Eu não sabia como lidar com toda aquela situação. Além de contar aos pais de Matheus sobre ele, e mim, fomos surrados e ainda por cima atacados, e os pais dele sequestrados.

Ele deitado ali, no meu colo, chorando. E eu sentado fazendo o mesmo. Eu até mesmo pedi a minha tia alguma coisa que fizesse com que aquela sensação de culpa sumisse, mas ela disse que aquilo era algo forte demais para alguma poção fazer efeito.

– Estavam de tocaia, não consigo acreditar... – dizia Tereza, desolada – Eu fiz tudo certo, olhei várias vezes, não senti nenhum mágico ali... a culpa foi minha. Decididamente minha.

– A culpa não foi de ninguém Tereza, e paremos de nos culpar. Nós temos agora é que descansar e pensar em alguma coisa, pensar em resgatar a família do garoto.

– E como faremos isso? Não podemos simplesmente entregar a eles o Colar do Parvo, se eles o tiverem saberão onde estão os outros dois artefatos e então estaremos perdidos. – disse minha tia.

– Estão agindo organizados, isso é o que mais me assusta. Alguém está liderando eles e precisamos saber quem é. – disse Adrian.

– Mas a questão não é essa. – disse Kauvirno – O Colar do Parvo só da o poder a quem o tiver, e não aos demais, o que esse líder ofereceu a eles para que eles se engajassem nisso? Essa sim deve ser a pergunta.

– Ainda será uma resposta ao qual ficaremos sem. – disse minha mãe.

– Podemos investigar, eu e meu irmão. – disse Nathan.

– Façam isso então e tomem cuidado, - disse Kauvirno – Tereza queria pedir um favor, precisamos modificar a cena da casa, e alterar a memória dos não-mágicos. É algo que lamento pedir para ser feito, espero que possamos ser perdoados um dia.

Nathan e Adrian saíram da casa rapidamente, seguindo eles, saiu Tereza. Minha tia trouxe uma coberta e colocou em Matheus, que ainda chorava muito.

– Eles não farão nada contra seus pais Matheus. É algo duro que vou dizer, mas eles precisam dos seus pais vivos para terem o colar, logo teremos tempo de achá-los e os trazer em segurança. – disse minha tia.

Meus pais saíram da casa também, segundo eles tinham que falar com algumas pessoas, requisitar mais ordenados. Kauvirno fora para o quarto e minha tia sentou defronte a lareira e a observava.

– Dizem os antigos que o fogo é algo mágico. Na verdade fora através do fogo que muitos bruxos nasceram. O poder da transformação.

– Mas e os outros elementos? – eu perguntei.

– Estão todos ligados ao fogo. Sem o ar o fogo não nasce. Sem a água ele não apaga e sem a terra ele não ganha força. É através dele que conseguimos muitas coisas. Ele pode nos mostrar o passado, o futuro e o presente. Indicar-mos o melhor caminho. Iluminar nossos passos. Sempre confie nele Kayo. Sempre!

Eu, particularmente, sempre gostei do fogo. A forma como ele dança e o seu brilho, sempre foram coisas que me excitaram de ver. E saber que bruxos nasceram graças a ele era algo que me inspirava, pena que nasceram dele e muitos foram os que morreram nele.

Já era noite e fazia mais frio do que de costume. No radio ouvi algo sobre o incidente de hoje:

“Não se sabe ao certo mais a família Maltês e Rangel simplesmente sumiram da cidade, hoje pela manhã, na casa dos Maltês alguma coisa estranha aconteceu... bem... se não fosse pela tempestade que simplesmente surgiu fazendo com que todos corressem para um abrigo. Uma chuva inesperada com raios por todas as partes, um desses até acertou um dos postes fazendo com que a iluminação local acabasse, voltando apenas agora no final da tarde...”

Pensei, ao ouvir isso, quantas vezes bruxos lutavam por aí e nós éramos enganados acreditando que outras coisas tinham acontecido. Não foquei meu pensamento nisso. Estava mais preocupado com Matheus.

