O Colar do Parvo
A Anti-mágica
Por mais que eu não quisesse, algo tomava conta de mim. Eu bebia cada vez mais, e cheguei a passar mal inúmeras vezes, sempre voltando a beber.
Eu pedi para o Mario me ensinar a fumar. Depois de alguns engasgo eu já estava dominando a tal técnica. Eduardo estava muito preocupado comigo e insistia em perguntar o que estava havendo comigo. Eu não dizia absolutamente nada.
Sara por outro lado ficou o tempo todo do meu lado, não dizia nada, parecia entender alguma coisa. Eu pedi para o Eduardo ir buscar cigarros pra mim, Mario foi junto.
– O que esta havendo com você, Kayo? – perguntou ela.
– Dor!
– Aonde doe?
– Aqui! – eu disse, batendo com a mão no peito.
– Porque?
– Digamos que eu e o Matheus estamos meio que separados, e eu não consigo viver sem ele... já passei alguns dias longe dele, mas parece que é sem volta.
– Você não acha que sofrer por algo que apenas parece que vai ser sem volta, é muita perca de tempo? – disse ela – Sei lá, talvez se você viver cada dia sem se preocupar com o que possa acontecer, os dias passem mais rápidos, e quem sabe ele não volta?
– Eu não sei, Sara. Existem coisas, entende... coisas que eu não posso falar, coisas que estão prejudicando meu relacionamento com ele.
– Dê tempo ao tempo. Ele é o senhor da razão, tenha paciência!
Eu chorava e ela me abraçava. Jamais pensaria que eu pudesse ser reconfortado daquela maneira. Dentre outras coisas, eu sentia nojo de mim, por não contar a verdade sobre a Aline. Entretanto me veio à cabeça o que ela sabia sobre essa historia.
– O que houve com Aline? – eu perguntei.
– Eu não sei, ela simplesmente sumiu. Ela e os pais dela. Eles eram muito fechados e no entanto ninguém sabe dizer ao certo da onde eles eram. Nem mesmo eu como amiga dela, não sabia de absolutamente nada.
“Lembro-me apenas que foi uns dois caminhões há muito tempo, cerca de dois anos, e retirou tudo da casa dela. Depois a casa foi posta a venda.”
Tudo era ligado há dois anos. O meu sumiço e da minha família, da família de Matheus e da família de Aline. Era surpreendente como Tereza trabalhava bem. Seu poder de persuasão era incrível.
Uma garota sentou do meu lado e perguntou meu nome. Eu não lembro se ela disse qual era o nome dela, apenas que ela tinha dito que eu era muito bonito e que o amigo dela queria conversar. Eu disse que depois eu pensaria na possibilidade, já que estava bêbado e provavelmente eu iria vomitar novamente.
Eduardo e Mario chegaram discutindo.
– Você é um tonto, Mario. Um perfeito idiota! – dizia Eduardo, o encarado. Mario não estava nem dando atenção. Ele jogou o cigarro no meu colo e eu logo o abri e acendi um.
– Meninos se comportem! – disse Sara.
O Eduardo estava bravo porque o Mario havia me ensinado a fumar. No entanto quando eu mandei ele calar a boca e disse que a vida era minha, ele ficou completamente chateado, e foi se sentar com um outro grupo.
– Você gosta dele, não é? – eu perguntei para a Sara, olhando para o Eduardo, que fingia, do outro lado, que eu não estava ali.
– Até gosto, mas ele ta curtindo outra pessoa! – disse ela, me olhando, sem graça.
– Ele é um idiota em achar que eu quero alguma coisa com ele. Ele é lindo, tem um corpo perfeito... eu sei, eu vi ele só de samba canção hoje pela manhã... ou será ontem? Enfim... ele é um tonto de não ver você, como alguém especial.
– Eu já não o considero um tonto, e nem um idiota... – disse ela rindo – Eu tento estar presente como eu posso, infelizmente sou do tipo que se contenta com pouco.
