– Oh céus! - fiquei apavorada, peguei meu candelabro e o ameacei – Diga quem é você, senão vou chamar os guardas!

– Olha, não tem porquê chamar os guardas! Mary, sou eu! O Bash! Sou o bastardo do rei, o rechonchudinho que caçava borboletas contigo!

– Não me lembro de nenhum gordinho! – eu o ameacei mais de perto. Quem aquele louco pensava que era para entrar nos aposentos de uma rainha sem prévio aviso? - Como entrou aqui?

Ele apontou meu armário.

– Existe uma passagem ali, que liga nossos quartos.

– Pois entre por ela imediatamente, seu atrevido! E se eu vê-lo aqui novamente, você pode ser o filho do próprio Diabo, eu vou esconjurá-lo!

– Mary!

– Majestade, pra você! - aproximei demais a vela, acabou pegando fogo na roupa dele. Ele se debateu e tirou a camisa ali mesmo.

– Está feliz agora? - ele perguntou – Quando se lembrar de mim, vai se arrepender. E pensar que fiquei tão feliz pela sua melhora e vim correndo...

Ele entrou pela passagem. Sinto que, de alguma forma, eu devia algo a ele. Me senti culpada de tê-lo ateado fogo. Mas eu não tinha ideia de quem ele era! Ele era o filho bastardo do rei e eu, morando na França há meses, ainda não o conhecia? Que espécie de sonho estranho era aquele do qual eu nem poderia acordar? Que coisa sinistra. Deitei e fiquei assustada. Pensava em Aylee.

– Quem Aylee queria envenenar? - perguntei.

– O Bash – Kenna falou e fiquei apavorada.

– Quem é Bash?

Kenna se assustou com minha pergunta.

– Como assim, quem é Bash? Não me diga que se esqueceu logo dele.

– Eu não esqueci, apenas não sei quem é. Talvez eu conheça. Como ele é?

– Ta bem, chega de brincadeiras – ela ficou mais séria ainda – Mary, você está me assustando. Passamos momentos horríveis esperando que acordasse, para ficar assim... brincando.

– Kenna, eu juro por Deus que não estou brincando. Se estiver, quero que caia um raio na minha cabeça agora!

Ela cruzou os braços. Não queria acreditar.

– Você sabe quem é Francis? Catherine? Henry? Aylee, Lola, eu?

– Sim, lembro perfeitamente – Nostradamus estava de ouvidos na nossa conversa.

– Então por que não lembra justo dele?

– Acha que não estou sentindo essa mesma estranheza? Agora que você falou esse nome.. Eu sinto um vazio enorme aqui no peito... Eu conheço ele pessoalmente?

– Sim, Mary – Kenna disse.

– E o que eu faço se encontrar com ele?

– Aja naturalmente. Ele é o bastardo do rei, todos o conhecem.

– E como ele é?

– Vai saber quando encontrar...



Rolei para um lado, rolei para o outro. Havia uma passagem em meu quarto. Rapaz, eu era curiosa e muito. Senão não teria investigado esses túneis. Mas, de repente, me deu um certo medo.



– Vai saber quando encontrar...



É.

Como imaginei.

Ele é um gato. Sinto que fiquei vermelhinha. Fui até a janela tomar um ar.



Bash



– O que você quer? - perguntei a Nostradamus, a quem eu havia acabado de permitir que entrasse em meu quarto.

– Você fez uma coisa muito feia – ele me acusou.

– Do que está falando?

– Mudou o curso da história com magia, você se envolveu com os pagãos!

– O que eu deveria fazer? Deixar Mary morrer?

– Uma vez que a morte não alcançou seu objetivo, ela está sobre nós, esperando o menor deslize para atacar. Não sabemos quem ela vai escolher.

– Então o motivo dessa discussão é o seu medo?

– Você deveria estar também. Dizem que a morte é cruel com quem a engana. Mary não se lembra de você e agora sua mente é um livro aberto para os pagãos; talvez não tenha ideia do que fez e tudo que eu disser você vai achar que é medo. Você está sozinho nessa.

Ele saiu pela minha porta.

