Gambiarra, 2008

Quando Megan entrou na cozinha para tomar o café da manhã, a divisão já se encontrava cheia. Mesmo ela, que adorava confusão, não compreendia o caos que se instalava em casa de Davi, logo pela manhã, com metade da Gambiarra vindo filar bóia à conta do café da manhã de Rita.

– Bom dia, Margarete.- ouviu ela, em jeito de eco, propiciado pelas várias vozes que o disseram quase ao mesmo tempo.

God morning, guys . – disse ela, ainda ensonada.

– Ué, mini-gringa, mas tu tá nos trinques hoje, hein? – disse Luene, dando o seu selo de aprovação para a indumentária de Megan.

Davi, que voltou a cabeça para avaliar melhor a situação, não pode deixar de concordar:

– É. Muito bom o jeito que você deu na minha roupa. Fica muito melhor em você do que em mim.

Oh yeah! Amazing o que eu consigo fazer com scissor, agulha e linha, right?

A americana tinha conseguido customizar a roupa que Davi lhe tinha emprestado, usando recursos esparsos e como de praxe a sua imagem parecia valer one million bucks. Talvez, à semelhança dos pais, também ela tivesse um toque de Midas, afinal.

Sentando-se ao lado de Davi e aproximando-se perigosamente dele disse-lhe:

Perhaps the bad girl consiga dar uma dentro afinal. – e piscou-lhe o olho.

Bad girl, você pode dar muitas dentro, se você quiser. - e Davi apertou-lhe o nariz, arrancando um sorriso dela.

Quando ela ia responder à altura, Rita cortou-lhes o diálogo:

– Gente, a conversa está muito boa, mas já estamos ficando atrasados e tem gente esperando na PLUGAR. – disse ela.

– Tudo bem tia, eu já tava acabando mesmo. – respondeu Davi.

Virando-se para Megan, Davi lhe perguntou:

– E você, bad girl, não quer vir com a gente? Vai passar outro dia encafuada na garagem sem fazer nada?

What? Deixar o único sítio com ar condicionado em miles para tomar conta de pestinhas? No way! – afirmou ela peremptoriamente.

Com Megan era sempre assim. Um passo em frente. Um passo atrás. E ele, morrendo de medo que ela um dia se estatelasse no chão por ele não estar por perto para apanhá-la.

Davi já não sabia o que fazer com Megan, como lhe mostrar que o mundo podia ser muito diferente daquilo que ela estava habituada e que dentro dela existia a possibilidade de fazer a diferença.

Por isso, para grandes problemas, decisões drásticas.

Foi com esse propósito que ele arrastou a loira americana da sua cozinha, deixando atrás deles Dante, Bira e Caolho que, com a sua animação matinal habitual, irromperam no samba e uma Luene que acompanhou tudo com um olhar desconfiado.

Davi levou Megan pelo bairro até chegar à porta da PLUGAR:

Hey!What are we doing here? – disse ela, indignada.

– Faz mais de uma semana que você tá vivendo aqui e você ainda não colocou o pé aqui dentro. Hoje, eu vou te mostrar um mundo novo, quer você queira quer não.

– Davi! Eu não tenho essa coisa do socialmente responsável. No way. Eu não puxei a mom. I´m a bad girl, remember?

Ele pegou na mão dela e perguntou:

– O que é que você estaria fazendo nesse momento se você estivesse em São Francisco?

I don´t know. Shopping ou indo em festas. – ela disse, encolhendo os ombros.

– Que tipo de festas? Com quem? – ele perguntou.

Ela soltou violentamente a mão da dele e lhe virou as costas:

That´s none of your business!

Ele a virou para ele e, colocando as mãos nos ombros dela, pediu mansamente:

– Megan, pelo menos tenta. Sua mãe vai chegar no Rio em pouco mais de duas semanas e aí você se muda pra mansão. Mas, no entretanto, você vai ficar aqui, por isso tenta. Vai. Por mim.