– Ele sabe que você gosta dele?
– Não, eu nunca disse!
– Então você é outra idiota... tem que contar... tem que abrir seu coração... estou com enjôo de novo...
Mario estava catando um e hora catando outra, debaixo da arvore. O Eduardo veio até mim e pediu desculpa, ele disse apenas estar preocupado comigo.
– Duduzinho lindo, não seja tolo... eu não sou a pessoa certa para você se preocupar....
Sara ficou totalmente sem graça, quando eu olhei para ela, e ele fez a mesma coisa.
Os dois me ajudaram a se levantar, e no momento que eu acendi outro cigarro, ouvimos uma forte explosão. Nós todos olhamos para a direção do centro da cidade, onde um enorme cogumelo de fogo se formou acima dos telhados das casas.
– O que foi isso? – perguntou Mario, com as mãos na cabeça, em pânico.
– Algum armazém, ou deposito deve ter explodido. – comentou Eduardo.
O pessoal que estava na praça saiu correndo, provavelmente indo até o local do acidente. Foi quando ouvimos outra explosão, que fez tremer o chão da praça. Um dos bancos até trincou. Eu olhei novamente para o segundo cogumelo que se formou, completamente tonto por conta da bebida, e então veio outra, só que mais perto e do outro lado.
Eu, Eduardo, Mario e Sara nos viramos e então vimos três bolas de fogo cruzando o céu em nossa direção. O Eduardo gritou para termos cuidado que eram destroços. No entanto essa certeza logo se extinguiu.
As três bolas de fogo caíram bem na nossa frente, e quando o fogo apagou, tão rapidamente pousara, em meio a fumaça surgiu ela, sacudindo os braços para que a fumaça sumisse.
– Me tirem daqui, imediatamente! – eu sussurrei.
A mulher deu uma longa risada, enquanto das outras duas bolas surgiam dois grandes homens.
– Conseguimos! Nós conseguimos! CONSEGUIMOS! – dizia ela aos gritos, e então ela me fitou.
– Kayo Taurino? – disse ela, com uma voz esganiçada.
– Eu mandei me tiraram daqui, agora! – eu disse outra vez.
Senti as mãos de Eduardo, Sara e Mario em meu corpo e logo depois fomos transportados para uma casa. Estávamos no jardim da casa de Sara. Era grande, mas apenas com algumas mudas de rosas e uma grande árvore, muito volumosa.
– O que foi aquilo? – disse ela.
Eu sentei no chão com um forte enjoo.
– Soberanus! Eles são os Soberanus! – dizia Mario em pânico – Veja... veja!
Olhamos para o céu e vimos à lua, que estava cheia, ficar vermelha como o sangue.
– Quem era aquela mulher, Kayo? – perguntou-me Eduardo.
– Ela é Melissa, e eu preciso encontrar o Kau e o Marcelo, imediatamente.
Eles me ajudaram a se levantar. Eduardo tirou a camisa de frio que vestia e me deu para que eu limpasse a boca, enquanto ele tentava ligar no hotel, a procura de Kau ou Marcelo.
– Vamos entrar, já deve estar passando alguma coisa no rádio, ou na TV... eu não sei.
Sara era muito atenciosa, e via-se em seus olhos o desespero, mas ela tentava se manter forte, enquanto ouvíamos no radio o comunicado que Assis estava sendo dominada pelos Soberanus, e que quem ousasse a não aceitar, seria punido com a morte.
Eduardo conseguiu falar no hotel, quase uma hora e meia depois. Todos estavam desesperados, e ninguém estava andando pelas ruas, temendo morrer.
– E eles matam mesmo! -disse Mario – Eu espero que meus pais estejam bem... eles precisam estar bem...
– Não há motivo para pânico, Mario. – tentou Eduardo acalmá-lo.
– Minha família é jurada de morte pelos Soberanus, Eduardo... eles devem estar procurando por nós.
