O Colar do Parvo

O velho da floresta


Sentamos ali e ficamos esperando o meu soldado voltar, com noticias. Fazia muito frio naquela floresta. Arrumamos algumas pedras, e fizemos um circulo com elas, no meio colocamos gravetos eu fiz uma fogueira.

– Incrível como você consegue fazer magia com as mãos, sem o uso de uma varinha, ou cajado. – disse Sara, intrigada.

– Eu tenho o colar. Ele me ajuda... se fosse por mim mesmo eu não conseguiria nada.

– Mesmo com a ajuda do tal colar, para você conseguir fazer magia é preciso concentração, se você não se concentra, jamais o colar lhe daria esse poder. Ele seria apenas mais um objeto.

Eduardo ficou o tempo todo do meu lado. E Mario do lado de Sara. Eu percebia que ela se sentia incomodada pela forma como Eduardo me tratava, e por mais que eu tentasse evitá-lo, não daria em nada.

Estar ali de noite naquela floresta, gélida e estranha, era tenebroso. Ouvíamos varias vezes uivos que faziam com que nossas espinhas se arrepiassem. Mario estava quase dormindo, Sara muito atenta, e Eduardo do meu lado, abraço comigo, me protegendo do frio. Eu sentia tanta dor de cabeça, por conta da bebida, mas confesso que naquela hora, eu desejei um pouco mais. Veio-me a mente Matheus e o que ele estaria fazendo naquele momento. Pensei nos meus pais. Em Mila. Na minha tia Carol e na Tereza. Em Nathan. Em Adrian. Foi quando um som estranho me vez voltar a realidade. Eram passos.

– Que saco eu não estar com a minha varinha! – sussurrou Eduardo.

Sara acordou Mario e ambos se juntaram a nós. Com um movimento na mão eu fiz com que a fogueira se apagasse. Ficamos quietos, esperando para ver o que iria acontecer. Talvez fosse Kau e Marcelo, ou talvez outro explorador. Ou quem sabe os Soberanus. Uma pequena bola de fogo se formou em minha mão, eu estava preparado para atacar a qualquer momento.

Bem, meu caro amiguinho, eu creio que esteja com fome, coma esse pedaço de pão! ­– disse uma voz rouca e fraca.

– Quem será? – sussurrou Mario.

Mas, esta certo disso? Veja, meu caro, eu não ouço bem... não há necessidade de falar nessa altura!.

Quem será que está aí? – perguntou Sara, sussurrando.

Quem sou eu? O velho tio Jô, sim esse sou eu!

Ele esta falando com alguém, ou respondeu o que eu perguntei? – comentou Sara. Eu pedi, gentilmente com as mãos a minha boca, que ela ficasse quieta.

Mas você fez uma pergunta, não fez? Onde estaria minha educação em não responder. Caro amigo, cuidado, pode se machucar.

Velho tio Jô, onde está? Vem para um lugar onde possamos te ver! – eu disse.

– Mas estou aqui! – disse o velhinho, nos assustando. Ele estava parado atrás de nós nos observando atentamente.

Ele era pequeno, tinha um metro e meio. Cabelos bem brancos, pele toda enrugada. Era mirrado e vestia um casaco de couro marrom, que lhe cobria até os pés. Tinha uma espécie de cachecol feito com a pele de algum animal. Se apoiava numa pequenina bengala, feito de algum tronco. Ao lado dele, tinha um castor, que pareceu bastante amigável.

Nós olhamos para o velhinho que pareceu muito simpático, e ele fazia a mesma coisa, como se nós fossemos estranhos.

– Desculpem o velho tio Jô, estou velho, mal enxergo. – disse ele.

Tremendo ele desceu um pouco, de modo que o castor, agora apoiado em suas pequenas pernas, pudesse falar algo em seus ouvidos.

– Oh, sim. Quatro belos jovens. Três deles homens, e uma linda garota! – disse o velhote – Poderiam dizer seus nomes? Mas eu peço gentilmente que cada um diga o seu assim eu poderia guardar melhor.

Entreolhamos-nos e então cada disse seu nome ao velho.

– Sara. Um belo nome! Uma bruxa astuta e cautelosa, porém em seu momento de fúria deve-se ter cautela. – disse o velhote, sorrindo. Ele tinha uma risada tão doce e melodiosa.