Ela fechou os olhos e respondeu:

Ok. Mas não prometo like, gostar.

Sem lhe dar tempo para ela se arrepender, Davi fez finalmente com que Megan transpusesse a porta da PLUGAR e começou a visita guiada.

Mostrou-lhe as salas, os programas, os benefícios incalculáveis que a ONG tinha para a comunidade. Ter-lhe-ia mostrado mais se não estivesse já atrasado para leccionar uma aula à turma dos iniciados.

Ela mantinha-se de pé, à espera de Davi, olhando um mural, quando Clint a abordou:

– Bom dia. Eu sou o Clint Adams. - disse ele, com o seu sotaque escocês que se mantinha irredutível , mesmo com os anos passados no Brasil.

Good morning. Hi, eu sou a Marga…

I know who you are, Megan Marra.- disse ele

How? Pensei que não era para ninguém saber? – surpreendeu-se ela.

Relax, não vou contar para ninguém. Não sei se você sabe, mas eu trabalhei muito próximo do seu dad, antes de vir para aqui.

Really?

Yes. Então você veio conhecer a PLUGAR. Eu vi que você chegou com o Davi.- comentou Clint de um jeito ligeiramente irónico.

Oh yeah. Mom and dad me incentivaram a conhecer as minhas raízes brasileiras e o trabalho da Marra no Brasil, por isso estou aqui e Davi me está ajudando.- Megan falou, aos borbotões.

Megan, que normalmente era uma atriz brilhante no que concerne à mentira, não estava a ser muito feliz com o rumo que a conversa entava tomando.

– Megan, eu acho que também sei quem Davi realmente é. Ser nerd doesn´t equal ser tapado e Jonas Marra não dá ponto sem nó.- riu-se Clint.

But…

– Já disse para você não se preocupar. Gosto demasiado de Davi para correr o risco de expô-lo. Vem comigo Miss Marra.

Clint levou-a a conhecer a realidade da importância social da PLUGAR. Contou-lhe a história dos pais que trabalhavam de sol a sol, contando com a ONG como único porto seguro para deixar os filhos.

Ele mostrou-lhe como as crianças evoluíam e aprendiam porque a PLUGAR lhes dava as condições que, de outro modo, lhes seriam negadas. E mostrou-lhe sobretudo o que era a alma da PLUGAR: a capacidade de fazer com que aquelas crianças, de um meio tão desfavorecido, conseguissem sonhar com um futuro melhor.

Megan sentia o seu coração a cair-lhe aos pés. Ela que tanto tinha e tanto desperdiçava. E tantos com tão pouco. E ainda aqueles que do pouco faziam muito.

Agora não eram números em notícias na TV que ela ignorava. Eram pessoas de carne e osso que olhavam para ela com curiosidade. Era gente que ria e chorava, que amava e odiava e sobretudo que sentia. Tal como ela.

Para terminar a tour, Clint levou-a a conhecer o trabalho que Davi desenvolvia com os alunos mais pequenos:

– Davi Reis, superhero professional- disse ela, com orgulho na voz.

–Não, Davi Reis, human being com um coração imenso, mas com falhas. Superheróis não existem, Megan.- advertiu Clint.

A aula de Davi já estava terminando e os alunos se preparavam para sair quando os pais começaram a chegar.

Davi saiu da sala acompanhado por um novo aluno, que entregou à mãe:

– Como vai? Davi, não é? Eu não me cheguei a apresentar, acho eu. Eu sou a Verônica, Verônica Monteiro.

– Prazer em conhecê-la. Eu sou o Davi Reis. Parabéns pelo seu filho, hein. O Vicente não só é um garoto muito bom, como tá na cara que vai ser uma fera na informática!

– Sério? Bem, a mãe ele de certeza não puxou.- riu-se Verônica- Posso te fazer uma pergunta?

