O Colar do Parvo
O homem de capuz
Arrumamos algumas malas, com roupas e comida e logo Tereza abriu um portal para que fossemos, juntos, a mansão dos Taurinos. O que mais uma vez, me deixou com os miolos moles de tanto pensar.
– Qual a diferença de usar um portal e se teleportar, como fizemos de manhã? – eu perguntei para Nathan, enquanto os outros terminavam de arrumar as coisas.
– Não é algo difícil de entender. Nas ruas, praças ou praias, tudo o que for lugar aberto usa-se a magia de teleportar, é único de cada bruxo, pois envolve a mente de cada um, basta um pensamento especifico de qualquer lugar e bum. Em lugares fechados, cria-se um portal por ser mais seguro a passagem. Não podíamos criar um portal para ir a casa de Matheus, porque além de não conhecermos lá dentro, somos em muitas pessoas. A mansão dos Taurinos nós já conhecemos e então usamos o portal.
– Parem de jogar conversa fora e nos ajudem aqui! – disse Kauvirno chegando com três grandes malas.
Tereza havia aberto um portal, igualmente como fez quando saímos da mansão e viemos para essa casa. Era engraçado de ver como eles iam e vinham através daquele feixe de luz, levando as malas e voltando sem elas. Kauvirno acabou jogando as três malas para dentro do portal.
Logo tudo estava dentro da mansão e então atravessamos o portal, Tereza o fechou assim que todos passaram.
– Existem alguns quartos na casa, escolham um e vão descansar. – disse Kauvirno, levando suas três malas para o andar de cima.
Tia Carol tirou sua varinha do bolso e fez alguns movimentos e uma leve brisa controlada por ela fazia com que a poeira da casa fosse toda levada para o lado de fora.
– Adrian, vamos lá fora intensificar a proteção da casa! – disse Nathan ao irmão, e então saíram apressados.
Meu pai pegou mais algumas malas e levou para cima, eu e Matheus outras e fomos escolher nosso quarto. Por ironia, ficamos no quarto onde eu achei o Colar do Parvo.
A mesma cama quebrada, e a penteadeira. Tiramos o colchão e literalmente destruímos a cama, empilhando a madeira num canto, minha tia chegou e com sua brisa limpou todo o quarto.
– Eu não agüentaria ter que varrer essa casa toda. – disse ela, sempre sorridente.
– Tia, porque Kauvirno quis vir para cá? – eu perguntei, enquanto Matheus afastava a penteadeira para próximo da janela.
– Essa casa tem uma magia profunda e antiga de proteção, assim como a mansão de Kau, evita que a maldade nos veja.
– É parecido com aqueles casacos mágicos? – perguntou Matheus.
– Quase. E o nome correto é casaco anti-notação, que pode ser burlada com contra feitiços facilmente, se bem empregados.
Nosso quarto enfim estava arrumado e limpo, talvez não da forma como queríamos, mas estava agradável. Meu pai nos trouxe colchões infláveis e com o uso de sua bengala, agora uma varinha, os encheu facilmente. A luz era de vela, mas essa era mágica, e a sensação era como se fosse luz elétrica. Comemos pão com geléia e suco de amora.
Tereza ainda não se conformava que ela não tinha sentindo os bruxos em frente a casa de Matheus e ainda se culpava pelo sequestro dos pais de Matheus, que por sua vez, ia até ela, a abraçava e a consolava.
– Eu juro menino. Vou trazer seus pais de volta nem que eu tenha que dar minha vida por eles.
– Não pense assim, vamos esperar apenas que eles estejam bem. – dizia Matheus.
– Sim Tereza, não pense nisso agora, o que passou, já passou. Temos providências a ser tomadas. – Minha mãe então se pôs a falar, ainda em choque pelo que soubera a pouco.
– Bem, fomos até a casa dos Siqueira, eles não estavam, deixamos um recado. Seguimos até a casa dos Rocha, se opuseram lutar pela causa...
Aquele sobrenome me era familiar.
–... Enfim, na cidade não tem muitos bruxos que possamos contar. Preferem se trancar em casa e se esconder. Souberam da noticia do rádio e logo perceberam que fora um ataque de bruxos.
– Assim fica muito complicado. E a quem vamos recorrer agora? – perguntou Nathan.
– Bem, podemos ir às cidades vizinhas...
– Sim, até poderíamos Carol, mais não teríamos tempo. – disse Kauvirno – Me preocupa essa falta de noticia. Eles pedem o colar em troca dos pais do garoto, e simplesmente somem? Existe algo de estranho nessa história.
– E se eu usar o colar para tentar localizá-los?
– Arriscado!