E eu fiquei aqui, pensando.



–--



Lá estava ela, de volta aos braços do Francis. E eu, sentado na janela, a olhá-la. Esse era já o meu costume, era como eu passava os meus dias. Anne havia ido embora. Odiou-me por causa do meu sumiço, deixou o anel de minha mãe e foi embora. Anne talvez tenha sido o mais próximo que cheguei de ser feliz e não quis. Talvez eu mereça mesmo ficar aqui vendo Francis mexer nos cabelos de Mary, beijá-la sob o sol poente.

E eu, bem.. Eu passava o meu tempo.

Escovava meu cavalo, dava feno e tirava os carrapatos dele.

Lá estava eu alisando a crina da Giulietta, minha égua e pensando na danada da Mary.

– Ei, você, pode selar meu cavalo? - perguntou justamente a tal da Mary. Estava vestida de calças e botas, para cavalgar.

– Tenho cara de... zelador do estábulo? - respondi. Eu tinha uma queimadura de leve no peito por culpa dela.

– Ah, é você! - Mary cruzou os braços – O invasor de quartos de donzelas. Não tem vergonha?

– Escuta aqui, sua rainha dos baixinhos...

– Como...?

– Você já invadiu meu quarto mais vezes do que posso contar nos dedos.

Ela bateu o pé.

– Se não lembro, não fiz!

– Ora, por favor – Continuei escovando Giulietta. Ela ficou esperando ali parada e eu fingi que não vi. Até que ficou constrangedor demais – O que você quer?

– Eu quero um cavalo selado para cavalgar com Francis.

Eu dei um largo sorriso, com todo o prazer to mundo, montei meu cavalo e fui embora, dando adeus com um aceno.

– Seu noivo vai ter prazer em ajudar - Admito que fui um babaca, mas foi muito divertido vê-la ali precisando de mim. E divertido imaginar Francis fazendo algo que não tinha ideia de como fazer.

Passei em volta do lago, Giulietta precisava fazer exercícios constantemente. Bebeu água, fez suas necessidades. Vi Mary cavalgando a mil por hora, procurando Francis, que já tinha passado por ali alguns minutos antes.



Mary



Eu estava sentindo a sela bamba. Não estava firme. Conforme eu cavalgava, sentia-a indo para o lado, escorregando. Senti que seria melhor parar, mas eu não iria alcançar Francis. Deu trabalho convencê-lo a me levar para longe da cidadela. Ele tinha algumas coisas a comprar e eu queria também.

– Mary! Mary, onde está indo?

– Ah, não! - exclamei ao vê-lo atrás de mim – Você de novo, Béxi. O que quer? Já selei meu cavalo – eu diminuí o ritmo e o indivíduo me fechou.

– Francis já passou há muito tempo! Não pode ir sozinha!

– Graças a você! - tentei contornar a passagem e ele me fechou de novo. Era muito mais habilidoso – Idiota! Deixe-me passar!

– Sozinha, não!

– Eu vou chamar seu pai!

Ele riu.

– Sebastian, deixe-me passar! - agarrei o cabelo dele e puxei.

Ele ficou gritando, tentando me soltar dele.

– Mary, controle-se! - gritou, finalmente apertando meus pulsos. Soltei os cabelos dele – Se é tão importante ir à cidade, eu vou com você. Mas só se prometer se comportar.

– Querido, eu sou uma rainha. Você é um bobo da corte, um grosso mal-educado, estuprador de menininhas. Eu nunca vou deixar que me acompanhe!

Ele ficou me detonando só com o olhar.

– Sem palavras, não é? Adeus! - dei partida com o cavalo e não passaram dois minutos até que meu cavalo começasse a se entortar todo, a sela deslizando adoidadamente e minha perna direita já estava mais alta que minha cabeça quando percebi que estava totalmente na horizontal. Eu caí lindamente e o cavalo foi embora, me carregando junto. Fiquei com a perna presa na sela.

– Socorro! - eu gritava, minha bunda estava ralando no chão! - Socorro! Alguém ajude a rainha da Escócia!

