Nós estávamos sentados na sala, comendo pipoca e nos entupindo de tomar refrigerantes. Passava das onze da noite quando Mario foi até o rádio, e aumentou o volume, onde ouvimos uma voz já familiar.

E atenção, senhores ouvintes da Rádio RM -104,2, a estação mágica mais ouvida, vamos interromper a nossa programação musical e irmos diretamente até ao porto de Santos, onde a brigada Portuguesa já esta prestes a atracar. Ligue a televisão no canal -125 e vera a chegada deles, com o nosso áudio.

Nathan pegou o controle e ligou no canal -125. Logicamente que esse canal não existe para os não-mágicos, assim como a rádio RM. O canal era sem áudio, pois conseguiam manter apenas a imagem através dos olhos do repórter, e através da rádio ouvíamos o que se passava na televisão. Não é tão difícil de compreender.

A imagem então foi ganhando forma, até virmos um movimento. O repórter estava no porto de Santos, num lugar onde nem navios havia. Parecia estar vazio.

– O repórter Oliver está lá, nesse momento usando o Casaco Anti-Notação, esperando pela chegada da brigada Portuguesa. Como estão indo as coisas, Oliver?

– Edgar, muita expectativa para a chegada da brigada Portuguesa, que deixou o Porto de Lisboa ante ontem à tarde, e chegara a qualquer momento. Parece que tiveram algum problema no caminho, devido a uma forte tempestade, e a um navio cruzeiro que possivelmente viu o navio da brigada pelo radar. A informação que temos é que a Brigada conseguiu reverter o incidente. A qualquer momento eles estão aportando aqui.

– Estão usando magia de proteção certamente, tem noção de qual?

– Parecem que usam o Encantamento dos Espelhos, um feitiço muito usado, principalmente pela Corte, para esconder comunidades bruxas. Nem mesmo nós veremos o navio chegar, a menos que desfaçam o feitiço.

– Mas Oliver, acredita realmente que apenas esse feitiço poderia prevenir os não-mágicos de vê-los? O que teria acontecido para que o navio cruzeiro os avistasse em alto mar, através do radar?

– Não sabemos Edgar, pois a noticia pareceu vir pela metade, e a ordem foi que nós, não fizéssemos perguntas, no entanto o senhor Everaldo Messias diz que amanha pela manhã haverá uma coletiva de impressa. Mas o local ainda não foi definido.

Ficamos ali parado, atentos na televisão e nada acontecia. Não víamos uma alma se quer passar por ali, apenas uma luz que ia e via a nossa frente.

– Oliver, poderia aparecer para a câmera? – disse Edgar, rindo.

– Ah, sim. Desculpa, vou passar o... feitiço... – ouvimos um estralo, e então o repórter apareceu – Desculpe a todos.

Oliver era até que bonito. Tinha um cabelo muito bem arrumado, usava um terno elegante, e era jovem.

– A Corte esta preparando o terreno para a chegada da brigada... já estão preparando carros e ônibus. A informação é que quase mil homens estariam vindo aqui e estarão seguindo para a sede da Corte, onde ficaram hospedados, em Ilha Bela.

– O Chefe da Corte, Everaldo Messias está presente?

– Sim, ele se encontra logo à frente, próximo onde a Brigada descera a escada para pisar em terras brasileiras.

– E noticias da brigada inglesa?

– A Brigada Inglesa levara cerca de quatro dias para sair de suas terras, devido a problemas que estão enfrentando com desertores. O Chefe, Arthur Collins da Corte inglesa, expediu um comunicado dizendo no dia de ontem, que o nome Soberanus fora escrito no prédio da Corte Ministral; “Precisamos nos ater em resolver essas questões aqui na Inglaterra, e então poderemos ir até o Brasil e ajudar nossos irmãos nessa luta.” Disse ele. Por essa questão a vinda da Brigada Inglesa ao Brasil foi adiada. Edgar, Edgar... veja, veja... eles chegaram!

Na TV, vimos á imagem de um grande navio de madeira ganhar forma. Era algo como se tivessem tirado um grande pano escuro e algo fosse se revelando. O navio era imenso e escuro, tinha mastros, mas não tinha velas. Adrian me disse então que esses navios funcionavam com magia, nem mesmo precisavam do vento para navegar.

