Nós estamos juntos
Capítulo 5
Gambiarra, 2008
Quando Megan entrou na cozinha para tomar o café da manhã, a divisão já se encontrava cheia. Mesmo ela, que adorava confusão, não compreendia o caos que se instalava em casa de Davi, logo pela manhã, com metade da Gambiarra vindo filar bóia à conta do café da manhã de Rita.
– Bom dia, Margarete.- ouviu ela, em jeito de eco, propiciado pelas várias vozes que o disseram quase ao mesmo tempo.
– God morning, guys . – disse ela, ainda ensonada.
– Ué, mini-gringa, mas tu tá nos trinques hoje, hein? – disse Luene, dando o seu selo de aprovação para a indumentária de Megan.
Davi, que voltou a cabeça para avaliar melhor a situação, não pode deixar de concordar:
– É. Muito bom o jeito que você deu na minha roupa. Fica muito melhor em você do que em mim.
– Oh yeah! Amazing o que eu consigo fazer com scissor, agulha e linha, right?
A americana tinha conseguido customizar a roupa que Davi lhe tinha emprestado, usando recursos esparsos e como de praxe a sua imagem parecia valer one million bucks. Talvez, à semelhança dos pais, também ela tivesse um toque de Midas, afinal.
Sentando-se ao lado de Davi e aproximando-se perigosamente dele disse-lhe:
– Perhaps the bad girl consiga dar uma dentro afinal. – e piscou-lhe o olho.
– Bad girl, você pode dar muitas dentro, se você quiser. - e Davi apertou-lhe o nariz, arrancando um sorriso dela.
Quando ela ia responder à altura, Rita cortou-lhes o diálogo:
– Gente, a conversa está muito boa, mas já estamos ficando atrasados e tem gente esperando na PLUGAR. – disse ela.
– Tudo bem tia, eu já tava acabando mesmo. – respondeu Davi.
Virando-se para Megan, Davi lhe perguntou:
– E você, bad girl, não quer vir com a gente? Vai passar outro dia encafuada na garagem sem fazer nada?
– What? Deixar o único sítio com ar condicionado em miles para tomar conta de pestinhas? No way! – afirmou ela peremptoriamente.
Com Megan era sempre assim. Um passo em frente. Um passo atrás. E ele, morrendo de medo que ela um dia se estatelasse no chão por ele não estar por perto para apanhá-la.
Davi já não sabia o que fazer com Megan, como lhe mostrar que o mundo podia ser muito diferente daquilo que ela estava habituada e que dentro dela existia a possibilidade de fazer a diferença.
Por isso, para grandes problemas, decisões drásticas.
Foi com esse propósito que ele arrastou a loira americana da sua cozinha, deixando atrás deles Dante, Bira e Caolho que, com a sua animação matinal habitual, irromperam no samba e uma Luene que acompanhou tudo com um olhar desconfiado.
Davi levou Megan pelo bairro até chegar à porta da PLUGAR:
– Hey!What are we doing here? – disse ela, indignada.
– Faz mais de uma semana que você tá vivendo aqui e você ainda não colocou o pé aqui dentro. Hoje, eu vou te mostrar um mundo novo, quer você queira quer não.
– Davi! Eu não tenho essa coisa do socialmente responsável. No way. Eu não puxei a mom. I´m a bad girl, remember?
Ele pegou na mão dela e perguntou:
– O que é que você estaria fazendo nesse momento se você estivesse em São Francisco?
– I don´t know. Shopping ou indo em festas. – ela disse, encolhendo os ombros.
– Que tipo de festas? Com quem? – ele perguntou.
Ela soltou violentamente a mão da dele e lhe virou as costas:
– That´s none of your business!
Ele a virou para ele e, colocando as mãos nos ombros dela, pediu mansamente:
– Megan, pelo menos tenta. Sua mãe vai chegar no Rio em pouco mais de duas semanas e aí você se muda pra mansão. Mas, no entretanto, você vai ficar aqui, por isso tenta. Vai. Por mim.
