Ilha Grande, 2009

Faltava pouco para o pôr do sol quando o grupo finalmente chegou ao destino. Aquilo que era suposto ser uma semana de diversão entre os jovens já tinha começado mal.

O atraso de Luene, a necessidade de Mosca ir no banheiro de 10 em 10 minutos, um pneu furado e o enjoo de Danilo no barco tinham feito com que uma viagem relativamente curta e inócua se tornasse numa interminável viagem dos infernos.

Agora, tinham finalmente chegado ao local onde pretendiam acampar. Carregando equipamento de camping, Clint avançou na frente do grupo, dando indicações de como se deveriam organizar.

Danilo passou o braço pelos ombros de Megan, perguntando:

– Priminha, me lembra de novo porque é que a gente precisa de babá?

Retirando o braço dele de cima dela, ela respondeu:

– Danildo, eu não sei porque é que “a gente” precisa de uma babysitter, mas sei porque é que você precisa de uma.

Clint achou piada à conversa dos dois, mas tinha de ser prático:

Guys, daqui a pouco escurece. Vamos please montar as tendas, ok?

Como única figura de autoridade, Clint se tinha voluntariado para acompanhar Davi, Megan, seus primos e os amigos e vizinhos do nerd da Gambiarra numas férias organizadas pelo jovem Marra.

Clint continuava a ser um eterno optimista se achava que tudo decorreria sobre rodas. As reclamações não tardariam.

– Qual é camarada? Teu velho é multimilionário e cê traz a gente pra esse fim de mundo. Cadê o jatinho pras Maldivas?- criticava Vander, sentado no chão com uma cerveja na mão.

Davi já não tinha muita paciência. Revirou os olhos, encolheu os ombros e olhou para Megan, que lhe respondeu com um “leave it” mudo.

Mosca estava da cor de um limão maduro.

– Oi? Você se sente bem?- perguntava-lhe Danusa.

– É, Mosca. Cê tem a certeza que não comeu nada estragado?- preocupou-se Matias.

Mosca nem lhes respondeu porque saiu disparado para despejar o conteúdo do estômago, sendo seguido por uma preocupada Danusa.

Davi tinha acabado de montar a tenda de Megan e estava concentrado em montar a sua, quando Luene se pendurou no pescoço dele:

– Ué campeão. Tou amando esse teu jeito de macho rústico.- disse ela.

– Luene, menos.- pediu ele, tentando sem sucesso tirar as mãos dela de cima dele.

So Luene, você não vai montar a sua tenda?- perguntou Megan, que se tinha aproximado deles num piscar de olhos.

– Qual é? Eu não trouxe tenda.- respondeu-lhe Luene.

Oh poor thing… você vai dormir like ao relento, é?- ironizou a americana.

– Claro que não. Eu vou dormir com o meu campeão. Assim como assim, ele já tá habituado.- respondeu Luene, com um sorriso de orelha a orelha.

What??!!!!– Megan praticamente berrou.

– Eu estou dizendo que já não é a primeira vez que durmo com o Davi. Mas você não percebe português?- perguntou a brasileira.

Se Mosca estava amarelo, Megan ficou branco-cal. Taramuteando algo que os outro dois não compreenderam, Megan lhes deu as costas e avançou na direcção oposta.

Davi fez tenção de ir atrás dela, mas Luene lhe segurou no braço:

– Qual é campeão?- perguntou ela.

– Luene, a gente não tem nada um com o outro. O que aconteceu, aconteceu no calor do momento. Foi você quem forçou e foi você a dizer que não era nada sério.- disse Davi de um modo ríspido.

– E o que é que essa garota tem a ver com isso? Tá, tudo bem que ela é tua irmã…

– A Megan não é minha irmã.- irritou-se Davi.

– Ué, se ela não é tua irmã, o que é que ela é tua?- perguntou a funkeira.

Davi ficou sem saber o que responde

Clint já estava a chamar todos para jantar. Os adolescentes esfomeados se aproximaram, exceto Davi que tinha perdido o apetite e Megan que se tinha fechado na tenda.

