O Colar do Parvo

O Retorno de Gaion


Chegando a casa de Mario, sua mãe correu para fazer algo para todos comer, enquanto Eduardo tentava entrar em contato com seus pais. Os pais de Sara estavam grudados a ela como se a qualquer momento fosse acontecer algo, e aquilo parecia estar sufocando-a.

Enquanto isso, tomando vinho, Kauvirno e Marcelo conversavam com os pais de Mario na cozinha, explicando tudo o que estava acontecendo. Foi quando a mãe de Mario entrou na sala acompanhada deles e deu seu marido, com copos, refrigerantes e pão de forma com presunto e mussarela. Estávamos morrendo de fome.

– Mas tudo isso é um absurdo. Como nosso governo não nos relatou algo de tão importância. – disse o pai de Mario.

– Não vou dizer que foi por medo, e sim porque eles simplesmente não sabiam. Os Soberanus surgiram... deram suas faces a nós, no dia que Kayo sofreu o acidente. No entanto não sabíamos que se tratava de um ataque deles... tudo foi muito bem articulado. A melhor forma de atacar o inimigo é essa, uma ótima estratégia. –comentou Kauvirno.

– Entretanto meu caro amigo Kau, eu acredito que os Vigilantes deveria sim, ter prestado mais atenção nos que os exilados estavam tramando. Não podemos esquecer de quem foram no passado. – falou Marcelo, Kauvirno pareceu bastante incomodado.

– Estávamos ciente sim, Marcelo, do que os exilados estavam fazendo, tanto que Mila estava lá, assumiu o posto do pai e permaneceu naquela maldita taberna. Ou, realmente, acredita que nós estamos silenciados, negligenciando esse fato?

“A grande questão é que eles simplesmente sumiram, assim como fizeram dessa ultima vez, depois do encontro de Kayo e Étimos. Nós temos outros aliados, no entanto ele tem outros problemas a se resolver, tem suas cidades para preservar, cuidar. Não podemos simplesmente fazer uma comoção global para buscar e exterminar esses malditos exilados, tanto que isso seria assassinato. E creio que não somos bruxos assassinos.”

– Eu entendo suas palavras, meu amigo. Mas os Vigilantes falharam em muitos aspectos...

– Sim, me diga um pelo menos? – disse Kauvirno com fúria, seus olhos estavam vermelhos de raiva.

– O garoto deveria permanecer trancado, escondido a sete chaves, e quando digo isso é no sentido literal.

– Mantê-lo preso? Em sete chaves? As Chaves Douradas não servem para esconder pessoas... isso seria ridículo, e no mais, Kayo é sim de extrema importância tanto para os Vigilantes, quanto para qualquer um que queria entrar na causa. Ele é o Guardião do Colar do Parvo, ele tem o poder mais puro do mundo em suas mãos, acredita mesmo, que nós iríamos conseguir lutar contra essa legião pútrida comanda por Átimos?

Todos ficaram em silêncio. E eu ali, com a cabeça doendo, comendo um pão e tomando refrigerante, me sentindo mal por saber que Marcelo queria que eu estivesse preso e não ali.

– Meus caros amigos, é um fato de que estamos vivendo tempos muito difíceis , tempos esses descritos em antigos cantos no passado por nossos pais. – dizia o pai de Mario – No entanto eu sei que se não fizermos algo de imediato iremos perecer, pois eles estão organizados e agindo, enquanto estamos aqui discutindo sobre o que fazer.

Comemos um pouco até que eu decidi tomar um banho. Lá sentei no chão com a água quente batendo nas costas e ainda com o colar no pescoço que pesava ainda mais. Logo a dor de cabeça passou. Eu me enxuguei e deitei na cama, e fiquei ali pensando em meus pais, nos gêmeos e obviamente em Matheus.

O que ele estaria fazendo agora? Será que estava bem? Será que estava pensando em mim no mesmo momento em que eu estava pensando nele? Levantei e fui até o guarda-roupa, eu estava no quarto de Mario, fuçando aqui e ali eu achei uma garrafa de conhaque, ainda pela metade. Retornei para a cama e comecei a beber, diretamente do gargalo. Eu já nem sentia mais o gosto amargo da bebida, descia como água. Então alguém bateu na porta, e eu pedi que entrasse. Era Eduardo.

– Eu consegui falar com meus pais, estão voltando para cá. – ele se sentou do meu lado.