“Mario, um nome de peso, mas pela sua voz, ressalta um pouco de medo. Bem, vejamos... Eduardo... um doce e delicado rapaz, porém muito enciumado. Tenha cuidado, meu jovem rapaz... armadilhas podem te pegar de jeito. E quanto ao nome Kayo... este nome me lembra algo familiar. Esse tom de voz, eu já ouvi em algum lugar... não me é estranho... vejamos...”

O velho ficou um tempo pensando, enquanto o castor vinha a todo o momento sentir nossos cheiros.

– Seu nome é antigo... Kayo é um nome poderoso... sinto força em sua voz... igual a dos teus antepassados... eu receio que seja um Taurino.

Eu fiquei completamente impressionado com a sabedoria do velho tio Jô. Alias, eu não sei dizer se aquilo foi sabedoria, ou apenas um chute certeiro. Ou se ele lia algo em minha mente. Mas uma vez nos olhamos, cada um sabendo que o que o velho tio Jô dissera, era a mais pura verdade.

– Este é meu amigo. – disse ele apontando ao castor – Não tem nome... ou não quer me dizer... sei apenas que ele não aceita que eu o chame de qualquer nome. Ele é minha visão. Um amigo e tanto. Não se sintam acanhados, por favor, eu não quero que fiquem assim. Sou o velho da floresta, mais velho que muitas árvores que estão aqui. Muitas eu ajudei a plantar, reguei e colhi de seus frutos. Conheço esse lugar como a palma da minha mão, não apenas a floresta como todo o resto, e eu sei que algo de estranho está acontecendo. Eu quero dizer... eu sei agora que isso tem haver com o Guardião do Colar do Parvo, estou certo?

Eu estava começando a sentir medo do velho tio Jô.

– Não se preocupem, sou apenas um andarilho que vive do ar, não sou do tipo que tenho poderes... se quiserem podem me transformar em pó rapidamente. Ainda mais você, Kayo, guardião do colar.

– Como o senhor sabe de tanta coisa? – eu perguntei.

– Apenas sei daquilo que sua voz me diz. Eu sou um bom ouvinte. – disse tio Jô, rindo – Mas, me falem, o que os trazem aqui?

– Nós estamos fugindo de uns bruxos que invadiram a cidade...

– Sim, caro amigo Mario, os tais Soberanus. Sei bem quem são. Conseguiram ultrapassar a defesa da cidade, estão lá causando o terror. Pena não terem passado pela floresta, teriam uma grande surpresa. Essas árvores, na realidade são seres mágicos. Quando um bruxo planta uma árvore, elas criam vida. E, certamente, que rejeitam bruxos malvados. O que foi, amiguinho? – disse ao castor que pareceu perturbado – Tenha calma. E quanto a vocês, fiquem tranquilos também... na floresta, nada acontecerá.

Um forte clarão cortou o céu e pousou atrás de nós. Era meu soldado Elemental. Ele parecia desesperado, balançando as mãos para um lado e para o outro, fazendo gestos, querendo me dizer alguma coisa. O velho tio Jô sorriu, por ver que eu não estava entendendo nada e foi até o soldado, que pareceu se acalmar. Os dois balançavam a cabeça dizendo sim ou não. Aquilo estava me angustiando.

– Ele disse que encontrou Kauvirno, e que ele está bem. Estão lutando contra os homens maus, e disse para vocês ficarem aqui na floresta. E eu concordo com esse tal Kauvirno. – disse o velhote balançando sua bengala e um grande tronco foi arrastado do meio da floresta até próximo a ele, onde sentou. Com outro movimento a fogueira acendeu – Sentem-se, quando o dia nascer, vocês voltaram á cidade. E Kayo, precisa se concentrar mais para entender o que esse belo soldado tem a dizer.

Eu acabei concordando com ele. Sentamos-nos e ele tirou alguns pães do bolso da jaqueta, que estavam em sacolinhas de pano.

O velho tio Jô era uma figura maravilhosa, e muito atenciosa. Nós dávamos risadas sem se preocupar com o que estava havendo na cidade. Parecia até que ele estava nos hipnotizando para que não ficássemos preocupados. Os pais de Sara estavam na cidade, assim como os pais de Mario, e eles pareciam nem dar importância. O castor andava para um lado e outro, e sempre se aproximava do velho tio Jô para lhe dizer alguma coisa. Quanto ao meu soldado, ele ficou boa parte da noite do meu lado, como se cuidasse de mim. Eu o olhava, constantemente e tinha a sensação de conhecê-lo de algum lugar.