Aquela noite foi estranha. Tinha alguma coisa no ar, uma sensação de que algo estava por acontecer. É complicado você sentir algo que não sabe explicar. Você tenta se controlar, achando que é apenas uma maluquice de sua cabeça, mais sempre vem àquela ponta de desapontamento que te faz recuar nos seus pensamentos e voltar a acreditar que algo está por vir. Você não sabe dizer se é algo grande ou pequeno, mais sabe que algo está ali, tomando forma.

Foi uma noite angustiante. Matheus dormia ainda. Aquela bebida da minha tia bruxa era realmente boa, tanto que eu até pensei em chamá-la e pedir um pouco. Mais eu tinha que encarar as coisas por um lado positivo. Era difícil, já que por duas vezes eu tinha sido atacado, e quase morrido. Coisas ainda do porque eu sairia do primeiro acidente totalmente ileso ainda me perturbava, tal como Júnior, e também o porquê do Colar do Parvo ter escolhido a mim, e não a minha mãe. Tudo bem que era egoísmo de minha parte achar que minha mãe poderia ter sido a escolhida. Mas ela já sabia que era bruxa, poderia ter se saído muito melhor nessa situação.

Confesso que outra coisa ainda mexia comigo. Sobre o amor verdadeiro. Que nenhuma poção nesse mundo poderia acabar com o amor verdadeiro. Matheus estava, realmente e claramente, obcecado por mim. E eu sentia o mesmo por ele, era estranho saber que ali, para as pessoas daquela casa, que aquilo era normal. Pensei várias vezes, durante a noite, sobre os pais de Matheus, o que eles iriam fazer e como iriam reagir, ao saber que seu filho estava namorando com outro menino, e que esse menino era bruxo, e que por conta disso seu outro filho havia morrido. Seria um choque e tanto, talvez muito mais do que eu tive. Eu realmente tinha medo disso, sentia medo pelo que Matheus iria passar e eu tinha que ser forte o suficiente pra estar do lado dele quando chegasse esse momento.

Os primeiros raios de sol bateram em meus olhos cansados. Eu estava sentado numa cadeira ao lado da cama de Matheus que dormia ainda num terno sono. Levantei e fui até a cozinha, lá estava minha mãe, e minha tia Carol.

– Bom dia! – eu disse a elas.

– Você está um caco! – disse minha tia, vindo até mim e me abraçando.

– Bom dia meu filho, nem vou perguntar se dormiu bem, seus olhos não me escondem nada.

– Isso porque sou seu filho ou é porque você tem esse dom? – eu disse rindo. Sentei na cadeira da mesa e coloquei leite em meu copo, depois um pouco de café.

– Não vou negar que durante a sua vida meus poderes foram usados, tais como pra sua saúde. Todos os amigos de seu pai diziam no hospital o quão você era saudável.

– Meu pai, médico e bruxo! – eu achei aquilo muito irônico.

– Nós tínhamos que ser normais. Não podíamos simplesmente ficar por aí vagando. Não somos ricos, você sabe de nossa situação.

– E sendo o que são porque não mudaram isso?

– Entenda Kayo, ter um dom não significa que você pode usá-lo pra seu próprio bem. Temos que usar com bom senso para ajudar. E no mais, somos proibidos pela corte.

Mais uma vez a corte sendo encaixada nas falas de todos daquela casa. Eu estava começando a me interessar por toda essa cultura, escondida de mim, até mesmo pelos meus pais.

– Essa tal corte proíbe várias coisas, não?

– Sim, mas segundo eles é para proteger os não-mágicos. – disse minha tia, cortando um pão e passando manteiga.

– Proteger? Mas eles não foram responsáveis pela caça as bruxas?

– Sim, mas não tiveram culpa, tiveram seus motivos e acabaram por capturar inocentes, ou loucas. Foi quando o conselho se tornou a suprema corte. – dizia minha mãe – Acabaram por proteger todos e desde então estão no poder. A regra principal seria apenas auxiliar, de várias maneiras, mas no final, devido à ganância e o poder acabaram furtando de nossas vidas até mesmo o direito de usar magia. O que não acontece com os vigilantes.

