São Francisco, 2008

Ainda o sol não tinha nascido já Jonas Marra se encontrava à mesa tomando o café da manhã, enquanto analisava os seus jornais financeiros predilectos.

Espreguiçando-se, tomou um gole de café quando decidiu ler os periódicos, com o objectivo de se inteirar das notícias de última hora.

Mal abriu o primeiro jornal percebeu que ia ter um dia muito comprido e nada agradável.

Impassível, ligou para o seu capacho-mor:

– Murphy, prepara o jato. Tenho que partir imediatamente para o Rio de Janeiro.

Alguns dias antes na Taquara

Megan e Davi estavam dentro do elevador do prédio da sua avó Gláucia. A poucos segundos da porta se abrir Davi questionava:

– Cê já sabe o que é que vai dizer pra ela, quando ela vir a gente?

Relax baby boy. Você já me conhece.- disse ela, com um encolher de ombros.

– Bem demais.- suspirou ele.

Nesse momento o elevador chegou ao destino e as portas se abriram, revelando à frente deles uma Gláucia Beatriz que assumiu uma reacção atónita:

– Megan! Que honra receber minha neta na minha humilde residência!

Hi. Estou a passar uns dias no Brasil e pensei que podia visitar a senhora.- disse a americana.

– Fez muito bem minha querida. E esse, quem é?- perguntou Gláucia.

Antes que Davi tivesse oportunidade para responder, Megan se adiantou:

Oh. Este é meu amigo Eustáquio, mas poor thing ele é mudo.

Davi arregalou os olhos para Megan, mas acabou por segui-la quando Gláucia os convidou a entrarem na casa dela.

O jovem nerd não podia deixar de confessar ter de fato curiosidade em conhecer a casa onde Jonas tinha crescido e criado o Bro, o computador de baixo custo que o cimentou como um dos grandes génios do século XX.

Já Megan continuava em afável conversa com Gláucia sobre a infância de Jonas. E se Davi, socorrendo-se do fato de se passar por mudo, conseguiu escapar da torrente que era o palratório de Gláucia, Megan não conseguiu o mesmo feito.

Os dois não escaparam contudo a ter que comer da torta de sardinha que Gláucia, como avó pseudo-amorosa, lhes empurrou, nem de terem que ver a colecção extensa de revistas sobre os Marra, que Gláucia havia coleccionado ao longo dos anos.

Contente com o rumo da conversa, Gláucia resolveu se acercar da sua presa:

– Megan, não me chama de Dona Gláucia. Me chama de vó. Cê sente falta de família não é?

Megan engoliu em seco e os seus olhos se encheram de água. Comovida, compreendeu que apesar de tudo, sentia sim falta de ter mais família, sentia falta de não se sentir só. Pior, sentia falta do que não tinha tido, o que era uma dor ainda maior do que a de ter alguma coisa para depois perdê-la.

Debaixo da mesa, Davi segurou a mão dela. Doía mais nele quando a via mal, do que quando ele se magoava.

Foram salvos pela chegada de Sílvio e Marisa, filho e nora de Gláucia. Aproveitando a algazarra dos dois, Davi deu uma suave cotovelada em Megan e ela se despediu da avó e dos tios, prometendo regressar em breve.

Quando já saíam do prédio, Davi segurou na cintura dela e tentou aligeirar a situação:

– Eustáquio? Mudo? Sério Megan, foi o que te ocorreu?

Ela riu:

– Não podia confiar na sua capacidade como ator. You can´t lie baby boy. O quê você achou deles?

– São umas figuras. Mas eu tenho mais razão pra estar preocupado que você.- disse ele.

Why?- perguntou ela, com a testa franzida.

– É que eles são meus parentes de sangue, não seus. Vai que essa falta de juízo é hereditária?- riu-se ele.

Escondida atrás de uma árvore, Ludmila tirava fotos dos dois e fazia cálculos mentais de como gastaria o dinheiro que as ditas fotos lhe renderiam. Mais feliz ainda ficou quando seguiu Megan e Davi até à Gambiarra e percebeu que era lá que Megan estava morando com ele.

Os tablóides não tardaram a fazer uma festa à conta da notícia que inventaram. Todos os jornais e revistas de grande tiragem do Brasil fizeram capa à conta do fato da filha menor de idade de Jonas Marra ter um relacionamento com um adolescente brasileiro de baixa renda. Títulos como: “A princesa e o plebeu”, “Quem é Davi Reis?” e “Escândalo na Marra” andavam na boca de todos.