– Estão procurando por qualquer um, não se exalte. Estamos bem escondidos aqui. – disse Sara.
Estávamos no porão da casa de Sara, os pais dela estavam no shopping, e já tinha ligado, dizendo que estavam bem e que iriam até a casa da avó dela ver como ela estava.
– O que esta acontecendo? Como eles surgiram assim? – dizia Mario.
– Talvez o Kayo possa nos explicar alguma coisa! – disse Eduardo.
Havia chegado o momento então. O momento de eu ter que falar a verdade. Mas até que ponto eu poderia chegar? Eu estava com medo, e ainda me sentia mal por tudo o que estava acontecendo. Se já não bastasse o medo, eu estava com vergonha, pois senti que eles estavam a minha procura.
Comecei então a conta tudo desde o inicio. Sobre o acidente, sobre o nome na parede de meu quarto. Sobre o Colar do Parvo, sobre eu e Matheus. Sobre o sequestro dos pais dele. Sobre Os Vigilantes, sobre o Soberanus e que eles estavam voltando. Sobre Átimos, Étimos. Melissa, e por fim, sobre Leda. Quando percebi, eu tinha evitado falar sobre Aline, mas disse que ela tinha sido vista com nós e que estava sob proteção. Eu não acreditava que eu tinha mentido sobre isso.
– Eu não consigo acreditar... você bem que dizia ontem que tinha um segredo... mas isso? – indagava Eduardo.
– Calma gente, muita calma! –dizia Sara, enquanto Mario se desesperava dizendo que iria morrer.
Digamos que o efeito da bebida passou, quando ouvimos sons vindos da rua de risadas e pequenas explosões.
– São eles! – disse Mario.
Eduardo foi até e o chacoalhou, pedindo para se calar.
– Fiquem quietos, agora! – eu disse.
Nós quatro ficamos ali, parados um tempo, apenas tentando ouvir o que estava acontecendo do lado de fora.
– Ele deve estar em qualquer lugar! – disse uma voz feminina, desgrenhada. Era Melissa.
– Como deixou ele fugir? Você sempre deixa eles fugirem. – disse um homem.
– Como deixá-lo fugir? Eu nem mesmo sabia que ele estava aqui!
– Antonius! – eu sussurrei.
– Quem é esse? – me perguntou Eduardo entre os dentes.
– Irmão de Melissa!
– Vamos, vasculhem em todos os lados, não deixe de entrar em nenhuma casa. Todas já estão com anti mágica, ninguém sairá delas se não passarem por nós.
– Estão ouvindo? Seus bruxos medrosos. Ninguém sairá da famosa Assis sem antes não passar por nós. - dizia Melissa ao berros e irônica – Ou por mim? O que será muito mais difícil de acontecer. – concluiu ela, dando aquelas gargalhadas.
– O que faremos agora? Como iremos sair daqui? – perguntou Sara. Mario estava calado.
O Colar estava quase arrancando minha cabeça do corpo de tão pesado que estava. Tive a sensação que ele fosse pegar fogo, comigo o vestindo.
– Vamos lá fora! – eu disse.
– Está louco? – disse Eduardo – Lançaram anti mágica nas casas...
– Nas casas, não nas ruas. Eu sei o que eu estou dizendo... Vamos.
O difícil não foi sair da casa e sim convencer Mario, que tremia de medo. Seria inevitável que tanto Antonius quanto Melissa nos visse. Deveríamos ser cuidadosos.
Chegamos ao jardim da casa de Sara, e fomos para trás da árvore, precisamos chegar na rua para que o transporte funcionasse. Eu pedi que todos dessem as mãos, e os guiei cuidadosamente até o portão branco da casa dela. Ali, eu olhei com o máximo de cautela possível para ver onde eles estariam.
– Eu sinto o cheiro daquele moleque! – disse Melissa.
– Então faça algo de útil... invadir Assis e ainda por cima levar o Guardião do Colar do Parvo para o senhor Átimos... ganharíamos respeito. – disse Antonius.
