! – ela disse ainda num abraço.

Blödgharm após o pouso atrapalhado do dragão voltou a se aproximar dos dois, ajudando suavemente Ismira a se levantar do chão do convés. A garota aceitou de bom grado, arrumando a suas roupas e tentando se recompor após o escândalo que deu.

– De fato foi incrível, Dimith. – ele elogiou o pequeno dragão que se inflou como um pavão – Apesar de ter o crescimento mais lento que os seus companheiros, você é muito veloz.

– Dimith está em fase de crescimento. – Ismira disse, defendendo o seu dragão – Em breve ele se tornará tão grande quanto Fírnen.

– Talvez ele não precise se tornar tão grande quanto Firnen. – Blödgharm respondeu com os olhos sérios – Dragões de menor porte são conhecidos por serem mais velozes. Talvez Dimith deva se concentrar nisso. Ele será um bom aprendiz de Liriane, que é conhecida pela sua técnica de voos rasantes e velozes.

– Ouviu isso, Dimith? Você vai ser o mais rápido de todos!

Dimith grunhiu em felicidade.

Eu vou sim! Vou treinar muito!

– Você viu, Barbara? – Ismira provocou a amiga de cabelos negros, que deu um careta pra Ismira do outro lado do convés.

– Mas antes disso ele precisa praticar o pouso. – Blödgharm frisou – Vamos lá. Tente novamente, Dimith. Não adianta praticar velocidade se não consegue pousar propriamente.

Certo!

O dragão cor de jade inclinou a sua coluna e se preparou novamente para levantar voo. Numa lufada de vento, o dragão voltou ao ar, preocupando-se agora em aprimora o voo ao invés de tomar velocidade. Ismira teve os cabelos bagunçados pelo vento e acenou para ele. Nem Dimith e nem Godric ainda tinham tamanho o suficiente para montaria, tendo um mês de vida somente, mas já conseguiam voar com mais naturalidade.

Após o dragão levantar voo novamente, Blödgharm voltou ao lugar onde admirava o céu refletindo no lago Eldor, um dos poucos lugares em Du Weldenvarden que poderia observar o céu sem que as árvores altas cobrissem a sua visão. Ismira logo se esgueirou ao lado dele, que não se incomodou com a sua presença, dando um longo suspiro.

– Ei, estava falando sério? - ela perguntou num tom mais baixo a fim de tornar a conversa particular.

O elfo, sem tirar os olhos do horizonte, deu de ombros.

– Sobre o que, exatamente?

– Dimith... – ela começou – Mesmo se ele não crescer como deveria, pode mesmo aprimorar a sua velocidade?

Ele esboçou um pequeno sorriso com a preocupação da cavaleira com o seu dragão.

– É bem possível, senhorita Ismira. – então virou-se para a garota, com os braços cerrados atrás do corpo – Eu não mentiria pra você.

Alguma coisa no corpo da garota tornou-se agitado, e sem querer as suas bochechas pintaram-se de vermelho como a cor de seus cabelos. Ela deu um sorriso sem graça.

– Nenhum elfo o faria. – Blödgharm completou, estranhando um pouco a reação da garota.

Aquela euforia repentina esvaiu-se de Ismira, mas não a vermelhidão em seu rosto.

– Ah... qualquer outro elfo. Vocês não podem mentir, não é? Sei.

O elfo ergueu uma sobrancelha desconfiado do seu tom de decepção.

– Algum problema?

– Ah.. nada. Só pensando em algumas coisas. No meu tio Eragon... – ela suspirou. Não era exatamente aquilo que estava pensando, mas gora que conseguira um momento em particular com Blödgharm, que andava tão ocupado depois que partiram de Ellesméra, não perderia a oportunidade para conversar com ele. Gostava muito da companhia do seu mestre elfo, e apesar dele se manter sempre frio e impassível, algo lhe dizia que ele também apreciava a sua presença.

– Estou com medo de encontra-lo. Tecnicamente eu nunca o vi pessoalmente, só através dos espelhos e mesmo assim faz muito tempo.

Blödgharm piscou algumas vezes. Nunca fora uma pessoa de discutir assuntos pessoais, principalmente com alguém conheceu há tão pouco tempo. Mas não sentia-se desconfortável ao lado de Ismira, pelo contrário. Desde a conversa que tiveram em Ellesméra sobre o seu tio Sloan ficaram ainda mais próximos. Principalmente no que dizia a respeito à Eragon, agora Blödgharm além de se sentir na obrigação de perguntar à ele também sentia-se curioso.