Ela fechou os olhos e respondeu:
– Ok. Mas não prometo like, gostar.
Sem lhe dar tempo para ela se arrepender, Davi fez finalmente com que Megan transpusesse a porta da PLUGAR e começou a visita guiada.
Mostrou-lhe as salas, os programas, os benefícios incalculáveis que a ONG tinha para a comunidade. Ter-lhe-ia mostrado mais se não estivesse já atrasado para leccionar uma aula à turma dos iniciados.
Ela mantinha-se de pé, à espera de Davi, olhando um mural, quando Clint a abordou:
– Bom dia. Eu sou o Clint Adams. - disse ele, com o seu sotaque escocês que se mantinha irredutível , mesmo com os anos passados no Brasil.
– Good morning. Hi, eu sou a Marga…
– I know who you are, Megan Marra.- disse ele
– How? Pensei que não era para ninguém saber? – surpreendeu-se ela.
– Relax, não vou contar para ninguém. Não sei se você sabe, mas eu trabalhei muito próximo do seu dad, antes de vir para aqui.
– Really?
–Yes. Então você veio conhecer a PLUGAR. Eu vi que você chegou com o Davi.- comentou Clint de um jeito ligeiramente irónico.
– Oh yeah. Mom and dad me incentivaram a conhecer as minhas raízes brasileiras e o trabalho da Marra no Brasil, por isso estou aqui e Davi me está ajudando.- Megan falou, aos borbotões.
Megan, que normalmente era uma atriz brilhante no que concerne à mentira, não estava a ser muito feliz com o rumo que a conversa entava tomando.
– Megan, eu acho que também sei quem Davi realmente é. Ser nerd doesn´t equal ser tapado e Jonas Marra não dá ponto sem nó.- riu-se Clint.
–But…
– Já disse para você não se preocupar. Gosto demasiado de Davi para correr o risco de expô-lo. Vem comigo Miss Marra.
Clint levou-a a conhecer a realidade da importância social da PLUGAR. Contou-lhe a história dos pais que trabalhavam de sol a sol, contando com a ONG como único porto seguro para deixar os filhos.
Ele mostrou-lhe como as crianças evoluíam e aprendiam porque a PLUGAR lhes dava as condições que, de outro modo, lhes seriam negadas. E mostrou-lhe sobretudo o que era a alma da PLUGAR: a capacidade de fazer com que aquelas crianças, de um meio tão desfavorecido, conseguissem sonhar com um futuro melhor.
Megan sentia o seu coração a cair-lhe aos pés. Ela que tanto tinha e tanto desperdiçava. E tantos com tão pouco. E ainda aqueles que do pouco faziam muito.
Agora não eram números em notícias na TV que ela ignorava. Eram pessoas de carne e osso que olhavam para ela com curiosidade. Era gente que ria e chorava, que amava e odiava e sobretudo que sentia. Tal como ela.
Para terminar a tour, Clint levou-a a conhecer o trabalho que Davi desenvolvia com os alunos mais pequenos:
– Davi Reis, superhero professional- disse ela, com orgulho na voz.
–Não, Davi Reis, human being com um coração imenso, mas com falhas. Superheróis não existem, Megan.- advertiu Clint.
A aula de Davi já estava terminando e os alunos se preparavam para sair quando os pais começaram a chegar.
Davi saiu da sala acompanhado por um novo aluno, que entregou à mãe:
– Como vai? Davi, não é? Eu não me cheguei a apresentar, acho eu. Eu sou a Verônica, Verônica Monteiro.
– Prazer em conhecê-la. Eu sou o Davi Reis. Parabéns pelo seu filho, hein. O Vicente não só é um garoto muito bom, como tá na cara que vai ser uma fera na informática!
– Sério? Bem, a mãe ele de certeza não puxou.- riu-se Verônica- Posso te fazer uma pergunta?