– Ele não tinha o direito de fazer o que fez, eu os amo tanto, assim como eu amo você. – disse Matheus, ainda deitado no meu colo, com os olhos vermelhos de tanto chorar. Se ele se sentia péssimo com aquela situação, eu me sentia mil vezes pior, pois era minha culpa.

– Eu sei Matheus, mais é algo impulsivo. Não tem como ser controlado e eu disse que não seria fácil, que seria diferente do que foi comigo.

– Vocês vão salvá-los, não vão?

– Sim, o pessoal já está correndo atrás de saber aonde eles poderiam estar. Ou esperando eles ter algum contato...

– Você vai entregar a eles o colar?

– Eu não sei!

– Espero que não esteja pensando em fazer isso. Vocês são bruxos, devem ter uma maneira de resgatar meus pais de uma maneira que não tenham que entregar o colar a eles.

– Eu não sei ainda como será feito. Mais se eu tiver que fazer eu farei. Eu não quero ver você sofrendo.

– Eu estou sofrendo sim, mas eu disse que eu aguentaria se eu estivesse do seu lado, é isso que me mantêm aqui de pé.

– Isso tem que acabar logo...

– Mais não entregue o colar, ele é seu. Quanto aos meus pais, eu entendia os riscos... e a tia Carol disse e é verdade, eles não farão nada contra meus pais...

– Não sei se quero carregar esse fardo.

– Imposto ou não, cabe a você sim carregar agora.

Por mais angustiado que ele estava por conta do que acontecera de manhã, Matheus queria ser forte. Levantou e comeu alguma coisa. Parou de chorar. Por mais que eu sentisse que seu coração ainda estava estourado. Nossos machucados estavam enfim sarando. O corte na minha boca já tinha se fechado, eu estava apenas com a boca dolorida. Era angustiante ficar ali esperando por noticias. Algum tempo depois, um a um dos que saíram, voltaram.

– Temos noticias. – disse Adrian. , Kauvirno se aproximou e minha tia também.

“Fomos até a taberna de Alim e lá, como nós sabemos, lugar freqüentado por desertores, e como sempre falam mais do que deviam. Comenta-se lá que um grupo chamado Soberanus se faz presente na região dos altos. O grupo se esconde lá e seguem um tal de Átimos”.

– Você disse Átimos? – perguntou Kauvirno em choque.

– Sim.

– É impossível, ele foi congelado há muito tempo.

– Mais foi o que comentaram...

–Quem é esse? – perguntou Matheus.

– Átimos foi o primeiro bruxo a ser banido. Ele buscava pelo Colar do Parvo e iniciou-se uma guerra árdua. Os vigilantes então se engajaram em descobrir onde ele estava e conseguimos derrotá-lo. O congelamos e o aprisionamos nas montanhas a sul daqui. Somente membros da vigilância sabem onde seu corpo esta.

– Bem meu caro tio, foi o que descobrimos. – disse Nathan desapontado.

– Espere, estou preocupado agora. Somente membros da ordem sabiam onde estava o corpo dele... impossível.

– O que esta querendo dizer com isso Kauvirno? – perguntou minha tia.

– Nós, não sabemos aonde ele fora enterrado, foi um segredo que fora levado ao tumulo pelos antigos membros do grupo.

– Mas o que suspeita, Kau? – perguntou minha tia.

– Há algum tempo, sua mãe Kayo, me disse que sonhava com seu bisavô, Edvan Taurino. Nesse sonho ele se encontrava com um homem e dizia, “está lá, confie em mim, está lá. O sonho se tornava confuso depois, mais durante muito tempo ela tivera o mesmo sonho. Logicamente, não demos importância, Edvan morreu com quase 120 anos, e era de poucos amigos... muito familiar.

– E isso quer dizer? – eu perguntei.