Eles estavam quase na esquina, quando eu sussurrei que iríamos para a rua, ali eu os levaria para um lugar seguro, longe de Assis. Dei os primeiros passos, e Mario, por algum motivo se recusou a sair, apertando com força a mão de Sara.
– Vamos, Mario! – disse Eduardo.
– Eu não posso... eles vão me ver...
– Eles estão procurando a mim, e não a você. Eu sou o Guardião do Colar do Parvo, não você... vamos!
Com a recusa de Mario, Eduardo acabou soltando da minha mão e puxando o garoto com força. Mario era mirrado, já Eduardo tinha um corpo de atleta. Quando Mario caiu no chão Melissa se virou do outro lado, e mais uma vez nossos olhares se cruzaram. Tão rápido ela sacudiu sua varinha, eu puxara Sara e Eduardo, e nos jogamos em cima de Mario, sumindo dali.
Aparecemos no meio da floresta, com um forte impacto que nos jogou para trás.
– Estão todos bem? – eu perguntei, me levantando. Sara estava caída no meu lado.
– Sim! Mas acho que eu bati com a cabeça. – disse ela.
– Mario? Eduardo? – eu perguntei.
– Estamos bem! – disse Eduardo, ajudando Mario a se levantar.
A floresta era densa, jamais tinha visto ela em qualquer lugar. O que era estranho, porque o colar só me levava a lugares que eu conhecia.
– Aonde é aqui?
– É a floresta que protege a cidade, não é? – indagou Sara.
– Eu acho que sim...
– Porque será que paramos aqui? E ainda mais dessa forma? – eu perguntei.
– A Anti-Mágica. Eles devem ter lançado em todos os lugares para ninguém sair da cidade. Nesse feitiço só as ruas ficam seguras, pois são ligações a outros lugares. Mas o que o cerca fica protegido. – comentou Eduardo – eu acredito que já devam estar buscando uma maneira de acabar com ela.
– Mas a cidade já não tinha proteção?
– Tinha Sara, alias aprendemos isso na escola, mas eu acho que eles descobriram como burlá-la. – comentou Eduardo.
Os dois caminharam mais a frente e verificaram que existia uma espécie de escudo invisível que não permitia ninguém passar. Eu fui até Mario perguntar como ele estava.
– Desculpa, mas eu tenho medo deles... ouvia historias sobre eles... minha família veio para Assis para se esconder deles... desculpa...
– Não se preocupe com isso! – eu disse dando-lhe um abraço – Nós precisamos saber como faremos para sair daqui... eu preciso falar com Kau e Marcelo.
– Bem, eu não faço idéia de a quanto tempo estamos da cidade, e provavelmente o celular não vai funcionar aqui. – disse Eduardo.
Sara constatou que o celular estava sem sinal. Mario parecia envergonhado, logo estava apenas calado.
Eu criei um Soldado Elemental do Fogo, já que era o que eu mais dominava, e ordenei a ele que fosse até o escudo e tentasse destruir. Ele esmurrava cada vez com mais força, e a cada murro um barulho parecido com o de aço batendo um no outro, cada vez mais alto pela força que o soldado lançava.
– Não tem como! – eu disse.
O soldado então se aproximou de mim e eu pedi a ele que fosse para cima das copas das árvores e tentasse ver onde estava a cidade. Ele apontou indicando a direção, então eu pedi a ele que fosse até a cidade e buscasse por Kauvirno.
– Mas ele conhece, Kauvirno? – perguntou Eduardo.
– Esse soldado que eu conjurei é conhecido por Kau. Os bruxos elementais, conseguem manipular com mais força os elementos, e cada soldado conjurado é único. O meu, quando não esta com raiva, é até engraçado, sempre brinca e pula e apesar de não falar ás vezes eu entendo o que ele quer dizer. O de Kauvirno é bailarino. – eu disse rindo.
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