O Anjo Perdido

Capítulo 11. A Fúria de Samael


Capítulo 11 – A fúria de Samael

O Vale dos Caídos estava agitado. O fogo que havia no local queimava a todo vapor. Diversas almas condenadas estavam presas umas às outras. E Lúcifer esperava, em uma postura rígida, aquela que considerava seu braço direito, com o grande portal negro totalmente aberto.

– De onde você vem? – perguntou, com aspereza na voz, ao vê-la entrar na morada. – Azaradel me contou que foi ao Reino de meu Pai. Isso é verdade?

– Feche o portal primeiro, por favor. Conversaremos depois – disse, enquanto que, de pé, buscava abrigo perto do fogo.

– E se eu não quiser...

– Você é que sabe – interrompeu-o. Inúmeros anjos desrespeitavam as Leis Divinas. Eles vinham à procura dela. O Primogênito, então, foi tomado de um acesso incontrolável de fúria. Com apenas um golpe de faca destroçou todos os que queriam entrar no sombrio abismo.

– Você os trouxe aqui? – perguntou a ela, enquanto fechava a única ligação que o Vale tinha com os outros lugares.

– Não – respondeu, sem ânimo para lhe explicar o porquê..

– Mas por que pretendiam adentrar nossa morada, se só podem fazê-lo na companhia de um arcanjo?

– Porque peguei a espada de Castiel; eles, porém, a querem de volta – explicou.

– Então a entregue aos rebeldes. Vá até lá de novo e o faça.

– Isso é uma ordem? – questionou, olhando-o nos olhos.

– É.

– Não a cumprirei – sentenciou, enquanto sentava no chão lamacento.

– O quê! Por que não a cumprirá? – aquela conversa o irritava demais.

– Porque não devo nada a você. Somos iguais em poder aqui dentro, e nunca tomei outra atitude que não fosse zelar por seu trono maldito.

– E agora, que é que pretende fazer? Aventurar-se na Terra com um anjo qualquer? A que preço? Quer lhe dar um filho? Deseja fazer o que jamais proporcionou a mim? Por que...

– Idiota! De onde tirou que não quero mais viver com você?

– Não tirei, sinto. Suas atitudes para comigo são frias e vazias – murmurou, em uma tentativa de manter a calma necessária.

– Ora, me poupe, Samael. Tento, com isso tudo, proteger seu trono. Quero cuidar de você. Por isso sugeri que se continuasse longe desse lugar. E agora, para minha surpresa, está de volta!

– Quero ajudar você a descobrir o que há de tão grave assim. Sinto que há algo estranho por aqui.

– Mas não vai me auxiliar porque Castiel está comigo, não é?

– Claro que vou! Se ele passar para o nosso lado...

– Mas que droga, Lúcifer Estrela da Manhã – ela pôs-se de pé e o fuzilou com um olhar agressivo. – Será que não entende que o anjo não pertence a ninguém, a não ser a Deus?

– Ah sim... Entendo... – ele fez uma pausa e sorriu. – E você, pertence a quem?

– Como assim? Por que pergunta isso agora?

– A questão é simples... A resposta, objetiva... A quem pertence, mulher?

– A minha liberdade, que no momento dedico a você. Quero servir aqui, sempre quis isso desde o início... Não compreendo por que põe essa questão em dúvida agora.

– Porque Azaradel...

– Esqueça esse anjo linguarudo e desgraçado. Escute, Samael, mantenha-se calmo, peço. As coisas não estão fáceis nem para mim...

– Mas gosta de ajudar aquele anjo, não é? – interrompeu-a.

– Sim – falou, incapaz de mentir.

– E foi ao Reino de meu Pai para buscar a espada de Castiel, mesmo que saiba que não pode entrar lá. É proibido que machuque um anjo dEle. Por um acaso percebe em qual problema nos colocou agora?

– E quem disse que usei de violência contra algum ser angelical que vive no mundo celestial?

– Você... Não... Os feriu? – Lúcifer se mostrava incrédulo com o fato de que não fora derramado sangue divino.

– Não. Minha missão não era essa.

– Não creio... Realmente não acredito no que acabei de escutar...

Várias eram as almas que se aglomeravam para assistir a intensa discussão entre os dois maiores comandantes do local sombrio, o que muito irritou o Primogênito. Ele desembainhou a espada e partiu com toda ira para cima dos humanos condenados. Ela, entretanto, conseguiu detê-lo a tempo de evitar uma tragédia.

– Ficou maluco! – bradou. – Eles não têm culpa do que ocorre...

