Sentei no assoalho da sala e fiquei ali, deitado ao lado de Matheus que ainda dormia profundamente. Ele estava tranqüilo e para mim era o que importava.

– Aí minha cabeça... – sussurrou ele.

– Pensei que não fosse acordar mais.

– Lógico que eu iria acordar. Uma hora pelo menos...

Perguntei a ele se estava bem, ele respondeu que sim. Contei então tudo o que tinha acontecido e ele ficou nervoso. Logo percebi que o nervoso dele, era uma forma de expressar medo. Aprendi ali, e iria tentar usar adiante, como falar com ele de uma forma que as coisas não parecessem tão cruéis. Mudei o assunto.

– O que Aline queria?

– Disse que sentia minha falta, aliás, que todos estão sentindo e que desde o meu aniversário eu estou diferente com todos.

– Matheus, você não acha que ela está certa? Você a tem tratado muito mal, desde que estamos juntos. Ela é apaixonada por você. Uma hora ela acaba fazendo uma besteira, como você bem disse, e então quero ver como você vai contornar isso.

– Temos o Colar do Parvo...

– Não brinque com isso!

– Desculpa! – disse ele timidamente – Sobre Aline eu não quero falar, no momento quero saber o que estamos fazendo aqui.

– Não sei explicar também. Essa pessoa que nos ajudou disse para eu pensar em um lugar, e então eu pensei na mansão.

Era engraçado como Matheus parecia não se importar com tudo aquilo, parecia até que ele era um bruxo e tentava me esconder.

– O fato de eu ainda não acreditar, não quer dizer que você esteja errado. – disse ele, quando eu o indaguei sobre isso – Apenas faz sentido tudo o que você disse, e também não é sempre que bolas de fogo caem do céu e nos perseguem por aí.

Ficamos ali abraçados por mais algum tempo e então ouvimos alguém bater na porta.

– Cuidado! – disse Matheus. Eu fui até ela e averigüei numa fresta na janela quem poderia ser. Eram meus pais, com mais algumas pessoas.

– São meus pais. – abri a porta a eles.

Todos entraram.

– Como está meu filho? – perguntou minha mãe, me abraçando.

– Estou bem agora. Quem são essas pessoas? – eu perguntei. Depois de todos dentro da casa eu fechei a porta.

– Bem, este é Kauvirno, - disse meu pai. Kauvirno era um rapaz bonito, e aparentemente jovem, se não fosse pelos cabelos brancos esvoaçantes – Esta é Tereza, - uma senhora de cabelos loiros – Este é Adrian – um rapaz jovem, bonito, de cabelos brancos e bagunçados – E este é Nathan, - um pouco mais jovem que Adrian, de cabelos escuros, longos e arrepiados, eles eram gêmeos. “Juntos nós formamos um grupo de caçadores de exilados, mas na realidade, nossa real função é proteger o guardião do Colar do Parvo. – completou meu pai.

– Se me permite a palavra meu caro amigo, somos chamados de os vigilantes, seja como for, tentamos manter a ordem, dentro da ordem! - disse Kauvirno.

– Estou mais perdido do que caroço de azeitona na maionese. – eu disse me sentando ao lado de Matheus. Minha mãe agora cuidava do curativo da cabeça de Matheus, retirando-a para se certificar que estava tudo bem.

– Kau, fique a vontade! – disse meu pai, o indicando com a cabeça.

Os gêmeos ficavam rodando de um lado a outro, sempre olhando para fora, através das frestas da janela, vigiando para que ninguém suspeito aparecesse ali.

– Bem, a história é realmente longa, e obviamente existem muitos mais ordenados do que nós. Mais aqui, no momento somos nós seis. Outros ordenados vivem em outros lugares e somos responsáveis em manter a paz, no que se refere aos exilados.

– Exilados?