– Mas, senhor Kauvirno, é uma sugestão que pode dar certo. Se eu pensar em Edvan, ele poderá me mostrar onde seu antigo dono está. E se Edvan estiver com Átimos? Não podemos simplesmente esperar.
– Eu disse arriscado, Kayo. Ainda não é o momento. Não tem noção do quanto eu pedi para que você não o usasse em frente à casa do garoto.
– Talvez se eu tivesse usado os pais dele não teriam sido sequestrados.
– Eu sou o mais velho desta ordem, e aqui as minhas regras serão aceitas. Eu disse que não.
Eu fui para o quarto e Matheus foi comigo.
– Você está querendo o que Kayo?
– Quero resgatar seus pais, é isso que eu quero.
– E porque deseja tanto isso? Olha o que eles fizeram com você.
– Eles fizeram com a gente, Matheus. – aquilo soou estranho – O que está querendo dizer? Que não quer que busquemos seus pais?
– Não é isso, só acho que você está apressando as coisas. Tenha um pouco de paciência. – ele veio e me abraçou e acabamos nos beijando.
– Você não entende quanta responsabilidade esta sendo jogada em cima das minhas costas. A cada hora que passa a gente descobre alguma coisa. Se não bastassem alguns bruxos, agora temos o pior de todos em nosso encalço, e pior, ele esta com seus pais. Como eu não vou me preocupar?
– Eu estou do seu lado...
– Eu sei, faça um favor pra mim, pegue um copo de água?
– Claro, eu já volto. – e ele saiu.
Eu estava prestes a cometer a pior loucura da minha vida. Indo contra a qualquer tipo de regra imposta. No meu coração, um turbilhão de sentimentos se misturavam entre fazer, e não desobedecer as ordens dada. Mas algo tinha que ser feito. Eu precisava descobrir onde os pais de Matheus estavam, e decidi naquele momento que eu teria que tentar descobrir, sozinho.
Peguei o colar, coloquei no pescoço e simplesmente desejei estar ao lado de Edvan Taurino. As deformidades no ambiente já não me incomodavam mais, logo vi um ponto, um ponto longínquo, enquanto o colar brilhava no meu pescoço e ficava pesado. Formou-se então a silhueta de um casebre. Quando tudo tomou forma, eu estava do lado de fora de uma casa antiga, feito de pau e telhado de barro. Ela era grande e tinha na frente um jardim seco, morto. A luz que eu via pela janela era fraca, como se fosse de lamparina. Tinha alguns cavalos ali que estavam com as rédeas presas em paus fincados na terra. A porta era pequena, e estreita. Pude ouvir gente gritando, e conversando alto. Abri a porta.
De dentro era mais nojenta do que de fora. Pessoas estranhas andavam para lá e para cá. Imundas. O chão, dava-se nojo de pisar. Todas as pessoas, homens e mulheres, vestiam roupas sujas e remendadas. Bebiam e comiam feito os porcos. Ali do lado uma mesa com algumas “damas” beijando aqueles homens barbudos, muitos sem dentes, e eles simplesmente riam, felizes. No meu rosto, com certeza, mostrava total insatisfação. Rapidamente coloquei o pingente do colar por dentro da camisa e segui até o balcão.
Ali fui atendido por um homem barrigudo, barbudo, mediano e sujo. Deu-me até vontade de vomitar.
– E o que vai ser hoje, rapazinho? – disse ele.
– Tem água? – eu disse, outra coisa que não seria, e provavelmente a água eu também não beberia.
– Sede de água? Oras aqui temos sim, claro... água do campo. – ele tirou uma caneca debaixo do balcão e uma jarra com um liquido meio amarelado.
– Essa água é tratada? – eu não consegui não perguntar.
– Logicamente que sim, tratada com sais, mineiros, proteínas...
– Prefiro não tomar nada! – logo pensei que aquilo na realidade fosse outra coisa.
– Você é quem sabe. Iria te fortalecer. Parece abatido, cansado. Um tanto quanto exausto.
– Os últimos dias não tem sido fáceis para mim.
– E aí Alim, ficou sabendo dos exímios exilados? – disse um homem encostando no balcão.
– Sim, atacarão um humano hoje à tarde. – disse outro.
– Não brinca... – disse Alim.
– Estou à procura desse grupo, quero me aliar, acabar com os idiotas dos tais ordenados...
– Por causa deles hoje sou o que sou.
– Cuidado com o que diz, ambos! – disse Alim – Vocês tinham tudo e quiseram o nada.
– Fracassados...
– Ridículos...
– Escrotos...
– Chega rapazes, tomem um pouco de vinho. Embebedam-se aí que é com isso que eu me sustento.
– Alim, se você fosse como nós, saberia o que estamos sentidos.
– Sim, sim eu sei. Vão até aquela mesa e sentem-se lá.
Os dois rapazes saíram.