– Ontem Kauvirno comentou sobre a tal magia usada para que a corte não nos afetasse. De que tipo de magia ele se referia?

Elas se entreolharam e eu logo percebi, que seria mais uma pergunta sem resposta. Eu pude perceber, que seja lá que tipo de magia usada, não era algo que eles se orgulhavam em falar.

– É algo complexo e difícil de engolir, no entanto foi por uma boa causa. – disse minha tia – Vamos mudar de assunto?

Naquele momento o que eu mais queria, era um livro. Que pudesse responder minhas perguntas, sem me esconder absolutamente nada. Eu não podia esconder a minha total frustração. Eu queria perguntar e perguntar, mas era evidente que eu sempre iria ouvir a mesma coisa. Talvez eu pudesse usar o Colar do Parvo, talvez ele me ajudasse. Será? Pensei em alguns minutos ali comendo um pedaço de pão aonde e como eu poderia fazer aquilo, mais temia que até ele me negasse isso. Em certo momento pensei em voltar no tempo, assim como aconteceu quando eu vi a família Taurino, e tentasse descobrir quem seria esse tal tolo que dava-se o nome ao colar. O colar agora estava no meu bolso e pesava, coloquei a minha mão dentro do bolso e o agarrei, segurava com firmeza e podia sentir o desenho do coração, as presas da serpente.

Kauvirno apareceu, junto de meu pai, Adrian e Nathan.

– Bom dia a todos! – disse Kauvirno.

– Bom dia! – respondeu eu, minha mãe e tia.

– Bem, hoje temos um longo dia pela frente, vamos à busca dos pais do garoto, por enquanto é o mais sensato a se fazer. – disse Kauvirno. Nathan se sentou ao meu lado e me fitou de uma forma carinhosa.

– E Tereza, onde está? Não a vi desde que levantei. – perguntou minha tia.

– Ela foi buscar informações, precisamos saber se está tudo certo para irmos até a casa da família de Matheus. – disse Adrian.

Enfim estávamos próximos de nos revelar a família do meu amado. E ele lá, dormindo, talvez sem saber aonde estava se enfiando.

– Precisamos ser ágeis, não podemos demorar. Uma entrada furtiva talvez seja o mais aconselhado. Entramos, os pegamos e trazemos para cá. – disse Kauvirno.

– Eu os conheço bem, se não for assim não viriam com a gente. – comentou minha mãe.

– Eu acho que eu e Matheus devemos ir e vocês devem esperar do lado de fora.

– E porque acha que iríamos fazer isso? – perguntou Nathan.

– Porque ele é filho deles, e eu sou o namorado.

– Sim, talvez seja melhor. Se os assustarmos pode ser pior depois para explicar as coisas. – completou minha tia.

– Não vi por esse lado, - falou Kauvirno desapontado – mas enfim, deve ser o melhor a fazer. Garoto vá e acorde o menino, não podemos nos demorar, Tereza deve estar chegando.

Levantei e fui até o quarto onde Matheus estava. Ainda dormia no mesmo sono terno de antes. Eu me aproximei e o chamei docemente. Logo ele abriu, com dificuldade, os olhos. Aqueles olhos, com a luz do sol que batia, estavam azul piscina. A coisa mais linda que eu já tinha visto.

– Bom dia, meu amor! – eu disse.

– Você não tem noção de como é bom ouvir isso. – disse ele.

Ficamos ali durante um tempo até eu contar o plano de ir até a casa buscar os pais dele. Ele concordou, obviamente.

– Claro, creio que isso não possa demorar mais tempo.

– Realmente! Mais devo pedir a você que não se exalte, não será fácil para eles aceitarem isso. Não só o fato de você estar comigo, mais da morte de Júnior, e também por eu ser um bruxo. Bem, pelo menos descender da família de uma.

– Kayo se você estiver do meu lado, eu sei que posso enfrentar tudo.

– Meninos? Tereza chegou e devemos ir com rapidez. – disse minha tia – Seu nome Matheus esta sendo dito no rádio, estão a sua procura, seus pais devem estar preocupados.

– No rádio? – indagou ele.

– Não seria armação dos exilados? – eu perguntei.