– Mas precisavam ser navios? – perguntou Matheus.

– É a forma mais segura para bruxos ir a outros lugares do mundo. – comentou Sara.

– Venha, venha... a escada será baixada... – dizia o repórter correndo até próximo ao navio. Mas fora impedido de continuar, porque alguns homens de preto surgiram e bloquearam.

O homem que via tudo, o que para nós seria o homem que segurava a câmera, começou a pular na expectativa de ver alguma coisa. Logo uma grande multidão de jornalistas bruxos se aproximaram, e podíamos ver os flashes das câmeras e muito barulho.

– O senhor Chefe da Corte Brasileira, Everaldo Messias esta se aproximando do navio... a escada esta sendo baixada...

– Oliver, tente chamar sua atenção...

– Edgar, está complicado ficar aqui, existem muitos jornalista e também há a preocupação de ataques...

Nesse momento, o senhor Everaldo estava de frente à escada, já baixada do navio, cercado por grandes homens que seguravam cajados enormes. No topo do navio então surgiu uma mulher, com um belo vestido vermelho e por cima um casaco branco de pele. A câmera então aproximou do rosto da mulher, ela parecia rabugenta. Mas logo essa impressão sumiu, pois ela deu um suave sorriso. De seu lado, três homens já velhos, com ternos, e atrás cinco homens grandes vestidos de pretos segurando seus cajados.

– A Ministra Sênior de Portugal, Regina Marques... uma grande surpresa a nós. Não esperávamos sua visita.

A tal ministra então desceu as escadas acenando a todos os jornalistas que estavam ali, que aclamavam seu nome, esperando que a mesma desse a eles uma entrevista.

Ao se aproximar do Chefe da Corte Brasileira, a senhora Regina, lhe cumprimentou com um forte abraço e falaram alguma coisa. Logo depois saíram dali indo para uma limusine que estava próxima. Tão logo a limusine saiu, surgiram vários ônibus pretos com o emblema da Corte Brasileira, um bruxo de mãos estendidas, e cruzado em cima dele, dois cajados, um de ouro e outro de prata.

– A senhora Ministra já partiu, junto do senhor Everaldo... os ônibus chegaram para pegar os soldados da Brigada Portuguesa.

Enquanto Oliver falava, vários soldados, todos alinhados e com roupas escuras, desciam a escada do navio, segurando, elegantemente Casacos de Anti-Notação, feitiço de defesa mais útil de todo o mundo, na minha opinião. Foi através desse casaco que conseguimos resgatar Kauvirno e Marcelo há alguns dias atrás.

– É o que temos, Edgar, estamos indo nesse exato momento até ao Hotel em Ilha Bela, onde provavelmente a Ministra ficará...

– E quanto ao navio, Oliver?

– Eu acredito que deve ficar aqui por algum tempo, ou eles devem deixá-lo em alto mar, seria mais seguro.

– Está bem, então Oliver. Assim que chegar a Ilha Bela nos avise, está bem?

– Sim, Edgar, dentro de alguns minutos estaremos chegando lá.

– A Ministra Sênior, está no Brasil... hilário. – disse Eduardo.

– Porque? – eu perguntei.

– Eles nos odeiam... isso sim, sempre quiseram dominar essas terras. Na historia sempre usaram isso, o caso dos Soberanus para dizer que a Suprema Corte Brasileira de Bruxaria não tem a capacidade e o pulsos firmes de comandar uma população e avaliar os riscos que ela poderia causar, ou ter. Principalmente depois da Lei do Ancestral. – disse Eduardo.

– Mas esse Ancestral ainda vive? – eu o indaguei.

– Sim, pelo menos é o que se acredita. Há seiscentos e noventa e sete anos atrás, eu acho, surgiu o maior de todos os bruxos. Antigamente, antes desse tempo, os bruxos e magos, ou singelos feiticeiros de primeira demanda, como eram chamados não-mágicos que faziam o uso de magia, podiam fazer o que bem queriam. E muitas vezes eles prejudicavam a vida dos não-mágicos. Foi então que esse bruxo que até então ninguém sabe ao certo seu nome, mas que foi chamado de Ancestral, disse que lançou um feitiço em todo o planeta, que iria afetar a todos os bruxos, de forma que a cada geração eles fossem perdendo seus poderes, mas que poderiam continuar usando a magia normalmente, só que todos estariam mais fracos. Assim, de certa forma todos iriam se igualando.