– Claro, o que é que a senhora quer saber?
– É que eu sou jornalista e fiquei sabendo que o Jonas Marra está patrocinando a PLUGAR. Será que ele me daria uma entrevista? – perguntou ela esperançosa.
– É… o Jonas…. é…- Davi não sabia muito bem o que dizer.
Clint veio em socorro de Davi:
– I´m sorry. Mr Marra não dá entrevistas com facilidade. – disse ele.
– Mas eu só queria cinco minutos mesmo. E seria só para falar do trabalho beneficente da Marra no Brasil. – insistiu Verônica.
– O Jonas não vai querer.- afirmou com certeza Davi.
– Você conhece ele pessoalmente?- surpreendeu-se Verônica.
– Superficialmente.- respondeu Davi, hesitante.
Antes que o caldo entornasse, Clint conduziu uma desanimada Verônica e Vicente para a saída, prometendo tentar agendar a entrevista que todos sabiam não ter hipótese de ser agendada.
Megan reuniu-se a Davi dizendo:
– Tem que começar a treinar baby boy, para ser mais convicente a mentir.
– Ainda bem que tenho você , com toda a sua experiência, para me ajudar.- disse ele jocosamente, recebendo um sopapo dela.
As visitas de Megan à PLUGAR rapidamente se tornaram diárias. Pelo meio da sua falta de jeito e tato, ela ia encontrando formas de se tornar e de se sentir útil.
Descobria dentro dela um poço de criatividade e inovação que fervilhava e transbordava a fazendo sentir realizada.
Sentia-se especialmente bem junto das crianças mais pequenas, com quem brincava no campinho.
Ela aprendia uma lição simples: construir era muito mais recompensador do que destruir.
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Naquela noite iam ficar os três garotos sozinhos em casa, porque Dante tinha um concerto e Rita ia passar a noite no hospital com a vizinha Valdeci, que tinha tido uma cirurgia de urgência. Davi ia ficar encarregue de Matias e Megan.
– Filho, não esquece de fazer esses dois jantarem…eles não comem nada… pega o que tem na geladeira. Qualquer coisa que precisar me liga logo, tá? - disse Rita enquanto vestia o casaco, pegava a bolsa e se preparava para sair disparada pela porta.
– Sim tia, a senhora pode ir descansada. - respondeu ele, enquanto fechava a porta.
Quando Megan e Matias chegaram da rua, Davi colocou-os ao corrente da situação. Megan tomou a dianteira:
– Great. Eu sou ótima a pedir comida pelo telefone. Se você quiser eu conheço um restaurante tailandês que…
– Você não percebeu. Eu vou cozinhar.- retorquiu Davi.
– Baby boy, você não sabe cozinhar.
– Lógico que eu sei. Vou fazer a minha especialidade: arroz de entulho.- repreendeu-a Davi.
– Entulho não é like, lixo? Eww.
– Lixo? Matias, me ajuda com essa tontinha.
Conhecendo o potencial das implicâncias entre Megan e Davi, Matias entendeu que o melhor seria levantar as mãos em sinal de rendição e sacudir a água do capote:
– Me coloca fora dessa, meu irmão.
– E você ainda diz que é meu amigo. – disse Davi, enquanto atirava um pano de louça contra Matias.
– Alright, arroz de entulho it is. This should be fun.Você quer ajuda? – propôs Megan.
– Deus me livre. De você só quero distância desse fogão. – indignou-se Davi.
Assistindo a tudo de camarote, Matias quase rebolava de tanto rir.
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No dia aprazado Pamela desembarcou no Rio de Janeiro, morrendo de vontade de abraçar a sua baby.
Como a sua chegada foi antecipadamente divulgada, por conta dos seus compromissos profissionais, o aeroporto estava apinhado de fãs nerds que queriam confirmar se a realidade correspondia à fantasia.