– Tereza passou em frente à casa de Matheus, a policia está lá. Estamos pensando ainda como entrar, mas dará tudo certo, é só termos confiança. – completou ela antes de sair.

Ele levantou e já não sentia dor na cabeça, e muito menos no braço. Perguntou como eu estava, pois no ataque eu também havia ferido o braço, mas eu já nem sentia mais dores, apesar do curativo ainda estar ali. Após ele ir ao banheiro, ele foi para a cozinha, tomar o café da manhã.

Tereza estava vestida com um vestido violeta e por cima um grande casaco preto que ia até o chão, seus cabelos estavam amarrados. Minha mãe também estava com um casaco preto e assim como ela, bem feminino. Os outros também estavam, só que com casacos mais masculinos. Um foi dado a mim e outro a Matheus.

– Casacos mágicos, claro! – disse Kauvirno – Com eles não sentiremos frio e nem calor, e dificilmente seremos notados pelos não-mágicos.

A idéia de invisível passou pela minha cabeça, mais como se pudesse ler minha mente minha mãe interveio em meu pensamento.

– Não são invisíveis, apenas não seremos notados. Passaremos despercebidos. Mais devemos tomar cuidado, se conjurarmos alguma mágica todos irão nos notar.

– Cria-se a sensação de presença, mas seremos tão comuns como gotas de orvalho nas folhas ao amanhecer. – completou minha tia.

Kauvirno segurava um cajado, de cor bronze e cabeça de águia na ponta, meu pai segurava uma bengala na ponta de prata uma espécie de diamante. Nathan e Adrian com a cabeça de um cavalo dourado. Minha tia, minha mãe e Tereza tinham varinhas, todas iguais e prateadas, pontudas.

– Vamos nos preparar para irmos, cuidado é fundamental. – disse Kauvirno – Existe uma rua do lado com uma árvore volumosa e verde, apesar do extremo frio, devemos surgir ali. O foco está na casa, então devemos tomar cuidado.

– Kayo, segura na mão de Matheus e vá com ele, use o colar.

Eu segurei então na mão do Matheus, ambos suspiramos.

– Como será isso?

– Eu encarei na boa, apenas não pense em nada. – eu disse a ele.

– Todos prontos? Vamos!

Um a um, foram sumindo em nossa frente, se transformando em fumaças brancas, logo peguei o colar com uma das mãos e coloquei sem dificuldade no pescoço. Fechei os olhos e imaginei essa tal árvore, por mais que eu não soubesse qual seria. A mesma sensação de sempre. Objetos que iam e vinham com extrema rapidez, tudo disforme e lá na frente um ponto que vinha tomando forma, a de uma grande árvore verde e volumosa. Percebi que Matheus estava com medo, sua mão estava gelada e suada. Logo eu pude ver figuras humanas dentro da árvore e então tudo voltou ao normal.

– Que sensação horrível. – disse Matheus – Meu estômago embrulhou.

– Logo passará. – disse Kauvirno – Tereza vá na frente, use seu disfarce. Vamos logo atrás ao seu sinal.

Tereza então saiu dali, em meios aos galhos que pareciam cortinas se transformou num cachorro de cor creme, sujo e molhado.

– Todos podem se transformar em animais? – eu perguntei.

– Sim, e qualquer animal que queira, não será o caso agora, o que iriam dizer vendo vários animais entrando numa casa? – disse Adrian.

Ela, ou melhor, o cachorro virou a esquina e retornou rapidamente, sentou e uivou.

– Este é o sinal. Kayo e Matheus entrem na casa, as pessoas não irão reconhecer nem um e nem o outro, no entanto Matheus apenas seus pais saberão que é você, o feitiço do casaco não funciona com familiares de sangue direto. Quando aparecerem na porta, nós chegaremos até vocês e os levamos para a casa onde estamos.

– Ok, Kauvirno.

– Cuidado crianças. – disse minha mãe.

Passamos cautelosos pela cortina de galhos e passamos pelo cachorro Tereza, que nos acompanhou até a porta. Ali alguns carros da policia, e algumas pessoas estavam aflitas e curiosas em frente a casa. Percebia-se que as pessoas olhavam para mim e para Matheus, mais éramos como pessoas normais, como se fossemos meros visitantes, ou como se nem fossemos notados, realmente.