– Eles não viram com ajuda dos portais?

– Não! – ele deu um leve sorriso – Não tem como eles virem de tão longe, e outra eles não sabem o caminho... mas eu disse que eu estava bem e que eles não precisavam se preocupar. No entanto estarão aqui dentre dois dias, parece que está chovendo por lá e os aeroportos foram fechados.

– É uma pena! – eu dei mais uma golada no conhaque.

– Porque esta bebendo dessa maneira? – ele perguntou, tirando a garrafa da minha mão.

– Você tem ideia do que é ser eu? Do que é ter isso aqui em meu pescoço?

– Não, eu não tenho, no entanto eu consigo imaginar... mas você não vai conseguir resolver esse problema bebendo dessa maneira. Está certo que ontem a noite foi legal, mas até o momento que o pessoal daquela lunática apareceu na cidade, depois disso devemos nos concentrar. Kayo você não pode se entregar assim... nem mesmo se entregar por ele não estar aqui. Matheus! – eu senti que havia doido nele dizer aquele nome.

– Eu amo ele, Eduardo... e eu me sinto culpado por ter aceito que ele ficasse longe de mim...

– Kayo você acha que Kau e Marcelo iria deixar ele vir com você?

– Não!

– Então você estaria aqui sem ele, de uma forma e de outra. E iria me conhecer de qualquer maneira. Assim como iria conhecer Sara e Mario... o destino é assim, quando algo acontece, ela simplesmente acontece, seja como for. Então não sofra por isso, deixe o tempo passar, e então em breve você estará ao lado de quem ama.

Belas as palavras de Eduardo, no entanto eu não conseguia absorver aquilo, e eu ainda sentia dores inexplicáveis no meu peito. A dor da saudade.

Acabei por abraçar Eduardo ali e disse então para descermos, mas que antes eu iria ao banheiro. Ele ficou ali me esperando.

Ao sair ele estava debruçado na janela atento a alguma coisa.

– O que foi? – eu perguntei.

– Estão indo embora!

Eu me aproximei da janela e vi uma multidão de pessoas na rua andando. Corremos até o lado de fora da casa, onde todos que estavam ali na sala nos seguiram.

– Estão com medo... – disse Kauvirno.

– Mas estava certo de que ficariam... não estava? – perguntou a mãe de Sara.

– O que aconteceu? Onde estão indo? – eu perguntei um jovem que estava passando ali, olhando para o céu, preocupado.

– Estamos indo para longe de Assis, infelizmente aqui não é mais seguro...

– Como assim, Melissa foi embora...

– Não ela não foi... a cidade ao sul foi invadida por lobos e atacaram uma família... mataram todos... e eles deixaram o aviso que voltariam... não podemos confrontá-los... eles são ágeis e imunes a magia...

– Mas onde estão indo?

– O senhor Juliano abriu um portal no centro da cidade, esta chamando todos para ir a um lugar seguro perto da encosta... o Museu será lacrado... vamos... devemos partir...

– Bela jogada... lobos! – disse Marcelo.

O jovem correu dali e abraçou uma velha, ao qual caminharam juntos. Era triste ver aquilo, aquelas pessoas saindo da cidade com malas e carrinhos, sem saber ao certo aonde iriam.

– O que vamos fazer? – perguntou Mario.

– Se a cidade realmente foi invadida por Lobos, estamos ferrados. – disse o pai de Sara.

– Não em minha casa... são imunes a magia mais não a uma boa arma. – o pai de Mario então correu e entrou em sua casa.

– Porque Lobos são imunes à magia, Kau? – eu perguntei.

– Porque são seres místicos, criados apenas para o combate contra vampiros. Quando a primeira linhagem surgiu, há cerca de dois mil e quinhentos anos, alguns bruxos de uma cidade haviam sido atacados por vampiros, eles então enfeitiçaram alguns lobos para caçá-los, sua astucia, velocidade e destreza eram tremendamente bem aceitas na sociedade...

– Seus olhos eram capazes de enxergar quem realmente estava por detrás de outros olhos... foi quando descobrimos que os vampiros deixaram de tomar sangue, e se alimentar do poder vital de sua caça... tomando então seu corpo como refugio. – continuou Marcelo.