– Só falta agora você me dizer que essas coisas são criaturas divinas... – comentou, os olhos azuis transmitiam raiva.

– O que seriam senão isso?

– Seres podres! Até mais cruéis do que todos nós juntos! E Deus sempre encontra um lugar melhor para eles quando se arrependem. Ora, maldito seja... Eu estou aqui a vagar nessa droga há muito tempo e já cansei de me arrepender de tudo que fiz. Meu Pai jamais viria nos buscar!

– Talvez haja um motivo para...

– Não prossiga – Lúcifer colocou a mão em frente à boca da demônia, para que não dissesse o que pretendia. Ele a segurava com violência, enquanto dizia:

– Volte para o seu mais novo anjo. Um dia ele também sentirá o que sinto.

– Quer parar com isso – comentou, esquivando-se de Samael. – Eu...

– Cale a boca! Não retorne mais ao Vale! Nunca mais quero vê-la aqui! – Ele abriu o portal obscuro, no exato instante em que Belzebu chegava, e arremessou a demônia com toda força e fúria, em direção a órbita terrestre. A garota só teve tempo de segurar firme a espada de Castiel, a fim de que esta não se perdesse durante a queda.

– O que fez, Mestre? – perguntou, indignado, o General.

– Só a tratei como gosta. Em breve ela voltará, não se preocupe, eu garanto! Até porque,sei queela não tem para onde ir senão regressar para cá – explicou, enquanto tornava a fechar a entrada principal.

– Acha mesmo? – questionou, desdenhando da abrupta atitude tomada pelo Primogênito. – Crê realmente que alguém goste de ser tratado assim, Príncipe das trevas? O senhor gostaria que eu fizesse algo semelhante? – Belzebu o segurou com força pelas asas e passou a reabrir o portal. – E então, gostaria?

– Largue-me! Pare com isso, seu idiota!

– Então procure não tratar mal a única criatura que está ao seu lado, porque nem mesmo eu agüento mais as ordens descabidas, o jeito egocêntrico e a maneira ridícula de levar nossa existência em frente. Está demais até para um anjo caído, Mestre. Com todo respeito que me cabe, o senhor põe fora alguém que ainda o estima muito. E alguém que é muito justa, acima de tudo. E espero que não pense que nós temos alguma relação, porque ela jamais se permitiu deitar com outro senão o senhor, Samael Estrela da Manhã. Ponha juízo nessa cabeça seqüelada, Primogênito! Faça a coisa certa: vá atrás dela quando estiver mais centrado, mesmo que a Chefe esteja junto a Castiel. Demonstre, por um momento sequer, que está com ela, não com seu orgulho mesquinho e patético!

Lúcifer não permitiria, em outros tempos, que alguém lhe falasse aquilo tudo em um tom tão incisivo como o que o General do abismo empregava. Mas Samael sabia que ele tinha razão. A mulher de negro foi quem suportou, por inúmeras gerações, seu gênio intragável sem sequer reclamar. A moça apenas queria estar ao lado dele. E agora Samael a perdia para si mesmo, para seu orgulho malévolo.

Ainda transtornado, ele desvencilhou-se de Belzebu, que continuava a segurá-lo, e falou ao General:

– É, você está certo. Devo me recuperar; mas há como?

– Sempre há, desde que procure não agir com tamanha irresponsabilidade. Você a expulsou do local que considera como sua casa; e agora, Mestre, sugiro que pense bastante antes de ir dizer-lhe algo.

Samael estava visivelmente amargurado consigo por sempre ter a mesma atitude infantil quando a via. Mas agora ele se controlaria mais antes de ir dialogar com sua amada.

– Para começo de conversa – ele prosseguiu. – Não seja tão criança quando o assunto for o anjo. Ela quer ajudá-lo, e necessita do seu apoio emocional, Mestre; a Chefe não pretende que você saia para lutar contra os desertores também, mas ao menos o mínimo de consideração de sua parte seria bom, sendo que um dos objetivos primordiais é defender seu trono de Abdiel.

Belzebu estava certo. Agora mais calmo, Lúcifer pediu desculpas aos humanos que se amontoavam próximos a ele – pois em Samael ainda ardia a luz do Todo-Poderoso, mesmo que o Primogênito, por uma obscura escolha, não a sentisse por completo.

O Príncipe caminhava, cabisbaixo, aos seus aposentos, seguido pelo General, que continuaria a esclarecer-lhe os fatos ocorridos, e tudo quanto sabia a respeito do que estaria por vir.