O Legado - Nova Ordem

Cap. 12: Nate e Isteir


Cap. 12: Nate e Isteir

O sol ainda não havia alcançado o céu quando os quatro partiram: Nate e seu dragão Key, Isteir e seu companheiro Acaz. A despedida fora um tanto fria e sem nenhuma pompa. Apesar do desejo de Eragon de fazer uma cerimônia para a primeira missão de seus mais antigos aprendizes, foi decidido entre a Ordem que a missão era urgente demais para que fosse atrasada por caprichos.

Por isso, elfo e humana junto de seus dois dragões só receberam as instruções e bênçãos, além dos suprimentos e feitiços necessários para a viagem, numa rápida cerimônia na praia de DomíaKoppa. Onde ouviram de seus mestres tudo o que seria necessário para uma boa missão, com a promessa de um último julgamento de Eragon para que finalmente os declarasse cavaleiros da Nova Ordem assim que retornassem. Isso pareceu inflar o ego de Nate mais do que de Isteir.

Porém, o clima entre os dois cavaleiros ainda não estava dos melhores. Era sabido que Nate e Isteir não se davam bem, apesar da boa relação que Key e Acaz nutriam entre si. Da parte dos dois cavaleiros, nenhum deles queria a companhia do outro para completar esta missão. Tanto a garota quanto o elfo se achavam suficientemente capazes de completar essa missão. O que não era a opinião de seus dragões, que se sentiam satisfeitos em ter a companhia um do outro.

Enquanto avançavam velozes rumo à aurora do dia, nem Isteir e nem Nate se comunicavam via pensamentos. Na verdade, estavam ocupados demais com os pensamentos voltados para um só objetivo:

Acelerar.

O elfo tinha muito maior facilidade em sentir os elementos da natureza. Com as pontas de suas orelhas conseguia saber onde o vento era mais frio ou mais quente, onde soprava mais e para qual direção o vento corria antes mesmo de entrar para a corrente de ar. Ele deu um sorriso e orientou o seu dragão:

Por aqui, Key! – disse apontando com o pensamento para qual altura deveria seguir.

Não me subestime, orelhas pontudas. – o dragão resmungou – Eu sei muito bem o que fazer!

Então vamos! – o elfo estimulou, agarrando-se com mais força nas escamas negras e Key antes que esse se lançasse em direção à corrente de ar.

O resultado foi o dragão ganhar uma velocidade muito maior no ar, disparando na frente do dragão branco carregando a humana cavaleira.

Isteir quase teve que abaixar a cabeça tamanha a proximidade que Nate e Key passaram por si. O que fez a humana truncar os dentes, já começando a perder a paciência com aquela viagem.

Você me paga, elfo. – ela resmungou em pensamento.

Está com pensamentos muito negativos, senhorita. Há algo que eu possa fazer? – o seu amigo dragão perguntou divertido.

Há sim. Vá mais rápido!

Rindo em pensamento, Acaz começou a bater as asas com mais força, explodindo em direção ao outro dragão. Acaz era um pouco maior que Key, podendo explorar melhor a sua força física e portanto alcançando maior velocidade por explosão muscular. Logo alcançou a altura do outro, o que foi inesperado por elfo e dragão.

Tá se achando esperta, humana? Key, mais rápido!

Nate... eu não acho que isso seja certo... – o dragão negro desaconselhou.

Você quer perder para uma humana?

Isso não é uma competição, parceiro. – o dragão grunhiu – Não como haveria de perder...

Não quer tentar? Estou começando a duvidar de suas capacidades, Key...

Mexer com a vaidade de um dragão era uma aposta muito alta. Felizmente Key fez como o esperado e decidiu acelerar ainda mais.

Isteir não se deu por vencida e também estimulou que o seu companheiro tomasse mais velocidade.

E esta corrida prosseguiu até o sol surgir no céu e as estrelas da manhã perdessem o seu brilho... O mar estendia-se à frente mostrando as primeiras ilhas que existiam entre o caminho do continente de Alagaësia e o continente onde estava localizada a Terra dos Dragões. Nate e Isteir seguiam tão compenetrados naquela competição de quem era o mais rápido que mal perceberam quando começaram a perder altitude e o endereço dos dragões se direcionou para a praia da pequena ilha que se erguia à diante.

Acaz... o que você está fazendo...

– AHHHH! – a garota gritou quando o dragão branco atingiu o solo num pouso nada suave.