– O feitiço lançado nesses Lobos os imunizava de qualquer tipo de feitiço, já que vampiros poderiam usurpar o corpo de algum bruxo. Por anos e anos eles mantiveram a segurança em muitas aldeias e eram tratados como reis... até que um dia eles simplesmente desapareceram e ninguém sabe o porque. – concluiu Kauvirno.

– E agora eles estão trabalhando para Melissa? – eu perguntei.

– Não tenho certeza se são bem as ordens de Melissa que eles estão trabalhando!

O pai de Mario chegou, com uma espingarda em punho.

– Quero ver esses animais se aproximarem de minha casa....

– Pai, acalme-se. – disse Mario.

– O melhor a se fazer nesse momento e ir onde todos estão indo... Assis não é mais segura, todos devemos partir...

– Mas Kauvirno ainda não sabemos sobre onde está o corpo da esposa de Assis...

– Não temos tempo Kayo para procurar e ontem não achamos nada no Museu.

Eu senti um forte cheiro de flores que com o vento pareciam entrar diretamente em meu nariz. Era algo parecido com rosas, não sei explicar ao certo. Ouvimos então um ronco e depois sentimento um pequeno tremor na rua, ao me virar, estava de frente com Gaion, que nesse momento terminava de sair do tronco de uma grossa árvores, que tinha na frente da casa de Mario. Kauvirno ficou espantado, assim como Marcelo e os pais de Sara e Mario. Nós, como já o conhecia não ficamos tão espantados assim.

– Olá Gaion! – eu disse, me aproximando dele.

– É estranho pisar nesse chão escuro e sólido, meus pés parecem estar ficando gelados! – disse ele com aqueles olhos amarelos arregalados. Ele arrumou o cabelo feito de folhas finas – Eu fiquei sabendo do que estava acontecendo nessa cidade... realmente uma pena!

– Sim, parece que a cidade de Assis vai permanecer desabitada por muito tempo. – disse Sara.

– Que criatura mais maravilhosa... encantadora... – disse Kauvirno, avaliando Gaion, que pareceu bem incomodado.

– Eu agradeço pelas palavras, mas vendo os acontecimentos recentes, receio que não temos tempo para isso. Senhor Kayo, lhe trago noticias sobre o paradeiro de Ana Bela.

Eu fiquei completamente extasiado ao ouvir aquilo.

– Ela realmente foi enterrada aqui? – perguntou Marcelo.

– Sim... eu consegui falar com as fadas que na época eram crianças... elas se lembram perfeitamente quando duas jovens crianças a enterram...

– Duas crianças? – eu o indaguei.

– Sim, os filhos dela, mas não sei muito coisa... mas posso indicar o caminho até o túmulo de Ana Bela, no entanto o caminho é guardado e as fadas deram permissão apenas ao guardião para ir até lá.

– Sozinho? – eu perguntei, senti medo de estar sozinho.

– Kayo é a grande oportunidade para que faça com que o colar acredite em sua lealdade... deve ir imediatamente. – disse Marcelo em tom de ordem. Aquilo me irritava.

– E quanto a eles? Nós ficamos sabendo que existem Lobos atacando a cidade...

– O que deseja que eu faça, senhor Kayo? –perguntou Gaion, olhando em meus olhos.

– Teria como ajudá-los? – eu disse em tom de suplica.

– Talvez alguns soldados possam ajudar a afastar esses tais Lobos. – ele inclinou a cabeça e abriu os braços, fixou o olhar em algum ponto no céu escuro, logo depois o chão começou a tremer e mais alguns homens-árvores saíram de dentro de troncos, em pontos variados na rua. Todos eram altos e lindos, com seus olhos amarelos. Aproximaram-se de nós. Eram nove, no total.

“Esses são meus amigos e eu peço gentilmente que os defenda como se fossem seus filhos. Não eles, mas também sua morada.”

Gaion tinha em sua voz certo romantismo. Parecia agradar todos ali quando falava daquela forma serena. Os homens–árvores concordaram com a ordem de Gaion e andaram até a casa, circulando-a sendo que dois ficaram na frente, em seus pés saíram enormes raízes ao qual fincaram-se na calçada, e ele abriram os braços, esticando-os. Logo eram apenas árvores.

– A casa de vocês estará protegida, entrem e fiquem calmos para que não haja nenhum incidente. – disse Gaion, olhando para o céu novamente e logo depois três corvos surgiram, onde se empoleiraram nos fios de alta-tensão e ficaram nos observado – A qualquer movimento estranho devem me avisar... sabem o melhor o caminho para me encontrar. – ele olhou para mim agora – Devemos ser rápidos!