– Então o que anda fazendo por aqui, estrangeiro. – disse ele a mim.
– Como?
– Sim, suas roupas, seu cabelo perfeitamente ajeitado, o cheiro que você exala. Eles nãos sentem e não vêem nada, pois estão loucos, mais eu o vejo como você é. Veio arrumar briga aqui?
– Não!
– Não anda com cajado, bengala ou varinha... estranho. Bruxo você não é. Você não exala magia.
– Eu realmente não sou. Mais descendo de uma família de bruxos.
– Qual o nome?
– Prefiro não dizer.
– Então você terá que sair. Aqui, eu sei o nome de todos e jamais esqueço de um nome. Pelo menos não quando eu quero. Se não disser direi a eles que você é um não-mágico e você se entendera com eles.
O que fazer?
– Taurino, sou descendente deles. – era melhor dizer, pelo menos senti que eu deveria.
– Taurino? – indagou ele.
– Sim.
– Vigilantes? – disse ele quase que murmurando, debruçando no balcão para que suas palavras chegassem aos meus ouvidos.
– Sim.
– Impossível.
– Não, não é.
Alim ficou parado um instante, e depois saiu de trás do balcão aos berros.
– Você entre naquela porta e fique por lá até eu mandar. – logo o obedeci, do lado do balcão tinha uma portinhola, eu entrei. Não tinha um cheiro ruim, mais estava apertado e escuro - Vamos pessoal tenho que fechar o bar, imediatamente.
– Alim, endoidou homem?
– Não Calabros, ainda não. Acabo de receber uma noticia que minha filha esta doente, preciso ir vê-la.
– Humanos fedem.
– Obrigado Jestor, digo o mesmo de ti. Agora por favor, pessoal se retirem. Vamos, vamos...
Algum tempo depois ouvi a ultima voz dizer – “vai se ferrar então” – e a portinhola se abriu. Eu sai.
– Porque mandou eles embora.
– Você descende dos Taurinos, então? – disse ele.
– Sim, vou ter que dizer isso mais quantas vezes.
Alim então foi se aproximando de mim.
– Qual o seu nome completo?
– Kayo Rangel.
– E o nome do meio?
– Meus pais não me registraram com o nome do meio. Apenas como Kayo Rangel.
– Kayo Taurino Rangel. Seria esse seu nome então?
– Sim, seria... eu acho, mas...
Alim estava mais perto e então se jogou em cima de mim e bateu na minha camisa. Logo o colar se mostrou.
– Não posso acreditar nisso...
– O Colar me pertence se fizer alguma coisa contra mim eu sumo antes que você pisque.
– Não, não menino, não tenho a intenção de fazer nada contra você.
– Então porque tanto espanto?
– Sabe, há muito tempo que eu toco esse lugar sozinho e antigamente não havia como se sustentar com outro tipo de coisa.
– E o que isso tem haver com seu espanto pelo colar. Se você é um não-mágico, não deveria se espantar tanto. Ou seja, o colar só funcionaria se ele quisesse com você, e eu estou como guardião dele...
– Sim está, e está fazendo um péssimo trabalho vindo até esse lugar.
Ele correu até a janela e se certificou que não havia ninguém ali.
– É perigoso subir a encosta, criança. Ainda mais nos tempos em que vivemos. Diga-me como a ordem está... como andam as coisas? Aquele medroso do Kauvirno?
– Como sabe tantas coisas sobre os vigilantes?
– Conversas. Idas e vindas. Sempre se sabe de alguma coisa.
– Mais você o conhece?
– Sim, certamente que sim. No entanto ele ás vezes não me apetece. É muito falho, mas um bom homem.
– Eu vou embora. – eu disse.
– Não, você não pode. Não agora. Precisa me dizer o que veio fazer aqui.
– Lógico que eu não vou dizer, você abriga traidores, como posso confiar em você?
– Entenda, você precisa ficar...
– Mas por quê?
Ele olhou para fora da janela.
– Eles estão vindo, esconda-se na portinhola novamente.
– Quem está vindo?
– Sem perguntas, ande! – ele me puxou pelo braço e me trancou no quartinho – Não fale nada e muito menos use o colar, entendeu?
– Com quem está falando Alim? – disse uma voz rouca ao fundo.
– Oh, senhor, com ninguém, imagine. Sou um velho caduco.
Havia uma pequena fresta na porta, ao qual eu via perfeitamente a figura de um homem encapuzado, seu rosto permanecia em oculto, e aquela iluminação não ajudava muito. Atrás do homem saiu uma mulher, de rosto bem familiar. Era Melissa. Ela entrou e sentou numa das cadeiras e logo começou a tomar o que tinha nos copos da mesa.
– Entendo perfeitamente de sua loucura, seu velho imprestável.