– Veja... Aline está ali. – comentou Matheus. Ela estava sentada na sarjeta, com duas pessoas que não sabíamos quem era. Passamos por três policiais que estavam do lado do portão, entreaberto. Afastamos lentamente e entramos. Passamos pelo jardim e logo chegamos dentro da casa. Via-se no olhar de Matheus certa alegria em estar num lugar conhecido. Ao entrar na casa nós passamos pela sala de estar aonde eu recebera os parabéns tanto da família dele, quanto a minha. Subimos a escada e fomos direto ao quarto dos pais dele. Abrimos a porta e lá estavam os dois, o pai de Matheus estava sentado e a mãe dele deitada. Desolados.

– Mãe? Pai? – disse Matheus.

Os dois olharam para a porta e viram seu filho ali, parado. Correram e o abraçaram muito, chorando como crianças.

– Onde esteve? Porque não nos deu noticias? Jamais faça isso novamente... – dizia a mãe dele.

– Eu estou bem, eu juro.

– Garoto, você tem muito que nos explicar...

– Eu estou bem, isso já é o bastante.

– Como assim o bastante? Você simplesmente sumiu, Aline disse que estava com você no telefone e de repente ouviu Kayo gritar teu nome e você desligou...

– Calma mãe, eu estou bem...

– Aonde está o Kayo? Ele esta bem? Não conseguimos encontrar a família dele...

– Pai o Kayo está bem, ele está aqui...

– Aqui em casa? Aonde? Na Sala? Diga-me, fiquei preocupada com ambos.

– Mãe, ele esta do meu lado...

– Não brinque assim comigo menino... não têm ninguém do seu lado.

– Deve ser o casaco... – eu comentei.

– É estranho, parece que você esta acompanhado, mais não tem ninguém aqui... – dizia a mãe dele confusa – Onde ele está? Ele esta com você? Diga filho, o que houve?

– Mãe, se você não se acalmar eu não vou conseguir explicar...

– Pare de brincar assim conosco, Matheus... já não basta o que aconteceu com seu irmão...

– Eu não estou brincando...

– O que houve? – a mãe dele esta desesperada, e eu temia tirar o casaco na frente dela, não sabia qual seria sua reação.

– Tire o casaco Kayo...

– Agora não!

– Que casaco? Que Kayo você está falando? Ele está aqui...

– Menino você está drogado? Era só o que estava faltando.

– Tire Kayo....

– Mas sua mãe vai surtar...

– Que surte, tire logo...

Em meio aos gritos de Matheus pedindo para eu tirar o casaco, e aos gritos do pai dele dizendo que ele estava drogado e aos gritos de sua mãe, implorando que ele dissesse onde eu estava, eu tirei o casaco. A sensação de que alguma coisa ruim iria acontecer, era evidente. A mãe de Matheus olhou para mim, surpresa, com o olhar em orbita e desmaiou. O pai dele apenas me encarou com espanto.

– Mãe? – Matheus e eu acudimos à senhora inerte no chão, a pegamos e a levamos até a cama.

Matheus correu até o banheiro e pegou um pouco de água e molhou o rosto dela. O pai sentou no chão, ainda em choque. Lentamente a mãe de Matheus começou a abrir os olhos.

– Um pesadelo! – disse ela fracamente.

– Não mãe, é real.

Sentamos no colchão e esperamos até que ela se sentasse e dissesse estar se sentindo melhor. O pai dele pareceu voltar num momento e sentou também.

– Tudo bem, algo lógico tem que ser explicado aqui, porque ninguém simplesmente aparece do nada.

– Sim, muitas coisas serão explicadas e outras só no momento certo. – eu disse – Então...

– Então comecem. – disse a mãe dele.

Foi algo duro de sair da boca de Matheus, a começar pelo fato de que eu era um bruxo. E que eu estava sendo perseguido por bruxos maus que queriam um colar, eu entreguei a eles o mesmo e ambos avaliaram. Logo ele começou a contar sobre a busca da família Taurino, e quem eles eram, como eu havia descoberto sobre eles. A expressão era de total desaprovação, no entanto não perguntaram nada, apenas ouviram.