Os jornais norte-americanos e europeus não tardaram a perseguir também a notícia: “A princesa do Vale do Silício, de 13 anos, encontra-se a coabitar com o namorado, um garoto de 16, num bairro pitoresco do Rio de Janeiro, com o conhecimento da família, demonstrando que a imagem de família perfeita dos Marra, nada mais é do que uma falácia.” – lia-se no Daily Mail.

Na mansão Marra os recém-chegados Jonas e Jack já traçavam com Pamela um plano de acção:

But my dear não dá para abafar, como das outras vezes?- perguntava a loira.

– Não dessa vez. Há demasiados jornalistas atrás da história do Davi. É uma questão de dias ou horas até chegarem à identidade dele. - dizia Jonas.

– Tivemos seis anos para nos prepararmos. I believe ser possível ultrapassar essa situação sem grande mossa para a Marra, mesmo que descubram o seu passado, Jonas.- dizia Jack, o mais descontraído dos três.

– Seu pai tem razão. A nossa equipa de assessoria de imprensa está pronta. A nossa história também. O mais inteligente a fazer é montar uma conferência de imprensa e contar a verdade antes que a imprensa descubra. Só estou preocupado com Davi. – disse Jonas.

Jonas tinha razão para estar apreensivo. Na mesma manhã em que a notícia sobre Davi e Megan tinha estourado, a vida dele transformou-se num inferno.

Um bando de jornalistas abutres tinha-se colocado à volta da casa de Dante e Rita, de modo a serem os primeiros a obter uma declaração.

Da janela da sala Davi via a multidão e sentia-se numa súbita prisão domiciliária:

– Mas será que eles nunca mais vão embora? –perguntava Davi.

Megan, que estava no celular com os pais, respondeu:

I´m so sorry Davi. Parece que dessa vez não tem mais jeito.

A multidão só aumentava, pelo que teve de ser uma equipa de segurança especializada a conseguir resgatar e transportar Davi e Megan para a mansão Marra.

O passo seguinte foi a conferência de imprensa para anunciar publicamente que Davi Reis era o filho de Jonas Marra.

O local escolhido foi o complexo de estúdios que a Parker mantinha no Brasil.

Quando Davi saiu do carro sentia-se como um animal em exposição, com todos os olhos, flashes e microfones cravados nele. Só quando sentiu a mão de Megan nas suas costas é que se sentiu com segurança para conseguir dar um passo em frente.

O casal Marra já avançava na frente deles quando a atenção de Jonas foi tomada por uma jornalista que tentava convencer um segurança a deixá-la entrar no edifício.

Jonas se orgulhava de ser excelente a julgar o carácter dos outros. Quando bateu os olhos na jovem mulher não teve dúvida e deu autorização para a entrada dela.

Jonas estava bem preparado para a conferência de imprensa. Explicou sumariamente que as notícias que tinham saído eram absolutamente caluniosas porque Davi Reis era na realidade seu filho biológico e, por isso Megan estava passando algum tempo na sua casa.

Ao silêncio sepulcral entre os repórteres, se seguiu uma profusão de questões às quais Jonas e Pamela tentaram responder da melhor maneira, dando o mínimo de pormenores possível.

Jonas, particularmente, ficou muito bem impressionado com as questões colocadas pela jornalista que ele havia ajudado a entrar, uma tal de Verônica Monteiro.

Ao lado do pai, Davi olhava para Megan em busca de apoio.

Se naquela conferência de imprensa tinha entrado Davi Reis, nerd anônimo da Gambiarra, dela saiu Davi Marra, celebridade instantânea e um dos maiores herdeiros mundiais. Ele nunca estaria preparado para isso.

Voltar para a Gambiarra estaria fora de cogitação num futuro próximo.

Limitado pela clausura da mansão Marra, Davi se apoiava sobretudo em Megan, que procurava manter a boa disposição:

Oh no. Deixa o computador e vem comigo para a piscina. – disse ela, quando o apanhou pela milésima vez na internet a fazer pesquisa sobre as notícias que saíam sobre ele.

– É inacreditável a quantidade de mentiras que eles estão inventando.- disse ele.

Leave it alone. Você não os pode vencer. – retorquiu Megan.

