Por mais que eu não quisesse aceitar, eu sabia quem era. Étimos, filho de Átimos. Ele surgiu atrás de uma grande pedra sobreposta a parede, como se estivesse nos esperando. Vestia uma roupa toda preta e comprida. Era belo, como na visão, mais seu olhar era amedrontador. Seus olhos eram vermelhos e dava-se medo de vê-los.

Os meninos ficaram na minha frente, apontando suas varinhas para Étimos. Matheus e eu ficamos um do lado do outro, atrás deles. Étimos estava andando suavemente até nós, como se tivesse flutuando.

– Sabe, é algo tão simples de fazer, ainda mais se tratando do guardião do Colar do Parvo. – disse ele – Sim, você só está aqui porque nós deixamos você vir. Achou mesmo que conseguiria passar pelo seu sangue? Oras, ele quando vivo, deixou seus poderes de bruxo para ser um mortal. No entanto, sua verdadeira essência ainda vive e você Kayo, não tem noção do quão forte ele é. Mesmo estando morto.

– Eu não vim aqui para falar de Edvan. Nem mesmo afeição por ele eu tenho.

– Mas deveria. Ele foi um grande homem, devo confessar.

Ele parou por um tempo e olhou para a parede. Ali entalhado em rochas disformes havia o desenho de uma águia. A mesma começou a se movimentar e então se desgrudou da parede, voando até Étimos, onde posou e ali permaneceu ao lado de seu dono.

– Quanto ao Colar do Parvo eu já sei que o deseja, e eu estou aqui. Entregue os pais de Matheus. – eu disse.

– Sim, iremos entregar. Mas infelizmente, você fica no lugar deles.

– Como assim? – perguntou Matheus.

– Humano intrometido! – disse Étimos.

Ouvimos alguns zunidos surgindo da porta. Eram coisas que voavam e tinham a forma de humanos. E realmente eram. Pousou ao nosso redor, com uma risada mórbida, Melissa. Depois seu irmão Antonius. Leda, a vampira que agora ocupava o corpo de Aline e os três homens que acompanharam Melissa momentos atrás, levando Alim de volta a taberna.

– Nem ousem a conjurar uma magia no sepulcro de meu pai. – disse Étimos.

– Ah, sim. Aquele velho gaga e morto! – disse Adrian ironizando. Étimos pareceu não gostar muito.

– Não tem realmente amor a sua vida, não é garoto? – disse Étimos.

Melissa foi se aproximando de Étimos, com a varinha cutucando os dentes e com a mesma cara de maluca que tinha.

– Mate-os e pegue o colar...

– Ainda não é o momento Melissa. – disse Antonius do outro lado.

Os bruxos iam andando de forma a formar um circulo. Nós precisávamos tomar uma decisão rápida, mais fugir não era algo válido ali no momento. Eu tinha que ganhar tempo.

– Leda, se aliou rápido aos Soberanus novamente. – eu disse.

– Sim, eu fui apenas possuída por uma vontade imensa de estar com o colar, eu queria entregar ao senhor Étimos. Mas passou, eu fui punida pelo meu ato e perdoada. – disse ela, meio rancorosa.

– Étimos, seu pai realmente acha que você entregará o colar a ele? – eu perguntei. Nathan e Adrian olhava com firmeza os movimentos dos exilados.

– Não quero perder a minha vida, garoto! Não sou tolo. Entregue o colar, seus amigos e os pais de seu amor serão dispensados. Mas você e o colar ficam.

– Fora de cogitação. – disse Nathan.

Étimos pareceu bem raivoso, mesmo tentando se conter. Mexia o pescoço de um lado a outro, como se estive o estralando. Fechou os olhos e demorou alguns segundos até dizer alguma coisa.

Ao abrir os olhos uma portinha se abriu atrás do trono. Os dois guardas de chumbo então criaram vida e foram até ela, e trouxeram duas figuras bem conhecidas. Eram os pais de Matheus, que correram até ele e o abraçaram.

– Não precisamos matar ninguém. É simples. Nos dê o colar e fique.

– Filho... filho... – dizia a mãe de Matheus. Os três se abraçaram fortemente, e choravam.

– O que eles fizeram com vocês? – perguntava Matheus preocupado. Os dois ainda vestiam a mesma roupa do dia que foram sequestrados, só que estavam um pouco mais sujos.

– Nada, estamos bem! – disse o pai de Matheus.

– Tem algo de estranho aqui! – comentou Adrian.

– Sim, realmente tem.

– Étimos... isso está fácil de mais. – eu disse. Melissa soltou um ruído, algo parecido com uma risada forçada.

– Atentos. – disse Nathan.

– Crianças infâmias. – disse Étimos – Não sabem aproveitar uma grande oportunidade como essa...

– Não existe oportunidade alguma aqui Étimos. Nos entregue os pais de Matheus – eu disse, ríspido.

Todos pareceram me olhar ao mesmo tempo. Matheus conteve o choro e se afastou da figura de seus pais, que nesse momento pareceram ficar sem ação. Inertes.

Étimos pareceu mudar sua feição. Ficou extremamente sério e furioso.

