O Colar do Parvo

De volta para casa


– Até que enfim! – disse a mãe de Sara, que caiu de joelhos, de tão cansada que estava.

– Um bom sinal! – comentou Marcelo, ao passar por mim.

Será que aquilo tinha sido um sinal de que o colar havia confiado em mim? Ou será que tinha sido apenas eu, assim como aconteceu quando eu me encontrei com Ana Bela. Eram perguntas que eu sei que ficaram sem respostas, pois para Kauvirno e Marcelo eles iriam apenas querer saber se eu tinha feito o dever de casa.

– Você foi incrível! – disse Eduardo me abraçando.

– Obrigado. – eu disse, o abraçando com a mesma reciprocidade.

Caminhamos um pouco até que entramos pelo portão da mansão. Tudo estava com sempre foi. Uma noite de calor, mais gostosa, com uma leve brisa. As bóias na piscina pareciam dançar por conta dessa brisa. Ao longe eu vi duas figuras desesperadas surgindo. Eram meus pais.

Ao chegarem perto de mim eles me abraçaram tão forte, que eu quase fiquei sem ar. Como eu os amava, e muitos vezes eu imaginava que sem eles, eu até morreria. Depois de muitos beijos e abraços, foi a vez de minha tia Carol, de Camila e de Tereza. Depois veio Adrian que me deu um forte abraço, e pareceu ficar muito interessado em Sara. Nathan veio logo atrás e com um beijo tímido em meu rosto, e depois um abraço ele disse apenas um, Olá!

– Ficamos sabendo o que estava acontecendo em Assis, não se comenta outra coisa no rádio. Tentamos ir até lá, mas não conseguimos entrar. – disse meu pai.

– Compreensível. – disse Kauvirno – Vamos entrar... todos. Acho que merecemos um bom banho e uma sopa, se puder fazer aquela Carol, o tal do levanta defunto, seria ótimo.

– Mas é claro... vamos entrem todos.

Eduardo estava espantado com o tamanho da casa. De todos ali ele era o mais pobre, morava numa pequena casa e tinha problemas com mantimentos em casa. Ele não desgrudava de mim, da mesma maneira como Adrian pareceu não desgrudar de Sara, que por incrível que possa parecer, estava gostando de tanta bajulação.

– Quer um pedaço de pão? – disse ele na mesa.

– Obrigada, querido... estou de dieta.

– Mas é tão linda, porque faz dieta?

– Ah, obrigada pelo elogio.

Contudo Nathan também não tirava os olhos de mim, e sabia que tinha algo entre mim e o Eduardo, obviamente que eu não deixei transparecer nada. Todos ali sabiam que eu tinha um namorado. Bem, pelo menos meus pais, Tereza, minha tia, e os gêmeos não sabiam que eu tinha, beijado Eduardo. Estar naquela casa sem o Matheus era difícil.

– Mãe? Tem noticias do Matheus?

– Ah, meu filho, ele está bem. Parece que a doença da mãe dele amenizou, então está tudo mais calmo.

– Doença?

– Lógico meu filho... esqueceu que a mãe dele esta com enfisema pulmonar? E pior que ela não para de fumar, e parece que fuma cada vez mais. Bem pelo menos fazia... eu já não sei.

Que merda, então só poderia ser isso. Eu havia me esquecido completamente que a mãe de Matheus tinha graves problemas de saúde, tanto que há dois anos atrás, quando houve o incidente na delegacia, ele estava no hospital e havia comentado alguma coisa. Eu só não entedia o porque Matheus não havia sido claro comigo.

Terminamos a sopa e fomos todos tomar banho. Cada um tinha seu próprio quarto, e Eduardo ficou impressionado quando mostrei o quarto que ele iria ficar.

– É simplesmente lindo, quase do tamanho da minha casa. – disse ele rindo.

– É, Kauvirno é rico, e eu nem sei a origem de tanto dinheiro.

– Existem coisas que ás vezes é preferível não saber.

– É sim! – eu disse rindo.

– Nossa! Com tudo o que aconteceu, eu esqueci... eu preciso avisar meus pais que eu estou bem e aonde estou... será que Kauvirno tem um jeito de trazê-los para cá?

– Tem sim... depois eu falo com ele. Bem eu vou para o meu quarto e tomar um banho... tem roupas para dormir no armário e toalhas, fique a vontade.

– Valeu, e boa noite. – disse ele.

Ao sair do quarto, antes de fechar a porta, eu ainda pude ver ele tirando a camisa. Como ele era lindo.

– Espiando? – era Nathan.

– Não! E desde quando eu preciso fazer isso?

– Desculpa, eu fiz apenas uma brincadeira. Meu tio esta esperando você lá na sala de estar. Eu estou indo dormir...

– Obrigado, Nathan.

– Estou feliz em ver você de novo. – disse ele, pegando em minha nuca e me dando um singelo beijo na testa – Muito feliz.

Ele saiu e foi para o quarto enquanto eu descia até a sala de estar. Lá estava meu pai, minha mãe, minha tia, Tereza, Marcelo, Camila, e os pais de Sara e Eduardo. Senti indo para o abatedouro, pois eu sabia que agora viriam as perguntas.

– E então, filho? Conte-nos o que aconteceu lá? – perguntou Kauvirno.

– Foi, estranho... mas aconteceu tudo numa boa. Ah, e eu agradeço por me falarem como é que trás um morto a vida.

– Não tivemos tempo, eu não se você percebeu, mas nossos planos foram mudados.

– É eu percebi!

– Mas como foi, filho? – perguntou minha mãe.

– Ao chegar lá, eu não sabia o que fazer direito...