Eu disse sim em um gesto afirmativo com a cabeça e fui até Gaion.

– Kayo, eu tenho certeza de que fará o possível para buscar informações. Essa é a grande oportunidade que temos em nossas mãos, e não podemos desperdiçá-las. – disse Marcelo.

Eduardo veio até mim e me abraçou forte, me desejando boa sorte.

Gaion estendeu sua mão a mim e eu entreguei a minha a ele. Era áspera e fazia cócegas, eu soltei um leve sorriso. Ele na frente me guiou até a árvore que ele havia saído, ao olhar para trás vi que todos estavam ficando perplexos com alguma coisa, ao olhar para minha mão, esquerda, eu pude ver o que eles viam.

Começando da minha mão e ia subindo por todo o meu corpo, minha pele começou a ficar dura e quebradiça, meus dedos endureceram mais eu ainda os sentia com a mesma leveza de antes. Senti minhas pisadas com dificuldades apesar de caminhar ainda como se estivesse nas nuvens. Eu estava me tornando um homem – árvore, assim como Gaion.

Ele entrou então no grande tronco e eu o segui, ainda de mão dada a ele, lembro apenas de ter visto Eduardo ao longe, abraçando Sara, e então todos desapareceram.

Não era algo parecido como atravessar um portal, era mais estranho, pois o ar parecia ser sugado de todo o meu corpo, mas não demorou até que eu pude sentir que Gaion havia soltado de minha mão, e eu estava normal, de joelho na terra, vomitando.

– Não se preocupe, é uma transição muito difícil ao qual você passou nesse momento, mas essa sensação logo irá passar. – disse ele calmamente – Assim que se sentir melhor, nós poderemos continuar.

– Eu já estou melhor, nós já podemos continuar... – eu disse limpando a boca e ficando de pé. Eu estava com um calor tão pesado e sentia-o quente, no entanto minha pele estava fria.

Gaion pegou novamente em minha mão, pois disse ter medo de que eu o confundisse com as outras árvores e entrasse em desespero. Eu confesso que me pareceu uma ótima ideia, eu me senti mais seguro. O colar estava pesando cada vez mais, a tal ponto que eu tirei ele do pescoço e o coloquei no bolso da calça.

Andamos por mais algum tempo até que ao longe eu avistei um animalzinho que ia ganhando forma. Ao nos aproximar eu vi qual animal era. Um castor. O castor do velho tio Jô.

– Tio Jô está por aqui? Ele está bem? – eu perguntei a Gaion, aflito.

– Ele esta a nos esperar defronte ao local dito pelas fadas. Estamos mais perto, senhor Kayo. Estamos mais perto agora.

O castor ficou do meu lado e ora e outra me olhava com curiosidade. Caminhamos mais entre altíssimas árvores, desviando de troncos caídos no chão, e grandes arbustos. O castor sempre ia à frente para se certificar de que não havia inimigos que pudessem nos surpreender. Estava de noite, e como bem se sabe a maioria dos predadores saem à noite para caçar. Apesar disso, estava uma noite calma, e meu corpo já parecia estar à temperatura ambiente.

– É logo ali, senhor, naquela clareira. – disse ele. A essa altura o castor já estava lá, pois não o víamos mais.

Gaion enfim soltou de minha mão e foi à frente, pedindo para que eu ficasse ali.

– Venha! – disse ele indicando com a mão aonde eu deveria ir.

Lentamente fui dando passos largos até que passei por ele, passei um arbusto e me deparei com uma pequena clareira na floresta, não havia árvore alguma, de fato nem mesmo algo que indicasse que ali tinha vida. Nenhuma grama, nem mesmo mato. Era um local morto e parecia que algo de escuro rodeava ali. Era estranho, no entanto eu deveria continuar.

– Eu não irei entrar, pois é uma terra proibida para seres como eu. Faça o que tem que ser feito, senhor Kayo. A qualquer sinal de perigo eu estarei aqui.

Ali no centro havia uma coisa escura, e ao ir me aproximando dela, aquela coisa se mexeu, logo o castor surgiu por de trás. Era o velho tio Jô, que se virou a mim e com um largo sorriso me chamou para dar-lhe um abraço.