Logo atrás de si, Nate não estava em situação melhor. A alguns metros o dragão também fazia um pouso de emergência, que o fez o elfo dar um salto antes de atingir a areia e pousar com um pouco mais de suavidade e graça sobre as suas próprias pernas.

Isteir bem que tentou se segurar em sua cela, mas a turbulência do pouso também fez com que as suas pernas desprendessem da cela e ela voasse longe, rolando na areia sem a mesma graça do elfo.

Os dois cavaleiros então ouviram os dragões rugirem alto, ao ponto de soltarem fogo na direção do céu, numa cena que seria assustadora se não confiassem tanto neles.

– O que aconteceu? – Nate perguntou voltando se aproximar de Key.

Vocês! Estão nos usando para competir! CHEGA disso! – o dragão de Nate respondeu.

Estamos cansados! Temos uma longa viagem pela frente e não podemos gastar energia nesse gesto infantil. – Acaz rugiu, ainda não percebendo o estado da sua cavaleira deitada na areia. – Assim Eragon e Saphira-Ebithril nunca irão nos aceitar! – ele bufou – Senhorita Isteir, perdão por... SENHORITA ISTEIR?

A garota havia caído de mal jeito e gemia de dor onde o joelho fora machucado. A sua roupa estava totalmente tomada pela areia da praia e os cabelos castanhos sempre tão bem amarrados no topo a cabeça se soltaram e estavam espalhados ao redor de seu corpo, sujos de areia. Isteir sempre fora uma boa piloto mas aquele pouso a pegou de surpresa.

Senhorita Isteir! Perdão, eu a machuquei! – Acaz gritou em pensamento, se martirizando, virando-se para onde a garota estava deitada.

– Está tudo bem, Acaz... Não foi nada. – ela sorriu para tentar acalmá-lo.

O elfo de cabelos negros se aproximou de onde a jovem estava estirada e tentava se levantar. Percebeu a marca vermelha em seu joelho e sentiu uma onda de culpa subir à sua garganta. Em parte fora sua culpa pelo que aconteceu, apesar de ter sido um acidente. Revirando os olhos ele chegou mais perto e ajoelhou ao lado da garota.

– O que você está fazendo? – ela perguntou, mal humorada. Não, não confiava nele.

– Te ajudando. – ele disse devolvendo o olhar de desprezo. Era orgulhoso também.

Observou direito o machucado, pegando delicadamente no joelho da jovem, o que a fez resmungar de dor. Apesar de parecer feio e até estar sangrando bastante, não fora profundo, um simples feitiço poderia ajudar.

Waíse heill – ele proferiu, o que fez a garota se sobressaltar antes de seu machucado começar a se curar numa luz branca.

Isteir mal teve tempo de reclamar, pois quando viu já estava recebendo a magia de cura do elfo. Não esperava daquilo vindo dele. Eram obviamente rivais e até pouco tempo estavam competindo. E agora ele a ajudava. Ela suspirou, pegando na mão do elfo que a ajudou a ficar novamente de pé, já com a perna curada e não doendo mais.

– Obrigada. – ela respondeu timidamente.

– Não vamos mais competir. Os dragões não vão aguentar. – ele respondeu, no que Isteir assentiu com a cabeça – Devemos fazer mais duas paradas em ilhas como essa para descansar e comer alguma coisa. Porém, precisamos manter a velocidade. Tudo bem?

– Tudo bem. – ela assentiu, embora não gostasse de tê-lo comandando a situação, não queria mais uma briga.

E assim, eles se desculparam com os dragões. Tomaram um cantil de água e voltaram a alçar vôo.

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Avançaram por mais tempo sem que nenhum incidente acontecesse. Fizeram a sua primeira parada oficial numa pequena ilha inabitada que era chamada de Inäella. Apesar de não haver humanos naquela localidade, o seu mestre lhe contara uma vez que lá havia criaturas que os elfos chamavam de faëries, ou fadas. Mas eles não ousavam a fazer contato com este povo. Se viveram a tanto tempo escondidos eram porque desejavam permanecer assim.

Após o descanso, Nate e Isteir retomaram a viagem. Estes sem trocar praticamente nenhuma palavra, isolados na fortaleza de suas próprias mentes. Mantinham o ritmo constante da viagem e muitas vezes esqueciam-se da companhia um do outro, por vezes deixando ora Key ora Acaz para trás de modo a salvar energias.

Mas quando Isteir avistou um paredão cinza ao longe, imediatamente se preocupou. A sorte era que à sua frente estava mais uma pequena ilha. Pensou consigo mesma que fazia pouco tempo que haviam parado para descansar, e mais uma parada poderia atrasar a viagem, mas visto que havia uma tempestade à frente ela decidiu lançar a sua mente para se comunicar com a do elfo.