– Tenho certeza que ele vai recebê-la bem. Além de cavaleira você também é sua parente.

Ela assentiu, virando o olhar para mirar o horizonte.

– Não é exatamente ele... Sou eu. Ainda estou chateada com aquilo que aconteceu com meu avô. – suspirou.

Blödgharm já imaginava que ela teria uma reação assim. Ficou a observá-la por alguns momentos. Seus cabelos vermelhos estavam soltos, numa profusão de cachos cor de cobre que emolduravam o seu rosto e brilhavam com a luz do sol que estava se pondo. O seu rosto sardento encarava o horizonte com ares preocupados. Dimith não voava muito longe, mas ele sabia onde sua mente estava.

– Primeiro precisa chegar lá.

Ela sorriu, voltando-se novamente para ele.

– Tem razão.

A alguns metros dali, Fireheart e Deloi observavam os dois dragões voarem no céu acima do lago Eldor, brincando em rodopiando. Deloi já estava bem mais alto que os dois dragões, mas mesmo assim não conseguia voar muito bem ainda. Quando estava em terra até conseguia subir alguns metros e se estabilizar um pouco, mas desde que entrara no navio sentia-se incrivelmente mal, resmungando a todo momento. Fireheart ainda era muito jovem para voar, Irnael preferia se concentrar em tocar a sua mente.

Deloi resmungou novamente enquanto Narbog observava os dragões aprenderem a voar.

O que foi, amigo? – perguntou o urgal tocando na mente do dragão cor de terra. Depois de muito treinamento com seu mestre Agalad já conseguia fazer isto. Porém ainda não era muito experiente com a língua comum ou com a língua antiga, preferindo falar com Deloi em seu idioma original. Deloi não tivera muita dificuldade em aprender, conseguindo falar fluentemente e até melhor as duas línguas.

Quero voar, mas não consigo. A água me incomoda. Quando chegaremos em terra?

Não vai demorar muito, amigo. Estamos quase alcançando a próxima cidade.

Quero aprender a voar e cuspir fogo como Fírnen.

E você vai aprender, amigo. Basta ter paciência.

Narbog acariciou a cabeça de Deloi que estava quase do seu tamanho já. O dragão crescera numa velocidade assustadora desde então, sendo maior que os seus três companheiros. Narbog estava num canto sentindo-se solitário e com saudades de casa. Depois do “incidente” que aconteceu em Ellesméra mantinha-se sempre quieto. Não falava nem com Barbara e nem Irnael, que parecia ter ainda mais medo dele. Suspirou, cansado. Já tinha a personalidade naturalmente tímida, não iria se esforçar para tentar uma amizade indesejada. A única pessoa que se sentia confortável para conversar além de seu mestre e Deloi era Ismira, que estava numa conversa particular com Blödgharm.

A verdade era que a água também o incomodava. Urgals não eram conhecidos por suas habilidades aquáticas, e aquela também era a primeira vez que subira a bordo de um navio. Não estava se sentindo nada confortável, mas tentava passar o mínimo de segurança à Deloi, que aparentemente estava bem pior do que ele.

Irnael observava de longe a água do lago correr tranquilamente enquanto o navio cortava a superfície. O sol já ia se por e ele não queria perder aquele espetáculo à parte. Fireheart estava deitado ao seu lado, olhando esperançoso para os dois dragões que rodopiavam no céu. O pequeno dragão vermelho era tão novo que mal falava, ainda não estava nenhum pouco na idade de voar, mas tanto o garoto meio-elfo quanto o dragão estavam muito ansiosos por isso. Foi se distraindo nessas questões que Irnael mal percebeu quando Fireheart deixou seus pés para correr até a borda oposta do navio, onde estava o urgal Narbog e Deloi.

– Fireheart! – o garoto gritou, aproximando-se um pouco relutante do menino urgal e de seu dragão.

Irnael e Narbog pouco se falavam, o garoto se sentia mais a vontade perto de Barbara que também era uma meia-elfa, embora soubesse muito pouco da cultura de seu povo. Ismira era tão energética que o assustava um pouco, já com Narbog ele sentia uma relutância natural, o que parecia ser recíproco do outro garoto que também parecia tímido em sua presença.

