A pergunta que não quer calar nesse momento: porque ninguém me contou? Logicamente que nenhum deles saberia a resposta, e então eu decidi guardar para mim mesmo. Alias aquilo não era algo que eu pudesse me preocupar tanto. Eu era apenas o Guardião do Colar do Parvo, eu não seria responsável por libertar os bruxos brasileiros. O que eles estavam fazendo para me ajudar? Está bem, muitos eram os que não acreditavam em certas lendas, e até mesmo no Os Vigilantes. Mesmo dizendo que os Soberanus estavam por aí, muitos eram os que não acreditavam que Átimos estava vivo. Havia quatro coisas acontecendo. A primeira delas a luta de Os Vigilantes contra Soberanus, a segunda os Soberanus contra as cortes, e terceira, a Corte Portuguesa que supostamente queria assumir o controle da Corte Brasileira. E a quarta e pra mim a mais importante: tanto eu como Átimos estávamos em busca do mesmo artefato, a Espada do Soldado Derrotado.

Ficamos mais algum tempo em frente á TV, esperando noticias do repórter, mas quando ele apareceu, ficou menos de dois minutos no ar. A coisa estava daquela maneira como ele havia dito, no dia seguinte haveria a tal coletiva de imprensa, em que iríamos ficar sabendo como as cortes iriam agir, no caso dos Soberanus.

Certamente que estávamos todos com medo do que poderia acontecer, ainda mais agora, que eu tinha acabado de saber que as Cortes Portuguesa e Inglesa queriam entrar no Brasil e tomar posse de nossa singela Corte Brasileira, coisa que nunca tinha sido comentada comigo, talvez por falta de tempo de Kauvirno, ou até mesmo porque não se tratava de algo que fosse nos afetar.

Era evidente o espanto de Kauvirno ao saber disso tudo, ele pareceu tão preocupado que saiu sem dizer nada. Marcelo, no entanto, sentou do meu lado do sofá e disse apenas estar preocupado com toda aquela situação.

Kayo, não acreditamos que a coisa fosse tomar tais proporções. Os Soberanus estão agindo de uma maneira que logo vão colocar Os Vigilantes contra a parede. Não prevíamos isso, já que seria algo interno, e durante tantos anos assim tinha sido feito. Com eles aqui, talvez tenhamos algumas chances de vitórias, mas se resolverem se revoltar contra nós, será difícil de escaparmos.

Mas por quê? Se eles vierem a nossa porta, nós fugimos. eu disse, em desespero.

Kayo, essas brigadas foram treinadas pelo Ancestral, acredita mesmo que conseguiríamos fugir com tanta facilidade? Eles são treinados para caçar, enquanto nós, nos esconder...

Então esse deve ser um ponto a favor. Eu não tenho medo de Átimos que desgraçou a minha vida por todo esse tempo, vou temer a estrangeiros? E outra, eu tenho o Colar do Parvo, e a Taça dos Eruditos, isso com certeza no final ira contar alguma coisa.

Sim, você tem ambos, mas até quando ira se proteger com eles?

Não estou entendendo o que você esta querendo dizer com isso.

Eu não estou querendo dizer nada de mais, apenas acredito que como artefatos eles podem ser roubados, e se vistos pelas Brigadas, poderam, facilmente ser detidos por eles. Por isso devemos tomar o máximo de cuidado possível.

E o que pretende fazer?

Esconder a Taça antes que a coisa esquente mais.

E aonde pretende esconde-la?

Para sua própria segurança Kayo, eu e Kauvirno achamos melhor não lhe dizer. Não se zangue conosco, mas é o mais sensato no momento. Iremos partir cedo, esperamos a tal coletiva e depois partimos.

Saber que a Taça dos Eruditos não estaria mais ali no dia seguinte me deixou completamente incomodado. Pedi licença a todos na sala e fui até a biblioteca, onde ela estava, imponente, em cima de uma coluna de prata, no centro da sala. Sua cor dourada reluzia como a luz do sol, e seus rubis deixavam-na intensamente linda. Era tão frustrante estar ali em frente aquele artefato e não poder tocá-lo, ou ate mesmo beber de seu liquido e desejar que algo viesse à mente para entender o que estava acontecendo. Usar a Taça dos Eruditos seria uma arma mais do que valiosa para acabar de vez com toda essa angustia, e enfim, viver em paz ao lado do grande amor da minha vida.