– Claro, o que é que a senhora quer saber?

– É que eu sou jornalista e fiquei sabendo que o Jonas Marra está patrocinando a PLUGAR. Será que ele me daria uma entrevista? – perguntou ela esperançosa.

– É… o Jonas…. é…- Davi não sabia muito bem o que dizer.

Clint veio em socorro de Davi:

I´m sorry. Mr Marra não dá entrevistas com facilidade. – disse ele.

– Mas eu só queria cinco minutos mesmo. E seria só para falar do trabalho beneficente da Marra no Brasil. – insistiu Verônica.

– O Jonas não vai querer.- afirmou com certeza Davi.

– Você conhece ele pessoalmente?- surpreendeu-se Verônica.

– Superficialmente.- respondeu Davi, hesitante.

Antes que o caldo entornasse, Clint conduziu uma desanimada Verônica e Vicente para a saída, prometendo tentar agendar a entrevista que todos sabiam não ter hipótese de ser agendada.

Megan reuniu-se a Davi dizendo:

– Tem que começar a treinar baby boy, para ser mais convicente a mentir.

– Ainda bem que tenho você , com toda a sua experiência, para me ajudar.- disse ele jocosamente, recebendo um sopapo dela.

As visitas de Megan à PLUGAR rapidamente se tornaram diárias. Pelo meio da sua falta de jeito e tato, ela ia encontrando formas de se tornar e de se sentir útil.

Descobria dentro dela um poço de criatividade e inovação que fervilhava e transbordava a fazendo sentir realizada.

Sentia-se especialmente bem junto das crianças mais pequenas, com quem brincava no campinho.

Ela aprendia uma lição simples: construir era muito mais recompensador do que destruir.

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Naquela noite iam ficar os três garotos sozinhos em casa, porque Dante tinha um concerto e Rita ia passar a noite no hospital com a vizinha Valdeci, que tinha tido uma cirurgia de urgência. Davi ia ficar encarregue de Matias e Megan.

– Filho, não esquece de fazer esses dois jantarem…eles não comem nada… pega o que tem na geladeira. Qualquer coisa que precisar me liga logo, tá? - disse Rita enquanto vestia o casaco, pegava a bolsa e se preparava para sair disparada pela porta.

– Sim tia, a senhora pode ir descansada. - respondeu ele, enquanto fechava a porta.

Quando Megan e Matias chegaram da rua, Davi colocou-os ao corrente da situação. Megan tomou a dianteira:

Great. Eu sou ótima a pedir comida pelo telefone. Se você quiser eu conheço um restaurante tailandês que…

– Você não percebeu. Eu vou cozinhar.- retorquiu Davi.

Baby boy, você não sabe cozinhar.

– Lógico que eu sei. Vou fazer a minha especialidade: arroz de entulho.- repreendeu-a Davi.

– Entulho não é like, lixo? Eww.

– Lixo? Matias, me ajuda com essa tontinha.

Conhecendo o potencial das implicâncias entre Megan e Davi, Matias entendeu que o melhor seria levantar as mãos em sinal de rendição e sacudir a água do capote:

– Me coloca fora dessa, meu irmão.

– E você ainda diz que é meu amigo. – disse Davi, enquanto atirava um pano de louça contra Matias.

Alright, arroz de entulho it is. This should be fun.Você quer ajuda? – propôs Megan.

– Deus me livre. De você só quero distância desse fogão. – indignou-se Davi.

Assistindo a tudo de camarote, Matias quase rebolava de tanto rir.

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No dia aprazado Pamela desembarcou no Rio de Janeiro, morrendo de vontade de abraçar a sua baby.

Como a sua chegada foi antecipadamente divulgada, por conta dos seus compromissos profissionais, o aeroporto estava apinhado de fãs nerds que queriam confirmar se a realidade correspondia à fantasia.