– Sim, os bruxos que lhe atacaram hoje, são exilados. Ganharam o exílio do nosso mundo devido aos absurdos que acreditam e fazem. Entenda Kayo, nós vivemos em um mundo não tão paralelo assim. Estamos aqui e ali vivendo e usando nossa mágica sempre que podemos para ser normais. Acontece que há muito tempo atrás nossos governantes, nos deram uma escolha; ou viver a favor dos não-mágicos ou contra eles. Muitos foram os que seguiram a escolha certa, mais outros não. Então foram banidos e se revoltaram. Aceitar estar do lado dos não-mágicos é aceitar que você perdera seus poderes, tendo apenas força para se proteger. O que de fato, não é o que muitos desejam. Na realidade sabemos que muito dessa revolta até se torna verdade, sabemos que o governo as criou, apenas para estarem sempre no auge do poder.

“No entanto essa decisão foi tomada justamente para sermos iguais e não haver mais discriminação entre mágicos e não-mágicos, pelo menos é o que se acredita, e quem somos nós para julgar nossos governantes. A lei mais aterradora que poderia ter sido criada, junto com uma terrível maldição, nosso poder não se perderia da noite para o dia, e sim conforme as novas gerações viessem.

Devido aos exilados desejarem o poder acima de tudo, eles buscaram por informações de como obter mais poder. E então tempos depois, descobriram sobre os Artefatos de Poder, o Colar do Parvo, A Taça dos Eruditos e Espada do Soldado Derrotado. Souberam que se juntassem isso, seriam mais poderosos do que nossos tais governantes.

Como você bem sabe, e o que muitos acham que é apenas um mito, até mesmo a corte, o Colar do Parvo existe, e então a recatada e nobre família Taurino, criou o grupo, os vigilantes, para vigiar e guardar o Colar do Parvo do perigo que na época se tornou eminente.

No entanto, usamos de magia antiga e muito bem elaborada para que não fossemos pegos nessa lei, e certamente, punidos como nela consta. lutamos contra eles e a favor dos não-mágicos, por assim dizer. Sendo assim o nosso poder, para aqueles que entrassem na ordem, seria mantido. Se caso nós, nos desfrutarmos disso e usar nosso poder para o mal, nós podemos pagar com a vida”.

– Entenda filho, – disse meu pai – nós já somos poucos e precisamos de ajuda, de toda a ajuda necessária. Você é uma peça chave, pois se o Colar do Parvo aceitou ser achado por você, os outros artefatos também serão. É algo duro, perigoso e arriscado, pois os exilados irão te perseguir até que consigam o que quer.

– Mais eu não entendo o porquê a mim. E... aonde estão esses artefatos? Nunca ninguém soube?

– Sabemos apenas que antes, era uma lenda. – disse Tereza, tinha uma bela voz - Deixou de ser quando os Taurinos, que criaram os vigilantes, nos mostrou o colar. Não, eu não sou velha assim, meus bisavós pertenciam ao grupo.

– Isso é algo que passa de geração a geração. – disse meu pai.

– E eu sinto mesmo Matheus, que você esteja mais enfiado nessa história do que deveria. Agora é um caminho sem volta. – disse minha mãe.

– Eu sei. Não vou abandonar o Kayo, ele sabe que eu estou com ele. – disse ele timidamente – É difícil de compreender algumas coisas, mais com esforço tudo é possível.

– Alguma pergunta, filho?

– Muitas! Mais no momento eu quero saber como iremos fazer...

– É simples, vamos caçar alguns bruxinhos maus. – disse Adrian rindo.

– Cala a boca moleque! – disse Kauvirno.

Era difícil de entender tudo aquilo. O grupo, bruxos, governantes, exilados. No entanto, a pior de todas as perguntas era: onde se encaixava Júnior nessa história?

Adrian ajudou Matheus a se levantar.

– Vamos para um lugar seguro, nossa casa esta sendo observada pelos exilados. – disse meu pai.

– Esses malditos, estão por toda a parte. – comentou Tereza.