– Só teria uma chance de tirar algo de um bruxo... – disse Kauvirno seriamente e mostrando espanto em sua voz.

– Não esta querendo dizer...

– Sim meu caro sobrinho Adrian. Estou querendo dizer que provavelmente acordaram Edvan e o fizeram falar.

– Acordaram ele?

– Trouxeram ele do mundo dos mortos. Um tumulo de um bruxo não pode ser violado, se acordado ele se torna um escravo daquele que o acordou.

– E quem teria acordado ele? – perguntou minha tia.

– Os antigos ordenados disseram que por muito tempo caçaram os filhos de Átimos, mais nenhum fora encontrado. Uma vez achou-se túmulos com os nomes deles. Haviam corpos nos caixões, mais daí a provar que eram realmente eles ficou difícil dizer, sendo que não podíamos acordá-los. É muito arriscado ter um bruxo-morto como aliado. São exímios traidores, mesmo não o sendo em vida.

– Então alguém escapou e trouxe Edvan a vida. É isso que quer dizer Kauvirno? – perguntou minha tia.

– Sim e pior, ele sendo um membro dos vigilantes, ele ainda sim, depois de morto, tinha acesso a nós. E nós a ele. Talvez seja por isso que eles encontram Kayo. Agora tudo se explica.

– Desculpa senhor, mais eu ainda não entendi. – eu perguntei.

– Entenda Kayo. Uma vez um ordenado dos vigilantes, sempre será. Mesmo morto ou aliado ao mal. Obviamente que quando você se vira para o outro lado, as coisas mudam, e nossa localização sempre será ambígua, e normalmente a confusão te leva para o lado oposto ao que estamos.

“Acontece que Edvan não se tornou um bruxo do mal, ele simplesmente virou um escravo. Antes, e ainda é assim, o tumulo dos ordenados são diferenciados e apenas membros fiéis sabem onde estão. Mas os vigilantes, ficaram muito tempo escondidos e Edvan renunciara seu poder para ser um humano normal, mais provavelmente sua essência ainda brilhava dentro do peito. Logo ele foi enterrado como humano, pois se recusava a ter um enterro digno do bruxo que era. Logo seu tumulo não tinha diferença nenhuma para ser localizado, mas eu ainda não entendo. Se fizeram isso, como conseguiram achar seu corpo?

Provavelmente algum familiar de Átimos ficou encarregado de descobrir isso e o achou, tornando- o seu fiel escravo. Edvan deve ter levado-o até o tumulo de Átimos e então o acordaram. Talvez no mesmo tempo em que sua mãe teve esses sonhos, mais não demos conta de tal importância que isso tinha, como eu bem disse.

E foi assim que eles devem ter te encontrado. Através do corpo de Edvan souberam que você seria o escolhido e souberam a sua localização. A intenção era te pegar naquele dia do ônibus, mais de alguma forma você foi protegido. Agora Átimos deve estar acordado, e querendo o colar para ele.”

– E o que faremos? – perguntou Nathan.

– Vamos esperar os outros chegar, e contar a eles e nos mudar dessa casa o mais breve possível, eles podem saber onde estamos, Edvan ainda tem ligação com os ordenados, logo os exilados baterão a nossa porta. O que eu não duvido que tenha acontecido hoje pela manhã, ocasionando o sequestro dos pais de Matheus. Agora tudo faz sentido.

A coisa estava ficando cada vez pior. Percebi então que agora, a ordem era se esconder e depois salvar os pais de Matheus. Eu senti seus olhos lacrimejarem, mais me contive, fui até ele e o abracei.

– Assim que arrumarmos um lugar para irmos, nós vamos salvá-los.

E assim, meus pais chegaram, e Tereza junto deles. O senhor Kauvirno contou a tal descoberta e todos ficaram boquiabertos. Arrumamos algumas roupas, comida e então fomos para a casa dos Taurinos.

– Lá no momento é o lugar mais seguro para irmos. – disse meu pai.