– Sim eu sei, meu senhor. E agradeço todos os dias por me deixar viver.
– Então pare de agradecer, pois deve ser isso que me perturba durante a noite.
– Quero comer alguma coisa, vamos serviçal. Um bom pedaço de costela abafada seria ótimo.
– Não viemos para comer Melissa.
– Poxa, mestrinho. Estou com fome. Gastei todas as minhas energias hoje raptando os pais daquele namoradinho do guardião inútil.
– Melissa, cale-se. Tão inútil, que você e aquele ogro do seu irmão não foram capazes de derrotar. – disse o homem. Melissa se calou.
– Mais o que devo o prazer de sua visita, senhor?
– Eu estou aqui para avisar que o senhor Átimos está lhe convocando para uma reunião, amanhã a meia noite na Fenda Nebulosa. E sem falta.
– Certamente, meu senhor. Mais apenas para isso?
– Não. Eu tenho certeza de que vi algo tomando forma em frente a esse prostibulo. E tenho certeza de que senti alguma magia envolvida.
– Mais senhor, aqui não se pode usar magia, como o senhor bem sabe. Lugar de desertores, bruxos sem poder.
– Exatamente por isso que eu estou aqui. Por ter sentindo algo de muito estranho.
– Eu compreendo, mais eu não sou bruxo para saber, não é mesmo senhor?
– Não, você não é! – disse o homem, incerto do que dizia.
– Traga minha costela abafada e com alcachofras, inútil.
– Melissa, juro que ainda corto sua língua e a frito para comer no meu café da tarde.
Melissa pareceu bem desapontada. Levantou.
– Vamos embora, e não se esquece de ir lá amanhã.
– Não esquecerei senhor... não esquecerei.
O homem de capus e Melissa saíram pela porta, primeiro ela e depois o homem. Antes de Alim fechar a porta o homem se virou.
– Tem certeza de que nenhum mágico entrou aqui? – disse ele ríspido e seriamente.
– Mais é lógico meu senhor, tenho certeza.
– Está bem, então.
Alim fechou a porta e ficou olhando pela janela. Alguns momentos depois ele foi até a portinha e a abriu.
– Vamos rápido, saia.
– Quem era aquele com Melissa.
– Você a conhece?
– Sim, ela e os amiguinhos dela seqüestram os pais do meu namorado.
– Pena!
– Porque diz isso?
– Nada não, ainda teremos chance de salvá-los. Mais preciso te levar em segurança até os vigilantes. Onde vocês estão?
– Eu não vou dizer.
– Mais porque não?
– Você vai se encontrar com Átimos amanhã! Porque eu confiaria em você?
– Eu não o dedurei quando tive a chance, não seria agora que eu o faria. Mas bem, levando-o até o pé da encosta... talvez de lá possa usar sua magia e voltar para casa.
Então, eu e ele, saímos do casebre e seguimos por um longo caminho tortuoso, descendo a encosta a pé.
– Mais seguro a pé do que a cavalo.
– Onde fica essa Fenda Nebulosa?
– Ah! Eu não sei. Quando me levam lá, me vendam e eu fico perdidinho. Não queira ir lá sozinho garoto, é muito arriscado, ainda mais com o colar. Se você ainda tivesse algum dos outros artefatos...
– O que você sabe sobre os outros artefatos?
– Apenas o que é dito, e o que você, com certeza já deve saber. Se dois, dos três foram usados contra Átimos, com certeza seria uma briga e tanto.
– Ele não procura pela taça e pela espada?
– Até onde eu sei, o único encanto dele é o colar. Entenda, o colar é o mais puro dos três, porque fora criado pelo amor. Os outros nem tanto. Obviamente cada um tem seu poder, o de conhecimento e sorte, mais nada que apenas o poder... veja... o poder não seja capaz de controlar.
– Então ele não sabe dos outros artefatos.
– Provavelmente não, e se sabe não da importância a isso.
– Entendi.
Provavelmente já era meio da noite quando chegamos próximo a encosta. Eu estava muito cansado e o sono já se fazia presente. Alim, com sua forma desengonçada de andar, até que era educado, ia sempre dois passos a minha frente, para se certificar que ninguém estava nos seguindo ou nos observando. No entanto eu queria entender o porquê o colar havia me levado até ele, se eu tinha pedido para me encontrar com Edvan Taurino?
– Vá garoto, volte a sua casa e fique por lá. E tenha cuidado. Peça para o velho Kauvirno vir me visitar, tenho vinhos novos na adega.
– Pedirei.
Pus-me mais a frente e pensei na mansão dos Taurinos e logo me encontrei na sala, com todos ali, desesperados. Matheus foi o primeiro a vir me abraçar, chorando.
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