– E quanto aos meus pais? – perguntou Matheus.

– Iremos dar um jeito neles. – disse Kauvirno – Não é qualquer um que aceite, mesmo pelo amor, que alguém que conhece é um bruxo.

– As pessoas não são iguais as outras. – disse Nathan. Ele tinha uma voz doce, parecida com a de Matheus. E eu não pude deixar de perceber que ele tinha belos olhos, eram cinzas. E também que, desde quando entrou não tirara os olhos de mim.

Enfim Tereza tirou de dentro da manga uma varinha e tocou na parede da casa. Uma fenda, amarelo pus, iluminada com uma luz clara como o sol ao nascer, se abriu. Os olhos de Matheus vibraram.

– Passem por ela! – disse Tereza.

Eu e Matheus fomos os primeiros, era como passar por uma porta, do outro lado havia uma sala grande, com sofás creme, e um grande tapete vermelho. Havia quadros de pessoas por todos os lados. Uma mesa grande no canto, redonda. Alguns armários e alguns vasos com plantas volumosas. No canto escondida por uma cortina, havia um corredor, onde deveriam ser os quartos.

– Não passamos muito tempo aqui, mais será tranqüilo até as coisas acalmarem-se e partimos em busca dos outros artefatos. – disse Kauvirno – Vamos, se acomodem. Cada quarto tem um banheiro, e nos guarda-roupa existe o essencial para esses dias gélidos. E garoto, não se preocupe com seus pais, daremos um jeito.

Passando pela cortina que levava aos quartos,vinha minha tia Carol.

– KAYO! – gritou ela, correndo e vindo me abraçar – Como está? Não está ferido, está? Fale alguma coisa...

– Tia, eu estou bem!

– E como ele reagiu a tudo? – perguntou ela a minha mãe.

– Bem. Ele ainda não disse muita coisa.

– Agora não é o momento de falarmos sobre isso. Vamos jantar, descansar e amanhã veremos o que vamos fazer. – disse Kauvirno.

Minha tia, uma tagarela, me tirou dali, junto de Matheus até um dos quartos, ali cada um deitou numa cama. Ele ainda estava machucado, tinha batido o braço e reclamava de dor na cabeça. Minha tia disse que iria trazer algo para ele tomar, e avisou que era ruim, mais que logo ficaria bom. Eu fiquei olhando, pensando em como seria difícil estar ali sem ele.

– Você tem que dizer uma hora Kayo. Se eu tivesse morrido, você perderia a sua chance.

– Dizer o que?

– Que me ama, oras!

– Existem coisas que não precisam ser ditas, apenas sentidas.

Ele me olhou com os olhinhos cheios de emoção e respirou fundo. Minha tia chegou com uma caneca.

– Beba lindinho. – disse ela carinhosamente – Não consigo acreditar que estão juntos.

– Eu também não! – disse ele.

– Tia, me responda uma pergunta simples?

– Claro. – Matheus tomou um gole e quase vomitou.

– Eu acho que é até algo obvio. Vocês em nenhum momento discriminaram eu e Matheus. Nem mesmo meus pais.

– Oras, meu querido. Não existe poção, magia, encantamento, maldição ou feitiço nesse mundo que supere o amor verdadeiro. Seja ele como vier, o amor é sempre algo bem visto para aqueles que conhecem o verdadeiro sentido da palavra. Porque iríamos descriminar algo tão lindo de se ver. Não existe pecado quando se age por amor, o que existe é a má intenção da interpretação da palavra. Vou trazer algo para vocês comerem, eu creio que não seja agradável, pelo menos não hoje de participar daquela conversa chata na sala. – ela então pegou a caneca das mãos de Matheus e saiu.

Quando ela saiu do quarto eu deitei do lado de Matheus, o abracei e logo ele dormiu. Eu fiquei ali, sentindo seu cheiro e o amando da forma mais simples possível, que era estando ao lado do grande amor da minha vida.