O Colar do Parvo

Uma Guerra se Inicia


Lentamente eu fui abrindo os olhos. Não fazia sol, estava escuro e frio. Respirei fundo e sentei na cama. Era acolchoada e tinha um manto vermelho em cima. Eu percebi que ali era um lugar novo. Não ouvia ninguém conversando, eu estranhei. Levantei ainda fraco, com as pernas bambas e fui segurando nos moveis que ali tinham naquele quarto pequeno, mais super confortante. Cheguei à porta e a abri. Tinha um pequeno corredor, cheio de portas. Segui pelo lado que parecia mais claro. Ali havia uma saleta, pequena com poltronas da cor da terra, uma simples e pequena mesinha no centro de madeira. Na parede, alguns quadros de árvores, casebres. Sentados, nas três poltronas que ali havia, estavam o pai e mãe de Matheus. No outro Kauvirno. Minha mãe e meu pai estavam de pé e os outros sentados no chão.

Todos me olharam com ternura, menos o pai de Matheus, que parecia receoso.

– Olá! – eu disse, com a voz muito fraca ainda.

– Oi amor. Tudo bem? – disse Matheus que veio até mim e me abraçou fortemente – Senti sua falta! – disse ele, dando-me um beijo leve no canto da boca. Eu acabei ficando um tanto tímido, não pelos outros, mas sim pelos pais dele. A mãe dele pareceu virar o rosto, insatisfeita com o que acabara de ver.

– Então, estava certo e eu errado. – disse Kauvirno – Talvez se eu tivesse escutado e não estivesse com tanto medo... talvez as coisas teriam sido diferentes.

– Realmente! – eu disse, indo até um banquinho de madeira. Sentei.

– Entenda Kayo. As coisas em sua vida estão acontecendo muito rápido. Foram o que, desde que pegou o colar? As coisas hão de melhorar. – disse Kauvirno.

– Assim todos nós esperamos. – disse Mila, que surgiu na sala.

– Kayo, a única coisa que eu peço a você e a todos os outros é que não façam isso novamente. Fugir da maneira como vocês fizeram não vai ajudar em nada. Lutar contra eles, leva-se tempo. Hoje você, por algum motivo conseguiu se safar. – dizia minha mãe – Por mais que Étimos tenha fugido hoje, se ele quisesse ele teria lutado contra você, e poderia ter vencido.

– Então porque não o fez? – eu perguntei.

– Provavelmente porque ele utilizou seu sangue para acordar o pai, e se ele for ferido, Átimos estando tão vulnerável como está, pode falecer. Novamente. – comentou Mila.

– Sim. Agora ele sabe que você consegue conjurar o Invocare Focus, e isso possivelmente o aterrorizou. Você é um dominar do fogo, e isso pode dar um ponto a nosso favor. – disse Kauvirno – No entanto precisamos nos focar nos outros artefatos.

– E o que faremos então? – eu perguntei.

– Vamos ficar escondidos nesse casebre por algum tempo. Depois vamos levar você a um campo de treinamento, onde irá aprender a dominar essa sua força. Transformá-la em magia. Você não pode sugar tanta energia sem saber como controlá-la. Acaba acontecendo isso, acaba por ficar fraco. Se mais soldados de Étimos tivessem aparecido, todos vocês teriam morrido e não teriam encontrado a família de Matheus.

– Eu sei que foi um erro, peço desculpa...

– Não Kayo. O erro foi meu e de meu irmão. Queríamos tomar logo uma providência e achamos que isso era o certo. – disse Nathan – Nós somos imaturos e não temos consciência do perigo.

– Isso mesmo. – disse Kauvirno em tom de reprovação – Quanto a vocês dois, eu cuido depois.

– Crianças! – disse Tereza, virando e indo para outra sala, provavelmente a cozinha.

– A questão é aonde achar os outros artefatos, mas isso nós veremos depois. Antes precisamos treina-lo e será difícil. – disse Kauvirno – Uma Guerra se inicia contra os Soberanus, e ela será dura e calculista. Devemos tomar o máximo de cuidado.

– Eles não podem atingir os não-mágicos? – perguntou Matheus.

– Não acredito que farão isso. Vejo por Melissa, uma assassina compulsiva, nunca feriu um humano. Na realidade um, quando ainda era jovem na escola. Mas até onde se tem a informação, foste apenas esse. Eles não vão matar gente pequena, pois é assim que eles consideram os não-mágicos. Não creio nessa possibilidade.

“Mas mudando de assunto, sabemos que a guerra é eminente e que devemos nos precaver. Então assim que você estiver melhor Kayo, iremos para as montanhas do sul, existe um lugar abandonado lá, uma arena de batalha antes usadas por bruxos para competições e demonstrações de poder. Lá, eu pessoalmente irei lhe ensinar alguns truques. No mais, não vamos comentar mais nada. Vamos deixá-los a sós.”

Mila voltou a sala de onde saiu. Meus pais vieram e me abraçaram,e foram para seus quartos. Os meninos, fizeram o mesmo. Ficou eu e Matheus ali, com seus pais.

Ficamos um longo período sem ter coragem de olhar nos olhos um dos outros, até que a mãe dele se pôs a falar.