“E então foi quando ele criou o primeiro governo de magia, que foi na Inglaterra, e depois foi-se estendendo até o Portugal e veio para o Brasil, porque através dessa forma, os rebeldes seriam mantidos presos, e criaram então leis para o uso da magia. Como diz a historia, Assis era português e saiu de lá meio que fugido, porque ele tinha certas idéias que não batiam com a cultura de lá. E como na época, Portugal, ainda meio que reinava o Brasil, ele pediu permissão para vir até aqui, mas ele não poderia voltar mais para lá.

E então conta-se que um tempo depois, ele teria ido falar com o Ancestral e conseguiu a tal permissão que todos os bruxos de Assis fossem diferenciados, pois ele queria criar um lugar aonde apenas nós pudéssemos entrar. Segundo Assis, quando voltou, ele havia permitido apenas a nós esse poder. O que causou extrema revolta entre os outros povos.”

– A chegada da Brigada Portuguesa pode nos ajudar sim, a resolver esse problema com os soldados de Átimos, mas se eles se instalarem aqui, será um problema. – disse Sara.

– Gente, vocês foram criados no mundo dessa tal magia, eu não...

– Kayo, todos nós sabemos que a Corte de Portugal quer dominar a Corte Brasileira, criar como um único estado, onde eles lá iriam comandar. – disse Nathan.

– Sim, nesse primeiro momento a ajuda deles se faz necessária, porque como disse o chefinho Everaldo, a nossa população aqui no Brasil é muito pequena, e digamos que talvez a metade seja dos Soberanus. – dizia Adrian – Justamente por isso que os português querem entrar aqui, porque nós somos minoria, e se eles entrassem no controle, certamente teria a Lei recaída sobre eles, assim como foi sobre nós.

– Mas os Soberanus lutam contra a Lei, não é? Tanto que Os Vigilantes foram criados justamente por isso. – eu comentei.

– Sim, tanto que sobre os integrantes do Os Vigilantes a Lei não é aplicada, no entanto não podemos usar a magia para matar ninguém. Logo nossas defesas sempre serão mais fortes.

– Mas Nathan eu matei Étimos.

– Matou, mas você não foi iniciado no Os Vigilantes.

– Eu já ouvi essa historia de iniciação antes...

– Kayo, não é algo que podemos nos orgulhar, essa iniciação envolve uma magia antiga, todos acabam sendo da mesma família. Do mesmo sangue. – disse Nathan – Você não foi iniciado porque Kauvirno achou melhor, pois assim não correria riscos se algo acontecesse.

– Como assim? Que tipo de riscos?

– A morte, por exemplo. Lembra quando acreditamos que Edvan tinha dado a sua localização?

– Sim, Nathan eu me lembro, e tanto que ele realmente o fez.

– Então justamente por esse motivo. Edvan fazia parte do Os Vigilantes, e você não. No entanto vocês são da mesma família. O fato de você não ser iniciado, faz com que sua localização fique sempre ambígua, e na maioria das vezes sempre faz com que você escolha pelo caminho errado.

– No entanto, os Soberanus conseguiram te localizar... não sabemos como, mas eles conseguiram e então te atacaram naquele dia. No ônibus.

Como era de costume, um rápido flash veio a minha mente nesse momento, após Adrian terminar de falar.

Foi Átimos que trouxe Edvan a vida. Segundo Os Vigilantes, se caso um de nós fossemos capturados, perderíamos a capacidade de dizer onde os outros estariam, dando duas opções, sendo uma a verdadeira e a outra falsa, fazendo com que o inimigo se perdesse. Mas Átimos havia me dito que Edvan tinha lhe contado sobre o Colar do Parvo, e eu logo supus que ele também tinha falado algo sobre a ordem também. Então foi fácil quando Átimos tentou me achar, ele já sabia o que fazer e qual das opções seguir. O que tinha ficado muito difícil, já que eu não era iniciado. As opções que Edvan deu ao amado então eram mais vagas, por isso o espanto de Kauvirno há dois anos ao dizer que achava estranho os Soberanus terem descoberto que provavelmente eu seria o guardião, e que me matando seria mais fácil garantir o Colar do Parvo.