Eu fiquei ali por horas, talvez. Digo isso, porque ao ser chamado para ir jantar, percebi o quão tarde tinha se passado desde que eu resolvi ir até ali. Nem almoçar, eu havia.

Durante o jantar, Kauvirno estava certo em dizer que a Taça deveria sim sumir dali o mais rápido possível, sendo que temia que as Brigadas desconfiassem de alguma coisa. Foi então que uma pergunta surgiu em minha cabeça. Pergunta até então não feita por ninguém.

Mas Kau, me responda uma coisa... eu me lembro que você mesmo havia dito que o tal Ancestral sabia da existência do Os Vigilantes, não acha que as Brigadas também tem o conhecimento dela?

Não Kayo, Os Vigilantes foram criados pelo próprio Ancestral, temendo que algo pudesse acontecer. Ele tinha meios de prever certas coisas, e os primeiros membros então foram escolhidos de acordo com suas naturezas não duvidosas, se assim podemos dizer.

Era estranho ouvir aquilo, sabendo que meu tio Edvan tinha se apaixonado por Átimos há anos e dito a ele sobre o Colar do Parvo, cujo estava sob sua proteção. Edvan então teria traído Os Vigilantes, e se isso tivesse realmente acontecido, alguma coisa terrível teria acontecido a ele. Mas pensando melhor agora, eu percebo que talvez essa minha tese possa estar errada, levando em consideração que precisa ser iniciado na ordem. Meus pais são iniciados e eu não, não é um fator ser herdeiro, era preciso fazer o que tinha que ser feito. Talvez Edvan não fosse iniciado também, talvez por isso ao comentar sobre o Colar do Parvo, nada tinha acontecido a ele.

Era estranho como tantas coisas vinham a minha cabeça durante aquele jantar. Perguntas que eu me fazia a todo o momento, mas não sabia se obteria respostas. Eu não queria fazê-las aos outros, pois então teria que falar mais do que eu queria. Mas eu também tinha medo de simplesmente não comentar nada, levando-se em conta que estávamos trabalhando numa equipe, e eu teria que participar de tudo. Ou talvez eu poderia tentar saber das coisas de outras maneiras.

Se alguém ligado aos vigilantes falar mais do que deve, o que acontece? eu perguntei, e fiquei espantado com a feição de espanto de todos na mesa.

Você morre, oras. Para fazer parte do Os Vigilantes é preciso dar o sangue, e se o sangue trair seus irmãos pagara com a vida. Algo que não é tão bonito de se fazer, no entanto, necessário.

E porque eu não fui iniciado, Kau?

Ele me olhou de esguelha, terminando de tomar um pouco de suco, já que antes segurava um copo. Todos ainda me olhavam, espantados.

Porque você é valioso demais para isso.

E se eu trair vocês? Não sou um iniciado, então logo se eu os trair, nada acontecerá. É isso que eu estou entendendo?

Se você nos trair, terá sua consciência como pior castigo. Mas não quero falar sobre isso. Eu acabo de perder o apetite. Me dêem licença.

Ele se levantou e saiu, bastante perturbado com aquilo. Eu estava tranquilo, não havia perguntado nada de mais. Pelo menos eu achava que não.

Todos ficaram ali, ainda me olhando daquele jeito, até que eu me senti incomodado e me retirei. Matheus veio atrás de mim.

Kayo, o que você tem?

O que eu tenho Matheus? O que todos vocês tem, é essa a pergunta que tem que ser feita.

Eu não estou entendendo.

Todos vocês me olharam de uma forma estranha quando eu perguntei sobre a tal iniciação... que tipo de maldade tem eu simplesmente perguntar? Porque todos me olharam daquela forma, como se a pergunta que eu tivesse feito, parecesse mais como se eu desconfiasse de alguma coisa?

Kayo, você está vendo coisas aonde não existem...

Não existem? Matheus você sabe o que eu passei naquele dia, com Átimos? Você acha que eu me orgulho de ter matado o filho dele? Tudo bem, aquele desgraçado mereceu, mesmo assim era uma vida... e isso esta pesando na minha mente a cada minuto que passa. Vocês pensam que eu não vejo as coisas. Mas tem muito mais aonde vocês acham que simplesmente não sei. Ou pensam que eu sou um tolo?