– Megan, você não vem jantar? – perguntou-lhe Danilo, que se tinha pespegado na frente da tenda dela.

I´m not hungry.- respondeu-lhe ela, sem abrir a tenda.

– Você tem certeza que não quer nada?- insistiu o primo.

Only que me deixem em paz!- berrou a loira.

Mais tarde, Clint fez uma nova tentativa:

– Megan, vou deixar uma sandwich na frente da sua tenda. Quando quiser pode pegar.

A noite acabou cedo e o clima era pesado. Vander ainda quis arriscar começar a contar história de fantasmas à volta da fogueira, mas , atendendo à cara de Davi, teve medo que ele lhe vazasse uma vista.

O dia seguinte não começou de melhor modo.

Como Mosca tinha passado mal durante a noite, Clint optou por levá-lo a um hospital para ver o que se passava. O escocês deixou Davi no comando, recomendando que ele lhe ligasse se precisasse de algo.

Megan saiu da sua reclusão a tempo do almoço, evitando a todo o custo contato visual com Davi e com Luene.

O nerd, que tinha dormido muito mal, tentou falar com a sua bad girl:

– Megan, tá tudo bem entre a gente? Eu só queria dizer que….

– Você não me deve explicação nenhuma, Davi. É a sua vida, right?

Depois do almoço, Matias sugeriu irem pescar. Os garotos gostaram da ideia, mas as garotas rejeitaram-na liminarmente, preferindo ficar no acampamento.

Antes de partirem, Davi pediu a Danusa:

– Toma conta da Megan, por favor. E se precisar de alguma coisa me liga logo, tá?

– Claro. Você pode estar descansado. E vê se você se diverte um pouco, tá?- respondeu-lhe a prima.

O convívio pacífico na acampamento não durou mais do que duas horas.

Luene tinha ligado o rádio e fazia uma das suas danças sensualizadas, quando se apercebeu que Megan murmurava algo sobre ela.

– Ué gringa. Que é que você quer comigo?- perguntou directamente a Megan.

Nothing, you little slut.- respondeu-lhe ironicamente a Marra-Girl.

– Ela tá me sacaneando, não tá?- perguntou Luene a Danusa.

Not my fault if you can't even understand your mother tongue, but your stupidity is universal, right?- continuou Megan.

– O que é que ela tá dizendo?- irritou-se Luene, ao perceber que Megan a estava a ofender.

– Nada, a Megan não tá dizendo nada de mais.- disse Danusa, tentando em vão evitar uma explosão.

Foi mesmo em vão porque Luene tinha atingido o seu ponto de fusão.

– Oh pirralha importada! Você vai conhecer o que é uma mulher de verdade ou eu não me chame Luene Michelle Almeida! – disse Luene, tirando os brincos e atacando fisicamente Megan.

Danusa fez o seu melhor, mas não conseguiu apartar a luta. Naquele momento Megan se arrependeu de ter disso não às aulas de auto-defesa que Jonas lhe havia proposto tomar. Luene lutava sujo e não só a nível de luta física:

– Oh sua lapa! Sempre em cima do próprio irmão! Você não tem vergonha?- dizia a brasileira, enquando puxava os cabelos de Megan.

You bitch!- revidava a americana, tentando dar uns tapas em Luene.

Danusa pulou nas costas de Luene, conseguindo momentaneamente soltar Megan.

Desgrenhada, a loira se levantou e largou a correr, antes que alguém a apanhasse. Pela primeira vez em muito tempo, queria estar sozinha.

Só quando sentiu que estava suficientemente longe é que Megan parou e olhou em volta.A beleza do local em que se encontrava contrastava com o seu estado interno.

Ouvindo um ruído de folhagem revolvida ela voltou a cabeça. Na sua frente surgiu um garoto que tinha provavelmente a mesma idade de Davi.

Alto e moreno, ele se aproximou dela abrindo um sorriso:

– Mas o que é que uma menina tão bonita tá fazendo aqui, chorando?