– E então ontem, estávamos conversando e no momento que ele me chamou foi porque esses bruxos haviam nos encontrado e nos atacaram....

Ele contou que depois do ataque tínhamos ido até a mansão dos Taurinos e lá ficamos sabendo sobre os vigilantes. Contou que meus pais e minha tia eram bruxos e que haviam mais, e que estavam do lado de fora da casa para nos proteger. Mas a pergunta que realmente fez Matheus se calar foi:

– E onde nós entramos nessa história toda? – perguntou a mãe dele.

Ele engoliu a seco. Olhou-me pedindo ajuda e eu também fiquei sem reação. Ficou um silêncio ao qual também me fez engasgar. Meu coração queria sair do peito, e eu sentia que o de Matheus também. O olhar dela parecia que já estava entendo tudo.

– Diga meu filho, aonde é que entramos nessa história?

– Senhora Carla, é em relação ao meu envolvimento com Matheus...

– Envolvimento? – indagou o pai dele – Como assim envolvimento?

– Vocês estão querendo dizer exatamente o que? - perguntou ela.

– Mãe... pai, eu e Kayo estamos juntos...

– JUNTOS? – gritou o pai dele que se levantou bruscamente – COMO ASSIM JUNTOS? NAMORANDO? SE BEIJANDO? DORMINDO JUNTOS?

– Sim! – disse Matheus decidido.

Mais uma vez o silêncio reinou e durante alguns segundos eu pensei que o pai dele fosse ter um ataque cardíaco. Quanto à mãe dele, ela apenas começou a chorar.

– Eu amo ele mãe, e nada vai me fazer mudar de ideia.

– Bruxaria, encantos... ele te enfeitiçou... isso se for verdade essa história toda... como pode inventar algo assim para nos dizer uma podridão dessa? Eu estou com nojo... com nojo... – dizia o pai dele.

– Senhor, não leve as coisas por esse lado...

– Cala a boca, seu asqueroso. Você é uma aberração e levou meu filho para esse lado nojento e impuro...

– Acalma-se pai, ele não me levou para lugar nenhum, tanto que foi eu que corri atrás dele...

– E cala-se você também, isso é falta de uma boa surra...

O pai dele então tirou o cinto da calça. A mãe ainda sem reação. Matheus levantou e se aproximou de mim.

– Você vai ver o que é uma boa lição, seu anormal!

– As coisas não irão se resolver desta forma...

– MANDEI VOCÊ SE CALAR!

– Pai, para com isso... – Matheus começou a chorar e ficou desesperado, foi para trás de mim – Me proteja Kayo, por favor...

– Senhor Roberto não se exalte...

O pai de Matheus foi se aproximando e entre xingos batia com o cinto na própria perna. A mãe de Matheus ainda estava calada.

– Pai, por favor...

– Você quer ser isso? Humilhar nossa família? Então pagara nem que se for com a própria vida... eu não aceito um filho assim, não um que nos humilhara tanto... eu estou com nojo de você moleque. E eu acabo com a sua vida antes de você sair dessa casa.

– Diga-me apenas uma coisa... – disse a mãe dele, enfim – o Júnior...

– Não, eu nunca tive nada com Júnior..

– Eu prefiro morrer numa fogueira a passar por essa vergonha.

O pai de Matheus então veio pra cima de nós. Lançava a fivela do cinto contra mim e contra Matheus, nos chutava e nos esmurrava. Não tomamos nenhuma ação, apenas nos abraçamos e protegemos nossas cabeças, cada um protegia o outro. Matheus pedia ao seu pai para parar e ele não o ouvia. Num momento um dos murros de Roberto acertou minha boca, que sangrou, e em outro acertou o olho de Matheus.

– Reajam seus imundos, sejam homens... – dizia ele aos gritos.

Matheus queria de que alguma forma seus pais aceitassem ele, assim como os meus me aceitaram. Mas estávamos falando de pessoas e culturas completamente diferentes. Carla sentada na cama, parecia se contentar em saber que Júnior não tivera um relacionamento com outro homem, logo, ela pareceu não dar importância para o que estava acontecendo a mim e a Matheus. Roberto por outro lado ainda nos batia e nos xingava dos mais sujos nomes, eu e Matheus apenas agüentamos, eu sempre na frente dele, o protegendo, recebendo toda a carga de ódio de seu pai. Obvio que Matheus tomaria uma atitude, mas se tratava de seu pai ali, e eu também, por outro lado, não podia fazer muita coisa.