– Desculpe, Majestade – Sebastian veio galopando com a espada em mãos e a lâmina zuniu próximo aos meus pés – Mas vai ter que subir no cavalo do bobo da corte, grosso mal-educado e estuprador de menininhas.

Ele me deu a mão. Minha calça estava toda esfolada. Sebastian deu um tapinha nas costas do cavalo, convidando-me a subir.

– De jeito nenhum! - esbafori – Está louco se pensa que vou subir nesse cavalo!

– Égua!

– Me chamou do quê?!

– Eu não tenho cavalo! Tenho égua! A Giulietta.

– Mas que boiolagem!

– Ta me chamando de boiola?!

– Não, imagina – bati o pé, virando o rosto.

– Pois você pode não lembrar, mas esse boiola aqui já te deu uns belos tratos.

Fiquei totalmente vermelha e constrangida.

– Se não lembro, não fiz! Já lhe disse.

Ele riu um pouco e ficou olhando.

– Esqueci do seu novo lema. Pois bem, até mais, Mary! E de nada!

Ele foi indo embora.

– Ei! - chamei – Não pode me deixar aqui! Estou sem cavalo!

– Lamento! Você ofendeu Giulietta, pois ofendeu o dono dela. Agora iremos embora. Até mais, Mary!

Ele andou um pouco mais com o cavalo e voltou. Aceitei sua mão e subi.

– Por que você me maltrata, Mary? - perguntou muito próximo à minha orelha. Fiquei eriçada.

– Porque você diz coisas que não lembro. Isso me irrita. Me faz achar que enlouqueci.

– Você me ama, Mary – ele sussurrou – Só precisa lembrar disso.

– Pfff - bufei – Perto de você, não me sinto tão louca assim.

Fomos andando até a cidade. Eu estava envolvida em algo que não sabia ao certo.



– Para que você precisa de ajuda? É bonita, é rainha, logo Francis irá casar-se com você.

– Ele não quer se casar comigo até ter o consentimento do pai.

– Mary, eu não sou uma bruxa de brincadeira. Se estiver planejando me entregar ao rei, eu...

– Não estou! Mas preciso fazer isso pelo meu povo!

– Você sabe as coisas que acontecem quando você se envolve com magia negra, não é? Está tudo sobre si mesma.

– Eu sei.



Eu tinha uma lista de ingredientes. Conversei com Morgana sobre a chance de usar magia negra para acelerar o processo do casamento. Algo que com certeza aconteceria logo.

Fui com Sebastian até a feira.

– Uma feira? O que uma rainha faz na feira? É assim que acontece lá na Escócia?

– Você é uma rainha? Então não venha me julgar, meu querido.

Ele deu de ombros. Peguei a lista e comecei a coletar todos os ingredientes, acessando alguns lugares mais escondidos.

Sebastian ficou em algum lugar por ali, andando. Comendo coisas e colocando jarras de vinho no lombo de Giulietta. Ele devia se casar com aquela égua, do jeito que era um babaca, estava precisando de uma mulher e não conseguia nenhuma.

Caiu a noite.

– O que tanto procura, Mary?

– Macadâmia. Não consigo encontrar.

– Nem vai encontrar. Já fecharam quase todas as lojas. Vem cá, precisa disso pra quê? Estão te fazendo passar fome no castelo?

– É claro que não, seu idiota. O que vou fazer com isso não é da sua conta!

– Credo! Acho que vou por seu nome na égua mais braba do estábulo. Porque você só dá coice.

Todos os estabelecimentos estavam fechando.

– Temos que ir embora, Mary – ele me disse.

– Mas só falta um ingrediente!

Sebastian estava olhando muito fixamente para alguns lugares, para os quais eu olhei e não vi nada. Precisava daquela poção do amor para ontem! Visitei a bruxa hoje, ela queria os ingredientes hoje mesmo.

Eu estava andando, pensando, pensando, andando, até Sebastian me empurrar no chão.

Cuspi terra ao levantar. Uma pedra passou zunindo pela minha cabeça. Sebastian me jogou no lombo daquela égua irritada e subiu também. Começamos a cavalgar. Ele foi atingido no braço e a égua, no lombo, por pedras. Mesmo assim, Sebastian me protegeu e levou uma flechada no ombro. Cobriu meu corpo com o seu enquanto cavalgávamos.

