Ilha Grande, 2009

Davi emergiu da água após o seu mergulho espontâneo. Tinha deixado as suas coisas com Matias, que ainda tinha esperança em apanhar peixe para o jantar.

Vander cochilava e Danilo aborrecia de morte com a sua conversa uma garota que tinha tido o azar de passar demasiado perto dele.

Voltando para junto deles, Davi pegou na toalha, abriu a sua mochila e procurou o seu celular:

– Droga, sem bateria. Como é possível? Vander, cê teve de novo jogando no meu celular?- perguntou ele, dando um pequeno chute no amigo, que acordou.

– Foi mal cara.- respondeu-lhe laconicamente o amigo.

Um pressentimento mau não deixava que Davi sossegasse:

– Matias, me empresta o seu celular.

O primo lhe entregou o aparelho que o bom moço prontamente utilizou:

– Droga, tem um monte de chamadas perdidas da Danusa.- reparou ele.

Davi tentou em vão ligar para a prima, mas a falta de rede não permitia completar a chamada.

– Gente, tem qualquer coisa de errado. Vou voltar para o acampamento agora.- decidiu ele na hora.

Os restantes protestaram, mas Davi nem esperou por eles. Se vestindo rapidamente, pegou na mochila e estugou o passo, respirando fundo para tentar conter o aperto que se formava no seu peito.

Quando chegou no local do acampamento não demorou muito para perceber que se tinha passado algo de grave.

A prima correu para ele, tentando explicar de uma forma assertiva o desaparecimento de Megan. Danusa ainda tinha tentado procurá-la nas imediações, mas nem sinal dela.

No horizonte o sol se punha, anunciando o fim de mais um dia. Davi não quis esperar mais e se preparou para partir à procura de Megan, deixando instruções a Danusa para ela repassar aos outros.

Luene ainda se tentou explicar com ele, mas Davi nem ouvia:

– Me larga Luene. Se você quer ser útil, vai procurar a Megan também.

A funkeira acabou por partir numa direcção e Davi na direcção oposta.

Com a escuridão instalada, tornava-se difícil a Davi ver muito mais do que alguns palmos à sua frente. Sem saber quanto tempo ela levava de avanço e a direção que ela tinha tomado, encontrar a sua bad girl seria como procurar uma agulha num palheiro.

O próprio Davi, que normalmente mantinha a cabeça fria em qualquer circunstância, começava também a ficar desorientado. Começando a perder a noção de tempo e de espaço, sentia a aflição de alguém preso num labirinto, sem saber se existe saída.

Não sendo particularmente religioso, Davi rezou a todos os santos de que se lembrava, pedindo que Megan, estivesse onde estivesse, se encontrasse bem e longe de perigo.

Ele estava muito longe de saber o que ela estava a passar naquele momento.

Vendo uma fogueira ao longe, apressou-se na direcção do fogo. Quando lá chegou deu de caras com dois jovens que terminavam o seu jantar.

– Desculpa incomodar. Eu tou procurando uma garota de cabelo comprido loiro dessa altura.- disse Davi, fazendo com a mão o gesto correspondente.

– A gente não viu ninguém.- respondeu um dos jovens, um trombudo que mal tinha tirado os olhos do celular.

– Bóris, isso não é verdade. A gente viu sim, há algumas horas, uma garota com essa descrição, acompanhada de um garoto, passando por aqui.- respondeu o outro jovem a Davi.

– Você viu em que direcção eles foram?- perguntou o jovem Marra, com o coração quase a sair pela boca.

– Cê tá bem?- preocupou-se o simpático jovem com Davi.

– Tou sim. Você pode me dizer por favor para onde eles foram? - implorou Davi.

– Claro cara! Deixa que eu vou com você.- respondeu-lhe o jovem.

No caminho o jovem aproveitou para se apresentar:

– Eu sou o Ernesto. Ernesto Avelar.

– Tá Ernesto. Eu sou o Davi Reis.

Conhecedor exímio de tudo quanto estava ligado a tecnologia, Ernesto tinha reconhecido Davi, da mesma forma que tinha reconhecido Megan horas antes.

Contudo, ao contrário de Alex, não era por interesse que estava a agir, mas sim por se ter sinceramente preocupado com a aflição de Davi em achar Megan o quanto antes e porque, por ser um grande admirador da princesa Shelda, queria valer no que pudesse à sua filha.

Davi praticamente obrigou Ernesto a correr. A angústia que sentia só crescia. Ele nunca tinha tido tanto medo na vida como teve naquele momento.

Quando finalmente alcançaram o local onde Megan se encontrava com Alex, Davi visualizou o seu pior pesadelo.