Nate, vamos pousar naquela ilha. – ela anunciou.

O elfo imediatamente se irritou. Não gostava quando falavam na sua mente, principalmente a humana Isteir. Ele grunhiu e respondeu.

Não, não iremos atrasar a viagem. E você não está no comando da missão.

E muito menos você. – A garota se irritou – Acaz já avisou a Key, iremos parar.

O elfo ainda tentou questionar ao seu dragão, mas ele só disse que concordava com a decisão de Isteir e tomou posição para pousar na ilha à frente.

Os dois dragões dessa vez pousaram com mais suavidade do que na primeira ilha, apesar de Nate ainda não concordar com o pouso de emergência. Por isso, enfurecido, o elfo desceu do lombo de seu companheiro elfo e partiu a passos largos em direção à cavaleira, que havia acabado de pousar e também descia suavemente da sela de Acaz.

– O que pensa que estar fazendo, Isteir? Esta pausa não estava prevista. – ele disse friamente para a garota que ajeitava a sua capa de vôo.

– Não podemos continuar avançando, ver? – ela apontou para o céu, onde um paredão de nuvens negras se formava. – Uma tempestade está vindo.

– Key é muito capaz de voar através de uma tempestade. Ele não é fraco! – ele defendeu o seu amigo, ao que a outra revirou os olhos.

– Sei muito bem a capacidade de Key assim como de Acaz, mas nós não podemos avançar numa tempestade. Também cansaria os dragões sem necessidade e nós poderíamos nos perder.

A menina de orelhas redondas tem razão, parceiro. Talvez fosse melhor esperar... – Key, o dragão negro com listras prateadas nas patas e no rosto assentiu.

– Eu não aceito qualquer tipo de ordem de uma humana! Vamos prosseguir a viagem. – e deu as costas para a garota de cabelos castanhos, que estreitou os olhos começando a perder a paciência.

– Eu não estou dando ordem alguma! E nós dois estamos em missão juntos como aprendizes da Nova Ordem! Deveríamos tomar as decisões em consenso.

– Pois eu não consinto! – o outro retrucou, voltando para o seu dragão.

Acaz, que tinha a cor branca como as nuvens, rosnou devido ao comportamento do elfo para com a sua companheira. Mas antes que fizesse qualquer coisa, a voz de Key voltou a ser ouvida.

Pois eu consinto com a humana sim, Nate. E se Acaz também concordar nós ficaremos aqui.

O outro grunhiu em concordância, ganhando um afago da sua cavaleira.

O elfo respirou fundo e trincou os dentes.

– Então tudo bem, se é isso que vocês querem. Mas caso Eragon-Elda reclamar de nosso atraso eu não levarei a culpa.

– Eu assumo a culpa. – Isteir respondeu, respirando fundo.

Nate voltou a montar no lombo de Key, olhando para o céu e constatando que a tempestade talvez fosse ser realmente forte e que assim era melhor nem permanecer perto da praia. O melhor a se fazer seria ficar num abrigo.

– Vamos, Key. Se for para ficar eu prefiro permanecer o mais longe possível.

Isteir respirou fundo, tentando novamente não perder a paciência. Permitir que o elfo se acalmasse seria a melhor coisa a se fazer agora, por isso nada falou. Key virou-se uma última vez para os dois antes de levantar vôo e adentrar na pequena mata dentro da ilha.

– Devemos nos abrigar também, Acaz.

Vamos então, senhorita.

E os dois também partiram para procurar abrigo, em qualquer direção oposta ao do elfo.

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Isteir recordou-se de quando conheceu Acaz. Ela era somente mais uma das criadas do castelo da Rainha Nasuada de Illirea. Fazia dez anos desde que Galbatorix fora derrotado, e ela tinha 12 anos na época. Os seus pais acabaram morrendo na batalha de Uru’Baen, mas a bondosa rainha não deixou as crianças órfãs desamparadas. Elas foram acolhidas e criadas para que tomassem algum rumo na vida. Isteir ficou trabalhando no castelo, fazendo pequenos serviços, suficiente para uma criança. Foi quando foi convidada a comparecer a cerimônia Agaetí Shur’turgal.