Como uma visão, vestida de branco imaculado, Pamela desfilou pelo aeroporto em multitasking : assinando autógrafos e posando para fotos enquanto mantinha uma conversa com a filha pelo celular:

Sweety, você gostou mesmo do tempo que passou aí? Tem a certeza que não quer ir para a mansão? – perguntou Pamela apreensiva.

Yes mom, I really do. Tenho descoberto muitas coisas mom, e eu quero continuar ajudando aqui. Daqui a alguns dias eu me mudo para a mansão, alright?

Baby, você tem a certeza que não bateu com a cabeça?

Of course not, mom. Jantamos hoje juntas?

No amontoado de admiradores de Pamela encontrava-se um jovem e taquicárdido Ernesto Avelar. Com a aproximação da sua musa, parecia que o seu coração lhe ia sair pela boca, talvez arrastando consigo os seus pulmões e os seus restantes órgãos internos.

Com Pamela a poucos metros de distância a sua visão começou a ficar enevoada e resolveu desligar a chamada que vinha a manter com a irmã:

– Tá Lara, eu depois trato disso. Agora tenho uma coisa muito importante para fazer.

Quando Pamela passou a poucos centímetros do sítio onde Ernesto se encontrava, ele deu um passo em frente e acabou sentindo o mundo andar à roda.

Ignobilmente, acabou desmaiando nos braços da sua deusa, não sabendo se devia atribuir o fato à emoção desmesurada que sentiu ou ao fato de não ter comido nada naquele dia.

Solicitamente, Pamela tentou segurá-lo e fazê-lo recuperar a conciência. Quando finalmente ele conseguiu abrir os olhos só conseguiu balbuciar debilmente:

– Sheldinha…….

Os seguranças que acompanhavam Pamela prestaram auxílio a Ernesto e eficazmente conduziram a Marra-Women para fora do aeroporto não sem antes ela se virar para Ernesto, dizendo ao reparar na t-shirt dele com estampa de Luke Meteoro:

Hey Luke. Take care, alright?

Pamela partiu, deixando , tal como um cometa, um rastro de luminosidade e um Ernesto com um sorriso abobalhado, abraçado a um poste.

No dia seguinte, sentada no gramado do campo de futebol, Megan debatia com Davi a falta de convencionalidade da sua família:

– Você não acha estranho dad nunca nos ter apresentado para a mom dele?

– Sei lá, ele deve ter as razões dele. – respondeu ele, com um encolher de ombros.

– Eu gostava de ter uma Grandma. – disse ela mais para si do que para ele.

– Você tem sua avó Berénice.

Grand-mère está do outro lado do mundo e está sempre ocupada. Grandma Gláucia está aqui do lado. E mais, nós temos o uncle Sílvio, aunt Marisa e even primos: o Danildo…

– Danilo. – corrigiu Davi.

–... e a Danusa. Você não tem curiosidade nenhuma em conhecê-los, right? – disse ela, espetando um dedo no ombro dele.

– Claro que tenho. Mas você já sabe: a curiosidade matou o gato.- riu-se ele

Megan, como sempre, não teve dificuldade em levar a sua avante. Conseguiu arrastar Davi para conhecer a mítica Gláucia Beatriz e seus agregados:

– Aí tá uma coisa que eu nunca pensei ver. Megan Lily andando de busão.- disse ele quando entraram no ônibus com destino à Taquara.

Not funny.- retrucou ela, se sentando.

– Pelo contrário, é muito engraçado.

Sentada do outro lado do corredor, uma loira espampanante levantou os olhos da revista que folheava quando ouviu a menção ao nome Megan Lily. Olhou fixamente para os dois e, rapidamente, voltou os olhos para a revista para procurar a página com a foto que a interessava e que confirmou que, de fato, se encontrava do lado da herdeira dos Parker-Marra:

– Ludmila, que golpe de sorte! – pensou intimamente – o seu bilhete premiado te caiu logo no colo !