Como uma visão, vestida de branco imaculado, Pamela desfilou pelo aeroporto em multitasking : assinando autógrafos e posando para fotos enquanto mantinha uma conversa com a filha pelo celular:
–Sweety, você gostou mesmo do tempo que passou aí? Tem a certeza que não quer ir para a mansão? – perguntou Pamela apreensiva.
– Yes mom, I really do. Tenho descoberto muitas coisas mom, e eu quero continuar ajudando aqui. Daqui a alguns dias eu me mudo para a mansão, alright?
– Baby, você tem a certeza que não bateu com a cabeça?
– Of course not, mom. Jantamos hoje juntas?
No amontoado de admiradores de Pamela encontrava-se um jovem e taquicárdido Ernesto Avelar. Com a aproximação da sua musa, parecia que o seu coração lhe ia sair pela boca, talvez arrastando consigo os seus pulmões e os seus restantes órgãos internos.
Com Pamela a poucos metros de distância a sua visão começou a ficar enevoada e resolveu desligar a chamada que vinha a manter com a irmã:
– Tá Lara, eu depois trato disso. Agora tenho uma coisa muito importante para fazer.
Quando Pamela passou a poucos centímetros do sítio onde Ernesto se encontrava, ele deu um passo em frente e acabou sentindo o mundo andar à roda.
Ignobilmente, acabou desmaiando nos braços da sua deusa, não sabendo se devia atribuir o fato à emoção desmesurada que sentiu ou ao fato de não ter comido nada naquele dia.
Solicitamente, Pamela tentou segurá-lo e fazê-lo recuperar a conciência. Quando finalmente ele conseguiu abrir os olhos só conseguiu balbuciar debilmente:
– Sheldinha…….
Os seguranças que acompanhavam Pamela prestaram auxílio a Ernesto e eficazmente conduziram a Marra-Women para fora do aeroporto não sem antes ela se virar para Ernesto, dizendo ao reparar na t-shirt dele com estampa de Luke Meteoro:
– Hey Luke. Take care, alright?
Pamela partiu, deixando , tal como um cometa, um rastro de luminosidade e um Ernesto com um sorriso abobalhado, abraçado a um poste.
No dia seguinte, sentada no gramado do campo de futebol, Megan debatia com Davi a falta de convencionalidade da sua família:
– Você não acha estranho dad nunca nos ter apresentado para a mom dele?
– Sei lá, ele deve ter as razões dele. – respondeu ele, com um encolher de ombros.
– Eu gostava de ter uma Grandma. – disse ela mais para si do que para ele.
– Você tem sua avó Berénice.
– Grand-mère está do outro lado do mundo e está sempre ocupada. Grandma Gláucia está aqui do lado. E mais, nós temos o uncle Sílvio, aunt Marisa e even primos: o Danildo…
– Danilo. – corrigiu Davi.
–... e a Danusa. Você não tem curiosidade nenhuma em conhecê-los, right? – disse ela, espetando um dedo no ombro dele.
– Claro que tenho. Mas você já sabe: a curiosidade matou o gato.- riu-se ele
Megan, como sempre, não teve dificuldade em levar a sua avante. Conseguiu arrastar Davi para conhecer a mítica Gláucia Beatriz e seus agregados:
– Aí tá uma coisa que eu nunca pensei ver. Megan Lily andando de busão.- disse ele quando entraram no ônibus com destino à Taquara.
– Not funny.- retrucou ela, se sentando.
– Pelo contrário, é muito engraçado.
Sentada do outro lado do corredor, uma loira espampanante levantou os olhos da revista que folheava quando ouviu a menção ao nome Megan Lily. Olhou fixamente para os dois e, rapidamente, voltou os olhos para a revista para procurar a página com a foto que a interessava e que confirmou que, de fato, se encontrava do lado da herdeira dos Parker-Marra:
– Ludmila, que golpe de sorte! – pensou intimamente – o seu bilhete premiado te caiu logo no colo !
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