Ela não tinha qualquer esperança de ser escolhida para a cerimônia. Afinal, ela só era uma criada. Havia muitos burburinhos na capital, dizendo que aquela que seria escolhida era a protegida de Nasuada, que também diziam ser a sua filha. Mas quando puseram Isteir em frente àquele ovo de dragão branco como as nuvens do céu, algo balançou dentro dela. E uma atração inexplicável fez que a pequena criada segurasse no ovo a sua frente como se fosse a sua própria vida. Os guardas já estavam indo para força-la a soltar quando um dragão branco de olhos verdes saiu de lá.

Desde então a sua vida mudou drasticamente.

Nasuada deu a autorização pessoalmente para que Isteir fosse levada junto aos elfos para Eragon. E para isso fizeram o caminho até Du Weldenvarden, a Terra dos Elfos, onde Isteir jamais imaginou que um dia pisaria os pés. Foram poucos os elfos que vira em sua curta vida. Mas infelizmente naquele ano nenhum elfo fora escolhido na Agaetí Shur’turgal.

Uma pequena comissão de elfos a acompanhou na sua viagem até o Além-Mar, na terra onde Eragon e os demais dragões viviam. E junto deles um elfo de aparência fria, de pele branca e cabelos negros até a altura dos ombros. Ele se chamava Nate e tinha a exata mesma aparência de hoje.

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Nate era um elfo que vinha de uma linhagem antiga e contínua, o clã Wyrden. Não que ele ligasse muito para aristocracia de sua linhagem. Sempre foi interessado em aprimorar magia de luta, embora não fosse algo estimulado em seu clã. Quando conseguiu a sua emancipação, ficou decidido a ajudar na luta contra o Império e acabou partindo para batalhar em Alagaësia. O mestre ancião Oromis-Elda e Glaedr-Elda sempre o inspiraram, por isso decidiu segui-los nas batalhas, mesmo depois que Oromis fora morto.

Retornou à Ellesméra quando Galbatorix finalmente fora derrotado, enfurecido pelo fato de seu pai ter sido morto em batalha. Mas o eldunarí de Glaedr o acalmou, pedindo calma para o jovem elfo pois “Tudo há o seu tempo...”.

Por isso Nate decidiu dar tempo ao tempo. Mas a sua paciência finalmente terminou quando depois da sua décima tentativa de participar da Agaetí Shur’turgal nenhum dragão nasceu para ele. Por isso decidiu aproveitar a chance de participar da comissão que escoltava a humana Isteir e seu dragão Acaz até a terra de Eragon e Saphira.

Ele não compreendia como uma humana como ela, sem família ou linhagem, de apenas 12 anos havia sido escolhida e ele não. Limitou-se a não manter contato com a menina até chegarem a Domía Kópa.

Nate queria aprender como os demais aprendizes de Eragon. Queria saber magia e a ler a mente de um dragão. Queria os segredos de Alagaësia. E ele aprendia, mas não podia ser considerado como um aprendiz de Eragon, a quem mais admirava.

Mas qual não foi a sua surpresa quando Eragon o convidou a entrar na Câmara dos Dragões e foi imediatamente atraído por um ovo negro de listras brancas, como um raio cruzando a superfície lisa. Ele o tocou, e uma corrente elétrica atingiu o seu corpo, e então Key nasceu.

Ouviu novamente a voz de Glaedr dizendo “Tudo há o seu tempo.”. Nate ficou tão imensamente feliz que pediu a Eragon que este fosse o seu mestre, que ele queria aprender somente com ele.

É claro que Eragon e Saphira concordaram, o problema era ter que conviver com a outra aprendiz de Eragon: Isteir, e seu dragão Acaz.

Não que tivesse alguma coisa contra a humana, mas ele não gostava de dividir as atenções de seu mestre com a menina. E o que deveria aproximar os dois, acabou transformando em competição entre os dois cavaleiros sobre quem era o melhor aprendiz de Eragon...

E essa rivalidade tem durado todos estes oito anos...

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A tempestade durou uma noite inteira, e ao amanhecer já havia acalmado. O ar ainda estava úmido e algumas nuvens ainda deixava o tempo um pouco frio. Mas todos, cavaleiros e dragões, concordaram em seguir viagem e assim o fizeram.

Pararam somente mais uma vez durante a viagem. E logo estavam chegando ao continente, onde viam de longe um vale onde permeava o rio Edda. Aquele era o caminho que deviam seguir antes de chegar no ponto de encontro, a pequena cidade de Hedarth.

Isteir e Nate respiraram fundo o ar do velho continente, sentindo certa nostalgia e saudades de casa. Por mais que amassem Domía Kópa, era aquele lugar onde nasceram, onde queriam proteger.

Finalmente Alagaësia... – os dois pensaram em uníssono.