Ouviu-se então uma explosão do lado de fora que fez tremer a casa. Uma bola de fogo subiu da rua ao céu e depois caiu. Logo em seguida sons semelhantes a raios e flashes iluminavam o céu nublado. O pai de Matheus pareceu não se assustar com isso e continuou a nos agredir.

– Viu o que você fez? Vocês desgraçaram essa família... prefiro um filho morto... morto.

– Pai, para... não vai adiantar nos bater... vocês precisam entender...

Outro som de explosão veio do lado de fora, esse mais perto fazendo com que os vidros estourassem.

– Todos para fora agora! – eu disse.

Levantei e ajudei Matheus a se levantar, fui até Carla e a peguei pelos braços a puxando para fora do quarto. Seu marido ainda nos insultava, mas nos seguiu, pois apesar do ódio, sentia que algo de estranho estava acontecendo.

– O que é isso? – disse ela.

– Estão nos atacando, os exilados. – eu disse.

Descemos as escadas e passamos pela porta. O céu estava mais escuro do que parecia de dentro da casa, havia pessoas gritando por toda parte. Saímos da casa e chegamos à calçada e lá eu via minha mãe e meu pai lutando com outros bruxos, dois homens de cabelos grandes e imundos, com roupas velhas e escuras. Nathan e Adrian surgiram do meu lado e da família de Matheus.

– Abaixem-se – disse Nathan lançando um raio de sua bengala pra cima de uma mulher, logo a reconheci, era Melissa.

Minha tia lutava com outra mulher, de cabelo roxo e roupas vermelhas e um casaco vinho, todo desbotado, ora a mulher era humana, ora criava asas, no lugar dos braços e atacava minha tia, que com sua varinha lançava raios azuis contra a moça, que constantemente se esquivava. Kauvirno lutava com o irmão de Melissa.

–Vamos voltar... – disse Kauvirno num grito.

– Juntam-se... – gritou minha tia.

Então fomos indo, sendo escoltados pelos irmãos até o centro da rua. Os fios dos postes arrebentaram, criando vida e vieram na nossa direção. Adrian lutava contra eles, enquanto um carro explodiu um segundo depois. Estávamos no meio da rua, todos reunidos. Eu, Matheus e seus pais protegidos no meio, e os outros a nossa volta, nos protegendo.

– Sua vampira imunda! – disse minha tia. A vampira apenas ria.

– Cuidado! – gritou meu pai.

Melissa conjurara uma magia estranha, uma bola de fogo enorme fora crescendo da ponta de sua varinha e ela lançara contra nós, repelida pela magia de Kauvirno.

– Verme! – disse ela.

– Devemos ir agora... – gritou Tereza.

– Vamos...

Um raio surgiu do céu e acertou o centro do círculo, nos lançando para todos os lados. Meus ouvidos estavam zunindo e minha visão turva. Vi Matheus do meu lado, segurando minha mão. Ouviram-se gritos e ao longe eu vi seis figuras se formando, uma delas com uma tenebrosa asa, que batia constantemente.

– Seu amor por ele, fará com que se sacrifique. Mais o amor dele pelos pais fará com que você se sacrifique por ele. – disse o homem, logo reconheci a voz. O irmão de Melissa – Faça a escolha justa, moleque, nos entregue o Colar do Parvo, ou eles morrerão.

Zunidos como de mísseis puderam ser ouvidos. Eram os exilados que haviam voado para longe.

Senti alguém me erguer. Era Nathan.

– Todos estão bem? – perguntou Tereza.

– Sim! – um a um foram respondendo.

– Vamos sair daqui antes que percebam que isso acabou. – disse Kauvirno.

– Agora! – disse meu pai.

Todos se juntaram e sumiram. Eu segurei na mão de Matheus e pensei na casa onde estávamos, e logo surgimos lá, sentados no sofá recebendo curativos de minha tia.