– Megan, isso melhora?- perguntou Davi.

– Não, mas você aprende a viver no meio desse circo. Agora let´s go baby boy!

De fato, o sol e a água da piscina fizeram com que Davi se sentisse melhor. Davi dava algumas braçadas enquanto Megan se encontrava no insuflável.

Megan achou que era um bom momento para falar com ele:

– Você sabe que as pessoas agora te vão rotular como o futuro Jonas Marra e vão esperar que você esteja à altura disso, não sabe?

– Sei.- disse ele- Eu não me vejo à frente de uma empresa como a Marra. Mas ainda tenho tempo para decidir,não?

– Tem sim.- riu-se ela – Mas eu tenho uma tese.

– Ai é? Eu não te sabia tão académica.- riu-se ele, agarrando-se ao insuflável dela.- Desenvolva a sua tese.

– Penso que as pessoas devem fazer aquilo que as faz felizes, no matter what. Por isso Davi, nunca deixe de fazer aquilo que te faz feliz por ninguém, ok?

Ele reflectiu um momento e acabou por responder:

– Cê tem razão. O que eu quero não é o que o pai quer. Eu não quero saber de dinheiro. Eu quero criar tecnologia aberta pra ajudar as pessoas.

See? Então cria.- disse ela.

– Megan Lily, você hoje só dá bons conselhos. Você só se esqueceu de uma coisa.

What?

– Do monstro da piscina!

E com isso Davi agarrou Megan e rodopiou com ela pela piscina, ignorando os gritinhos da sua bad girl.

Querendo revidar, ela iniciou uma luta aquática da qual não se conheceu vencedor. Ofegantes, ouvia-se agora dos dois um riso franco e pela primeira vez em dias Davi sentia-se livre e solto, mas acima de tudo feliz.

Assistindo a tudo pela janela, Jonas e Sandra, que havia acabado de chegar, conversavam:

– Sandra, ele vai precisar de você. Você já sabe o que quer fazer? – perguntava ele.

Olhando para o filho, ela não teve dúvida na resposta:

– Aquilo que precisa de ser feito.

Pamela, por outro lado, estranhava o bom comportamento da filha:

– Madrinha, não é estranho que Megan já não se meta em troubles?

Oh dear, aproveite enquando durar e não pense muito nisso.- respondia-lhe Dorothy.

Naquela noite, Megan já estava de pijama e estava se preparando para se deitar quando Pamela, de roupão, entrou no seu quarto:

Baby, posso falar com você?

Sure mom. Senta aqui comigo.- e se sentaram as duas na cama.

Sweety, eu estou muito feliz com a nova Megan Lily, mas dear eu tenho que perguntar….

– Se é mesmo para valer? – perguntou Megan, com um sorriso no canto dos lábios.

– Megan, we love you no matter what. Mas a sua mudança foi tão repentina…

Look mom, eu já fiz e ainda vou fazer muita besteira. Mas vou tentar também fazer muita coisa certa, porque é o melhor que eu posso fazer. Você compreende mom?

Pamela compreendia. O elo que ela tinha com a filha era tão forte que lhe bastou observar os olhos da filha para perceber que Megan estava a ser sincera ao tentar controlar os seus defeitos e melhorar as suas atitudes. Afinal a sua baby já não era tão baby assim.

A princesa Shelda já não precisava de ouvir nem de dizer mais nada. Sorriu para a filha, deu-lhe um abraço e um beijo e saiu do quarto.

Megan já estava pegando no sono quando ouviu bater à porta. Tinha de ser ele obviamente:

– Megan. Cê tá decente? Posso entrar? – disse Davi.

I´m never decent. – disse ela entredentes- Pode entrar.- disse ela em voz alta, enquanto se sentava na cama.

– Aí, desculpa. Não sabia que você já tava dormindo. –disse ele quando a viu.

Ela se levantou e se aproximou dele:

It´s ok. No problem. Você precisa de alguma coisa?

– Não… eu só queria te agradecer tudo o que você tem feito por mim, pelo seu apoio, sua companhia…obrigado.

Ele acabou por abraçá-la. Um daqueles abraços apertados que parecem nunca mais ter fim.

–Eu vou estar sempre aqui para você, Davi.- disse ela, olhando com os seu olhos enormes nos olhos dele.

Ele lhe deu um beijo na testa e respondeu:

–Eu também.