– Você não será nossa rainha! - gritavam algumas mulheres, com arqueiros à sua frente – Bruxa!

– Por que estão gritando isso? - perguntei a Sebastian. Eu estava totalmente encolhida, roçando meu corpo ao dele, que provavelmente devido ao estado de choque, não havia ainda sentido as dores do braço e do ombro.

– Eu que sei?! - ele respondeu perguntando. Cavalgamos bastante para longe das outras flechadas, segurei meu cabelo para que não ricocheteassem no rosto dele. Bash começou a ficar quente uma hora depois. Descemos do cavalo um pouco, para ele retirar a flecha – Uma daquelas mulheres era mãe de Olívia, pelo que pude perceber. A arqueira, era irmã dela.

– Então está explicado – paramos próximo a um lago – é melhor você tirar essa flecha. Por que nos deram flechadas? Meu Deus!

– Eu não sei, Mary. A popularidade do rei não é tão boa e muitos não concordam que você seja um dia rainha da França.

– Por quê?

– Porque sonham com uma aliança entre França e Inglaterra.

Sentei no chão.

– Meu país e eu somos inúteis – limpei as lágrimas em meus olhos – Não sou boa para a Escócia e não sou boa para a França... Para quem eu sou boa, então?

– Pra mim – ele respondeu, um pouco envergonhado.

– O quê? - não entendi o que ele quis dizer com isso.

– Quis dizer: seja boazinha comigo e quebre essa flecha, você sabe?

– Claro! - fiquei nervosa, é claro que eu não sabia fazer aquilo. No máximo conseguia tricotar alguns nomes em tecidos com renda.

Clac!

– Ai! Mary, você disse que sabia! - quebrei a flecha e ele foi puxando pouco a pouco, sentindo dor.

– Deixa que eu puxo, pra você vai ficar difícil.

– Não, Mary, ah!!!!! - puxei de uma vez só e a dor dele passou, mas ficou penalizado.

– Vamos... Eu guiarei o cavalo. Sei que está com dor.

– De jeito nenhum! Imagina que humilhação!

– Bash, está de noite, estamos cansados e feridos! Você pode deixar de ser chato?

Ele ficou me olhando. Ficou nitidamente fixo em mim.

– O que foi?

– Nada – Subi em Giulietta e puxei-o pelo braço saudável. Ele foi na minha frente, numa cena engraçada e constrangedora.

– Você me chamou de Bash – ele murmurou.

– Se repetir isso, vai levar uma chicotada.

– Por que me chamou de Bash?! Ai, Mary! - ele tomou o chicote da minha mão.

– Porque é mais simples e mais prático. Sebastian. Que nome feio. Por que não sufoca sua mãe enquanto ela dorme?

– E Méuri? Nome de santinha do pau oco.

Para não se multiplicarem os xingamentos, fiquei quieta. Levei-o até o castelo, desci primeiro e lhe dei a mão.

– Não quer me levar no colo também? - ele perguntou.

– Ah, desce logo!

Ele me deu a mão e desceu. Havia criados ali, menininhas apaixonadas por ele, pelo que vi.

E só depois eu percebi que até entrarmos no castelo, ainda estávamos de mãos dadas. E eu me sentia bem com isso...



~~~~~~~~~~~~~~~~~Fim do capítulo~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

...Prévia do próximo...

"Não consegui dormir. Por minha culpa o Bash estava na cela. Por que fui tentar recorrer à magia? "

"- Você está se sacrificando pela Mary.

– Coisa que você não foi capaz de fazer! Você não confia na sua noiva!

– É claro que não! Eu não confio em ninguém! Eu sou um príncipe, Sebastian. Preciso confiar apenas em mim mesmo, estou cercado de complôs, traições... Veja só você, acha que merece confiança depois de fazer o que está fazendo?"

"Quando cheguei ao pátio, vi a cena mais horrível da minha vida. Bash amarrado a um tronco, sem camisa, açoitado por um carrasco cruel."