E eu fui explicando tudo o que tinha acontecido. Sobre eu ter deixado o colar no chão, sobre eu ter conseguido manter meus soldados mesmo sem o colar, sobre as dores que eu senti, sobre Ana Bela não saber que ainda tinha alma, sobre o perdão de Adamastor, sobre o fato de Ana Bela não ter traído ele.

– Não o traiu? – indagou-me minha tia.

– Ela foi forçada a se manter calada e a se casar com Assis, e como ela mesma disse, ele não era um santo.

– Isso é horrível.

– Sim tia, e pelo o que eu entendi ele sempre a perdoou, e no entanto, ele nunca se perdoou por deixar que isso tivesse acontecido. E nem mesmo ela, que se matou anos depois, sofrendo na própria angustia causada por não ter feito absolutamente nada.

– Podemos tirar alguma conclusão disso tudo? – perguntou o par de Mario.

– Talvez caro Joaquim, mas é cedo para declarar alguma coisa certa. O Kayo não teve nenhuma prova ainda de que isso que fizemos pudesse garantir que o colar libera-se todo o seu poder a ele, tanto para se defender contra Átimos quanto para saber onde estariam os outros dois artefatos. – disse Marcelo.

– E como não? E o fogo em Assis? – perguntou Kauvirno.

– Eu como um Elemental lhe garanto, que aquilo só revela que Kayo esta amadurecendo seus poderes.

– Bem, precisamos é saber como agir... e o que fazer. As coisas estão se perdendo. A cada nova pista, parece que mil perguntas se fazem, isso é horrível. – disse minha mãe.

– Bem, eu garanto que se nós vermos as coisas como realmente são, talvez cheguemos em algum acordo. – comentou Tereza.

– E o que sugere? – perguntou a mãe de Sara.

– Vejam, Kayo esta amadurecendo, e talvez a prova disso seja esse poder, ao qual o fogo mudou de cor. É um estagio muito avançado, eu creio, pelo menos em minha sã ignorância eu acredito que seja.

– Sim, Tereza. É preciso anos para que isso ocorra de forma tão espontânea. – concluiu Marcelo.

– Então, estamos todos tão preocupado se o colar aceitou ou não o ato de Kayo que estamos os esquecendo que ele esta evoluindo, e junto com ele, o próprio colar. Ambos precisam de confiança. E é uma coisa que Kayo perdeu. Você sempre achando que precisa do colar para tudo e no entanto não. Você manter seus soldados mesmo sem estar usando o colar é a prova disso. Você não pode esquecer que você é uma pessoa e o colar é outra. Ambos tem corações distintos, torne-o seu melhor amigo e quem sabe você poderá ganhar sua confiança.

– Mas Tereza, eu corri o risco de ter um escravo por ele... quer mais prova do que isso?

– Sim, e quem não garante que o colar já está retribuindo isso a você, só que você ainda não? Talvez o seu amadurecimento de hoje tenha sido causado por conta do colar. Kayo ele é um artefato mágico, no entanto o coração que a serpente segura foi realmente de um homem. Um homem puro, que foi traído, que achou ser traído por sua amada, e se culpou por não perdoar a si mesmo. Defeitos humanos, todos corremos o risco.

Eu estava tentando entender o que ela estava querendo dizer com aquilo, no entanto ao olhar em seus olhos, eu consigo compreender. Ela se referia a mim.

Ao ir me deitar, depois de um longo banho, abraçado ao travesseiro de Matheus que ainda tinha o seu doce cheiro, eu entendi então. Eu me sentia culpado por ter causado a morte de Junior e de outros naquele acidente, há dois anos atrás, no entanto não era minha culpa. Eu me sentia culpado pela morte de Aline, no entanto não era minha culpa. Eu me sentia culpado por carregar o maior artefato mágico do mundo em meu pescoço e não saber usá-lo, e me sentia culpado por saber que pessoas iriam morrer, e já morreram porque existem pessoas que estão atrás dele. Eu me sentia culpado por existir.

E talvez esse não era o propósito de tudo, talvez eu tinha que mudar. Não mudar como eu era, e sim a forma como eu pensava. Não é porque o colar me escolheu como guardião que eu iria sofrer, eu tinha que saber tirar proveito disso tudo e não temer, eu tinha que dar graças por ele ter me escolhido, pois se ele o fez, era porque ele já confiava em mim. Eu não podia ter medo em sentir culpa, assim como Adamastor se sentia, culpado por não conseguir se perdoar.

Logo eu adormeci e talvez eu nem tivesse dormido. Matheus navegava em meus sonhos, nele estamos juntos de mão dadas, nos beijando, nos abraçando, nos olhando ternamente. E lembro de ter chorado quando ele disse que me amava.

Ao acordar, eu senti falta daqueles belos olhos azuis, me olhando. Demorei um pouco para perceber que ele não iria entrar por aquela porta. Fui ao banheiro, escovei os dentes e desci para a cozinha, para tomar o café da manhã. Tudo estava calmo, como sempre era na mansão de Kauvirno. Depois do café, fui até a sala, ver TV, estava passando telejornal nesse momento. Sara e Adrian estavam sentados um do lado do outro, trocando caricias.

– Vejo que não perderam tempo. – eu disse, logo depois desejei um bom dia aos dois.

– É realmente, não devemos perder tempo, não é mesmo minha gatinha?

– Adrian, eu não vou ter um caso com você, esquece! – disse ela rindo.

Adrian começou a fazer cócegas em Sara, e ela não parava de rir. Logo chegou Nathan, Mario e Eduardo.

– Bom dia! – eu disse a todos, e eles responderam.

– Eduardo, falei com Kau ontem à noite... assim que eles chegarem iremos buscá-los, está bem?

– Beleza, Kayo.