Nothing, me perdi. – disse ela, engolindo as lágrimas.

– Você quer ajuda?- ofereceu-se ele.

Ok. Eu sou a Margarete.- se apresentou Megan, usando o seu velho pseudónimo.

– Margarete,é? Eu sou o Alexandre, mas todo o mundo me chama de Alex.

Era claro que ele tinha reconhecido a filha de Jonas Marra. E que, como tal, já pensava de que forma poderia tirar vantagem da situação.

Como uma hiena se aproxima de uma gazela, Alex aproximou-se de Megan, lhe oferecendo um lenço para secar as lágrimas:

– Você quer ajuda para voltar para o sítio de onde veio?- perguntou ele.

No, eu vou ficar aqui um pouco.

– Está escurecendo daqui a pouco. Não é uma boa ideia você ficar aqui sozinha. Vem comigo.- ofereceu ele.

O que ela se iria arrepender de ter aceitado a oferta do demónio.

A tenda de Alex ficava num local afastado. Para lá chegarem caminharam bastante e passaram por muito poucos campistas.

Apenas dois amigos estavam acampados naquela zona. Ernesto e Bóris eram sócios-recentes e o primeiro tinha, com dificuldade, convencido o segundo a acampar em Ilha Grande como um exercício de team bilding. Mais uma das suas ideias mirambolantes.

– Caramba Ernesto, a gente não podia ter ido para um sítio com melhor cobertura de celular?- queixava-se Bóris, concentrado no ecrã do celular.

Ernesto já nem o ouvia. Tinha reparado no casal de adolescentes que tinha passado perto da tenda dele:

– Que estranho. Aquela parece….será? Não pode ser, porque é que ela estaria aqui?

Quando Megan e Alex finalmente chegaram à tenda dele, ele foi buscar duas garrafas de vodka:

– Você não me quer contar os seus problemas, princesa?- disse, abrindo a primeira garrafa.

Not really. – respondeu ela.

Enrolando um cigarro de maconha, Alex o ofereceu a Megan:

No, thanks.- disse ela.

Ele acendeu o cigarro e passou a Megan a garrafa de vodka. Sem saber porquê, ela bebeu um grande trago, começando imediatamente a tossir. Não querendo dar parte de fraca e ambicionando anestesiar a dor estranha que sentia desde cedo, Megan continuou a beber muito para além do limite que o seu corpo impunha.

Megan já se sentia fora do seu corpo. Uma alma que flutuava e via o mundo a partir do alto. Mas o mais importante para ela era não sentir.

Algumas horas depois ela já tinha despejado a história da sua vida a Alex, que rejubilava com os pormenores que estava sacando dela.

Ele se aproximou do sítio em que ela estava sentada. Sentando-se ao lado dela puxou-a para um beijo, sem que ela tivesse colocado objecção. Ela mantinha os olhos fechados quando ele aprofundou o beijo e ela tomou consciência do que estava a fazer.

Foi ao tentar quebrar o beijo que ela percebeu a enrrascada em que se tinha metido.

Alex a puxou para o colo dele, apesar dos protestos dela. Enfraquecida pelo álcool, vendo tudo andar à roda e com a visão nublada Megan não conseguia soltar-se dequele ser abjecto, nem do bafo dele no pescoço dela:

Let me go!- pediu ela, começando a chorar.

Alex apertou os braços dela, impedindo-a de se levantar. O patife já tinha colocado o celular em modo de gravação e começou alisar a coxa de Megan, metendo a mão debaixo do vestido dela.

Please stop! Please!– implorava Megan, aos soluços.

Megan já tinha dado alguns beijinhos em garotos, mas nunca tinha deixado que a tocassem daquela forma. Um nojo a invadiu e o seu estômago começou a revirar.

Um dia ela teria de ser a heroína de si mesma, mas ainda não tinha chegado o dia.

Sem ter como se defender, Megan temeu a inevitabilidade do que estava para acontecer.