Kayo, meu amor, você está viajando... não tem nada... eles devem apenas... ter se espantado com a pergunta. Isso é normal. Você deveria estar acostumado com isso.

Até você se perde. Quer saber de uma coisa, seja lá o que for que tiver acontecendo, eu vou descobrir, mesmo se for sozinho!

É, eu estava muito irritado com toda aquela situação. Eu tinha certeza de que algo estava sendo escondido de mim, mas eu não tinha, ainda, a certeza do que poderia ser. Sai dali e fui para o meu quarto. Matheus chegou um tempo depois. Tomou banho e foi dormir, nem nos falamos. Mesmo assim, na noite gelada nos abraçamos.

Foi quando ouvimos minha tia bater na porta do meu quarto. Ainda sonolento eu fui até a porta e a abri. Quase no meu ouvido minha tia pediu para que eu a acompanha-se.

O que houve? eu perguntei a ela, já descendo as escada.

Houve um ataque... estão noticiando na TV...

Chegamos à sala, e lá estava Kauvirno, Marcelo e meu pai.

Ele está aqui. disse minha tia.

Na TV estava o tal repórter Oliver, de terno escuro, numa rua pouco iluminada com muitas árvores ao redor. Do meu lado estava o rádio, onde eu lentamente aumentei o volume.

Um terrível acidente. Um acidente fatal envolvendo a assessora particular de Marcos Lima, o sub-secretario da Corte Brasileira. Ninguém sabe ao certo exatamente o que aconteceu, mas a pericia já esta buscando por informações para nos dizer o que teria acontecido. Talita Mendes, estava dirigindo seu carro quando, isso aconteceu...

Eu não entendia o que tinha demais naquele acidente, todo aquele alvoroço por se tratar de alguém da Corte?

Mas logo eu percebi que era realmente um ataque, e que sim, eu deveria me preocupar. Lentamente fui vendo em cima de uma árvore um carro todo amassado.

Obviamente o corpo de Talita Mendes já foi retirado... e eu vi essa cena... foi realmente lamentável. Voltamos em breve com mais noticias.

Eu não entendi! eu disse.

Primeiro a torturam. Depois jogaram pedras em seu corpo. Amarram-na num tronco e atearam fogo. disse Kauvirno, completamente atônito Um S escrito na testa com uma faca, indica quem foi o causador desse assassinato. Soberanus, quem mais poderia ser.

Eu estava ali, sem palavras, apenas imaginando o porquê de tanta violência. Mas uma vez a resposta vinha em minta mente. Eu estava com o Colar e a Taça, e acima de tudo, tinha matado o filho de Átimos.

Bom dia, senhoras e senhores, aqui é Edgar da RM, -102,4 e é com grande pesar que dedico a família Mendes todas as condolências de todo o pessoal de nossa emissora. Desejamos que os assassinos possam ser encontrados e dentro do rigor da lei, punidos.

Há pouco o assessor do Senhor Everaldo Messias, Chefe da Corte Brasileira,o senhor Adriano Novaes, por telefone nos informou que a Brigada Portuguesa já esta ciente do caso e que a partir de amanhã fará vigia em todas as estradas por onde, a corte sabe, que bruxos frequentam. No entanto a chefe da Brigada Portuguesa Regina Marques diz, que além de termos cautela com bruxos, devemos ter o máximo de cuidado com outros seres mágicos, pois hoje em dia qualquer um pode representar qualquer perigo. Disse que a morte da assessora, será investigada e assim que os assassinos forem pegos, serão devidamente punidos.

Quanto a Brigada Inglesa, a Corte Brasileira ainda não tem noticias de sua chegada. Um correspondente da emissora nos informou que o Ministro Arthur Collins anunciou que talvez venha mais para o final da semana, pois depois do ataque acontecido há dias, teme deixar seu país para trás. Mas também disse que fará o possível para nos ajudar.

Assim esperamos que seja verdade. Vamos para um rápido intervalo e voltamos em breve.

Eu desliguei o radio.

Vou me deitar e pensar em alguma coisa. disse Kauvirno, passando por mim como se eu não existisse, eu tive até mesmo que desviar dele.

Acredito que todos nós devamos. disse Marcelo.