O sacana tentava agarrar Megan, que chorava por não conseguir fugir dele.

– Larga ela!- berrou Davi a plenos pulmões.

Não haveria lugar a uma repetição do aviso. Davi afastou Megan de Alex e se lançou sobre ele sem conter a sua raiva. Já não era o bom moço quem estava ali. Era um bicho, um animal com instintos de defesa descontrolados.

Sem medir a sua força, o nerd socava incessantemente o biltre de falas mansas. A continuar naquele ritmo, em breve Alex não teria um único osso intato no corpo. Não que ele tivesse sequer capacidade de se tentar defender da fúria desmedida de Davi, que queria desmembrar aquele canalha até à última molécula.

Evitando uma tragédia, Ernesto só conseguiu segurar Davi quando ele se apercebeu dos gritos excruciantes de Megan.

Soltando-se, Davi se aproximou de um modo cambaleante de Megan, com os nós dos dedos dele a escorrerem sangue e lágrimas silenciosas a caírem da sua face.

Ele tocou com a ponta dos seus dedos na face dela e perguntou desesperado:

– Megan… pelo amor de Deus me diz… ele fez alguma coisa com você?

Ela abanou a cabeça negativamente e abraçou Davi com a pouca força que ainda tinha. Ele fechou o abraço e, encostando a testa na dela, permitiu que as lágrimas dela se fundissem com as suas.

– Desculpa, mas… vocês querem que eu chame a polícia?- perguntou Ernesto.

No, Davi. Please, no Police.- pediu Megan, debilmente, escondendo a cara no peito do nerd.

Ele percebeu. Envolver a polícia seria ter que lidar com um escândalo público que Megan seria obrigada a reviver inúmeras vezes. Porém, não podia deixar de fazer alguma coisa.

Davi pousou Megan com cuidado e revolveu as coisas de Alex até achar a sua carteira de identidade. Brandindo o documento, aproximou-se do meliante dizendo, com os olhos injectados de sangue:

– Escuta aqui seu filho da mãe: se você tentar sequer tentar tocar de novo num fio de cabelo da Megan ou tentar aprontar alguma com esta história eu te mato, você pode ter certeza disso. Você agora vai voltar para o esgoto e se um dia tentar sair de lá, saiba que eu vou te desfazer.

Semi-consciente e com boa parte dos dentes partidos, Alex abanou afirmativamente a cabeça em sinal de compreensão.

Davi pediu igualmente discrição da parte de Ernesto, prometendo recompensá-lo futuramente. O jovem empresário isentou Davi de qualquer gratificação que ele achasse que lhe devia. O sócio de Bóris era afinal uma boa alma, ainda que com uma grande propensão para se meter em alhadas.

– Espero que a gente se volte a ver noutras circunstâncias.- disse Ernesto, estendendo a mão para Davi.

– Também espero que sim. – disse Davi, retribuindo o aperto de mão.

Megan, que tinha atirado o celular de Alex na fogueira, estava calada. Davi pegou nela ao colo, notando que ela não pesava mais do que uma pluma. Que hipótese é que ela teria de se defender se ele não tivesse chegado… não, ele não queria nem pensar nisso.

O clima no acampamento era de consternação. Clint, que não tinha sido avisado de nada, tinha ficado no hospital com Mosca, que tinha afinal uma virose grave.

O desaparecimento de Megan tinha deixado os jovens feito baratas tontas, sem que ninguém tivesse tomado uma decisão pragmática. Eram um bando de adolescentes afinal.

Mesmo Luene se tinha ficado a sentir culpada e pedia aos seus santos que não tivesse acontecido nada de mal a Megan.

Quando Davi chegou com Megan no braços não teve outro remédio que não fosse abrir caminho silenciosamente entre os amigos e levá-la para a tenda dela. Aquela não era a hora de dar explicações para ninguém.

Megan deixou que Davi lhe desse um copo de água e a metesse dentro do saco-cama, quando ele lhe perguntou:

– Você quer que eu ligue para a sua mãe? Quer que eu chame alguém pra nos vir buscar?

– Não tem ninguém em casa.- disse ela, com os olhos postos no infinito.

– Tá. Então agora você dorme e a gente vê o que vai fazer pela manhã.- disse ele, fazendo um carinho nas maçãs do rosto dela.

Davi fez tenção de se levantar, mas Megan segurou no braço dele, olhando-o directamente no olhos:

–Fica comigo. Please.- pediu ela.- Eu me sinto segura com você.

Davi deitou ao lado dela e ficou fazendo cafuné nos seus cabelos durante horas, até Megan finalmente adormecer. Quando sentiu que a respiração dela já indicava sono profundo, Davi começou a chorar compulsivamente.