– Foi horrível estar lá, presa naquele lugar imundo com aquelas coisas estranhas que ficavam nos insultando. Nos judiando... enfim. – dizia ela com repulsa –Não digo que aceito meu filho por essa relação inadequada perante a sociedade. Eu tenho repulsa disso. Eu tenho nojo e mesmo depois do que aconteceu, eu não vou chegar e lhe tratar como alguém da família.

“ Esse distinto senhor, o qual o chama de Kauvirno me explicou tudo o que vem acontecendo, e por mais que eu não aceite, realmente é a única explicação lógica para o que aconteceu, principalmente a morte de meu filho, eu consigo entender que realmente você não é culpado, e nem mesmo sabia do que estava acontecendo e cheguei a pensar em um súbito momento que você tinha transformando ele nessa aberração ao qual transformou Matheus. Mas eu já entendi muitas coisas.

Ela se levantou e me encarou, com lágrimas nos olhos.

– Eu desejaria que fosse Matheus naquele ônibus para não me dar tanto desgosto. – ao ouvir aquilo, eu quis voar no pescoço dela, e matá-la. Mas não cabia a mim julgá-la. O que eu mais senti foi o sofrimento de Matheus ao ouvir aquilo, da própria mãe.”

“Eu não posso fazer muita coisa no meio de tanta bagunça que esses bruxos vivem, no entanto farei o possível para ajudar. Ficarei longe, o mais longe possível de vocês, e não quero ser visitada. Apenas por Matheus, que por mais horror que eu tenha dele, por estar nessa situação que ele se encontra com você, ele ainda é o meu filho, e deve o mínimo de respeito. E eu irei rezar para que ele mude de opinião, de escolha e volte a ser a pessoa normal que era antes. Um menino bonito, inteligente e idolatrado por meninas. Por meninas.”

Eu não podia mudar a opinião dela. Eu apenas lamentei.

– Eu não te devo nada, Kayo. E muito menos você a mim. Matheus disse o quanto foi doloroso ver você se esgotando ali naquele salão para salvar eu e ao meu marido. Eu mesma vi sua situação, digno de pena. Apenas por isso, eu agradeço a você, e por nada mais!

– E quanto a mim, eu confesso que se eu tivesse tempo de matar ambos, eu mataria. Naquele dia em que fomos seqüestrados. Matheus, você é meu filho, e deve honrar o nome da família e levá-lo adiante. Você sabe dos seus deveres e essa decisão ainda irá pesar na sua consciência. Mas, eu agradeço pelo que fizeram a mim e a minha esposa. – disse o pai de Matheus.

– Sabe, eu vou ser sincero com vocês. – disse Matheus, seus olhos brilhavam com gotsa de água que brotavam – Quando eu descobri que Kayo era um bruxo, eu não senti medo. Quando eu soube que por conta disso meu irmão tinha morrido, eu não senti raiva. Quando vocês foram seqüestrados eu não fiquei com remorso de ter dado continuidade ao meu relacionamento com ele. Eu não vou negar, eu fiquei mal. Fiquei abalado, triste. Mais hoje eu percebo que eu fiquei assim, porque, independente de tudo, de mim, de vocês, de Júnior, das pessoas que estão aqui, a única pessoa que sofre é ele.

“E ninguém ainda se deu conta disso. Ninguém ainda se deu conta de que ele se faz de forte, para que ele não caia. Ele quer se mostrar sempre de pé e, no entanto, seus sentimentos estão desmoronando... e ninguém se dá conta disso.”

“O que mais me impressiona é que mesmo tudo estar acontecendo por que ele é o único guardião vivo do colar, ele ainda se mostre dessa forma. Eles, os exilados, fazem de tudo para atingi-lo, até atacando pessoas que ele gosta. Primeiro os amigos dele, incluindo Junior. Segundo vocês dois, tentando atingir a mim, para enfraquecê-lo. Depois veio Aline, que armaram da mesma maneira, como talvez armaram com vocês, e ... vocês dizem apenas obrigado? Dizem que sentem nojo de nós, repulsa. Ele deu a vida dele por vocês naquele dia, e é assim que vocês o tratam, por ele ser o que é? É assim que vocês me tratam, por eu amá-lo?”

“Júnior não era isso, mamãe. Ele era melhor do que muita gente. Melhor do que vocês dois, disso eu tenho certeza. Querem se esconder? Se escondam, pois bem. Eu só irei visitar vocês se o Kayo estiver junto. Eu amo ele, mais do que já amei alguém na minha vida. Eu não tenho medo de dizer isso. Eu tenho orgulho de amar uma pessoa que é o que é, e se faz presente por ser assim. Quanto a vocês dois, eu sinto pena.”

Belas as palavras de Matheus, eu também sentia a mesma coisa. Mais eu tinha que falar algo. Não podia simplesmente me calar.

– Eu acho que eles estão certos, Matheus. – eu disse levantando – Eles ficam na deles, e nós aqui. Eles não se sentem culpados por não serem gratos de coração a pessoa que além de salvar a vida deles, ama, incondicionalmente, o único tesouro que eles tem em vida. Você.

Desejei um bom dia aos dois e sai, indo para meu quarto. Matheus foi comigo e deixamos os dois ali, sentados e pensativos.

No quarto, abraçado com Matheus, acabamos por dormir. Uma manhã calma e fria, mais que se fazia quente aos braços do grande amor da minha vida.

Começaria, pela manhã seguinte, a grande aventura da minha vida. E eu estava, naquela dia, ansioso para que chegasse logo.