Os dois tinham a mesma altura. Sempre pensou que urgals fossem grandes e muito assustadores, mas Narbog não era tão grande e corpulento quanto imaginou. Na verdade, Irnael ficou até espantado ao saber que ele não era muito mais que uma criança até para a sua própria espécie: tinha somente 14 anos. Talvez Narbog estivesse tão assustado ou até mais do que ele com aquela viagem, cercado de pessoas desconhecidas.

Surpreendeu-se ao ver o dragão vermelho morder a cauda de Deloi, logo em seguida o maior virar-se para rosnar e tentar apanhá-lo com as patas. Irnael correu até os dois e parou, não conseguindo compreender muito bem o que se passava. Não entendia porque Fireheart tentava provocar o outro.

– Fireheart, não faça isso! – ele censurou mas o dragão não obedeceu.

– Estão brincando. – disse o urgal com o sotaque carregado, olhando para ele com um pouco de receio.

Agora que Irnael olhava bem, realmente nenhum dos dois dragões parecia estar usando as garras e as presas para machucar. Na verdade, pareciam estar se divertido.

Irnael suspirou, aliviado, levando uma mexa de cabelo castanho para trás das orelhas.

– Ah... sim. Bem, eles pareciam mesmo entediados. – Irnael disse também um tanto receoso. Não queria atrapalhar a brincadeira dos dragões, que estavam se dando tão bem, mas também não sabia como iniciar uma conversa com o urgal.

– Muita água. – Narbog começou, apontando para o lago – Deloi não gosta. Não consegue voar. E Fairreart...

– Muito novo para voar. – Irnael completou, observando a sua dificuldade em completar frases.

Ficaram em silêncio por alguns segundos desconfortáveis. Talvez não tenha sido uma boa ideia tentar um assunto com Narbog, visto que ele mal conseguia pronunciar a língua comum direito. Talvez fosse melhor só ficar ali observando Fireheart brincar, quando ouviu novamente a voz gutural de Narbog:

– Em Ellêsmerra. – ele começou, no que atraiu imediatamente a atenção de Irnael que franziu o cenho – Tem medo de mim, eu sei. Eu fiz aquilo com o elfo Solaro. Mas... – Irnael estava prestes a compreender o que ele queria dizer, quando o urgal completou – Ele insultou meu povo, e Deloi. Não consegui controlar. Deloi é muito importante para mim. Perdão. Não quis assustar ninguém.

Foi como se um tapa da realidade acertasse a cara de Irnael quando Narbog terminou. Aquele episódio em Ellesméra, quando Narbog foi acusado de atacar um elfo indefeso realmente o assustou, apesar de não ver nenhum comportamento violento do garoto depois disso e seu mestre Erudhir e a garota Ismira sempre o defenderem, ainda não estava tão seguro quanto à Narbog voltar a fazer algo assim. Mas... se realmente fora aquilo que aconteceu, se realmente houve um insulto ao seu povo e seu dragão era compreensível a explosão do menino urgal. Não justificável, mas compreensível sim. Talvez Irnael tivesse feito o mesmo em seu lugar, até por menos na verdade. Sorrindo, um pouco constrangido pois sabia que Narbog havia percebido que aquilo era um motivo de desconforto entre eles, o meio-elfo pôs uma mão amigavelmente em seu ombro.

– Tudo bem. Já passou.

Narbog esboço um sorriso, mas antes que pudesse responder, a voz melodiosa do elfo Erudhir se fez ouvida entre eles:

– Narbog, está na hora de suas lições da língua comum.

O urgal meneou com a cabeça, concordando, quando Irnael teve uma ideia repentina que o fez se sentir bem de certa forma:

– Espere, Erudhir. Será que eu poderia ajudar Narbog com suas lições hoje?

O elfo de cabelos negros levantou uma sobrancelha desconfiado, assim como Narbog que parecia não compreender muito bem. O elfo olhou para ele e para os dois dragões brincando, então sorriu suavemente fazendo um aceno.

– E por que não? Será ótimo para Narbog.

O garoto urgal pareceu verdadeiramente feliz com a proposta, no que ele acenou energeticamente com a cabeça concordando. Os dois sorriram e Irnael deu um tapinha nas costas do outro.

– Vamos?