– Imitações. Eu sabia que sua calma era forçada. – disse Nathan – Matheus se afaste deles...

Matheus deu mais alguns passos e Nathan conjurou uma magia que fez os pais de Matheus virarem pó. Nós olhamos novamente para Étimos.

– Eu quero o guardião vivo. Matem os outros. – disse ele.

Melissa foi a primeira a conjurar os raios de sua varinha, agora eram raios vermelhos, assim como os outros. Nathan e Adrian rebatiam e se esquivavam deles com rapidez e lançavam as suas , agora bengalas, raios verdes e às vezes brancos. Matheus se aproximou de mim, abaixado, enquanto eu conjurava aquela magia do fogo. Minhas mãos ficaram ardentes e eu criei um círculo entre nós quatro para nos proteger. Sentia toda a minha carne em chamas, e meus olhos pareciam emanar tal força. O colar estava pesado e os olhos da serpente, pareceram, em certo momento brilhar, um vermelho forte, como o sangue.

– O que faremos? – perguntou Matheus.

Os raios iam e vinham, quando o fogo que me circulava pareceu criar vida. Sete homens em labaredas foram jogados para fora do círculo, onde começaram a lutar contra os exilados. Meu foco era Étimos, eu queria me aproximar dele, mais eu sentia que se eu mudasse o meu pensamento mais um pouco, naquele momento, os homens de fogo iriam se dissipar e estaríamos perdidos.

Raios iam e vinham contra nós. Matheus sempre abaixado. Meu corpo em chamas controlando os homens que me serviam. Nathan e Adrian nos protegendo ainda mais com seus feitiços de proteção.

– Desista garoto! – ouvi Étimos dizer.

– Jamais! – eu gritei.

O fogo em minha volta pareceu aumentar. Em meu corpo, o fogo antes vermelho, agora era azul. Lentamente os homens que eu conjurara com meu poder foram ficando também. Ouviu-se um estalido alto e depois gritos. Asas batiam em cima de nossas cabeças.

– Kayo, precisamos ir... você não agüenta... é muito poder... é muito! – dizia Nathan.

– Kayo por favor, vamos sair daqui. – dizia Matheus aos berros.

Eu sabia o que estava fazendo e sentia que podia fazer. Eu estava me sentindo fraco o bastante para desistir, mais eu não podia. Eu estava desejando aquilo, e o colar estava me concedendo esse pedido. Eu pedia mais força, e ele me dava, no entanto, eu me sentia mais fraco. Senti minhas pernas cambalearem. Comecei a arfar.

Uma fumaça negra começou a subir ao teto. Minha respiração estava mais forte. Meu corpo estava ardendo agora. Senti um puxão. E depois outro. Cai de joelhos. Nathan e Adrian gritava para nos tirar dali. Mesmo ouvindo eu não conseguia calcular o perigo. As chamas foram ficando mais densas. Mais altas. Vi figuras a minha frente, figuras distorcidas pelo fogo, se afastando.

– Isso não ficara assim, garoto! Não ficara. Uma hora, você estará sozinho e será nesse momento que eu irei te matar. – disse Étimos.

Ouvi Melissa gritar para todos saírem dali. As asas que eu ouvia pareceram sumir.

– O que está havendo? – gritava Matheus.

– Estão indo embora! – disse Adrian – Eu acho que estão indo embora.

– Abaixem-se! – eu disse.

Todos se abaixaram e então com muita força e dificuldade fiquei de pé. O fogo que ardia em nossa volta cessou, assim como os homens em labaredas.

Eu senti uma força incontrolável sugar todo aquele fogo para dentro do meu corpo e então tudo cessou por completo.

– Devemos ir embora. – disse Nathan.

Eu cai de joelhos novamente no chão. Com uma forte dor de cabeça e fraqueza. Matheus me ajudou para que eu não batesse a cabeça. Segurou-me com seus braços fortes. Eu senti fracamente seu cheiro.

Eu não podia desistir. Não agora. Fechei os olhos e pedi ao colar que me mostrasse onde estavam os pais de Matheus. Vi então um porão, sentia-o úmido e viscoso. Ali ouvi dois choramingos distintos. Abri os olhos logo em seguida. Pedi que me ajudassem a levantar.

– Precisamos ir embora... agora. – dizia Nathan a todo o momento.

Matheus e Adrian me ajudaram a levantar. Eu olhei para o trono e levantei a minha mão até ela. Ela começou a pegar fogo, agora mais suave. O trono pegou fogo lentamente até que explodiu. Ali havia uma passagem, e em meio a fumaça duas figuras surgiram. Eram os pais de Matheus que correram até seu filho e o abraçaram. Naquele momento, a felicidade de Matheus era a única coisa que me importava. Eu ainda estava fraco e sentia que eu poderia morrer a qualquer momento.

– Se re-reúnam! – eu disse fracamente. Todos se aproximaram.

Os soldados de chumbo abriram suas asas nesse momento e apontaram suas lanças para nós. Começaram a vir em nossa direção. Eu mais uma vez estendi o braço em direção a eles e ambos explodiram. Reuni força e pedi ao colar que nos tirasse dali. Logo senti um vento dominando todo aquele grande salão e tudo começou a ficar disforme.