Rio de Janeiro, 2014

A decepção que Júlio César experimentou ao ser assassinado pelo seu amigo Marco Júnio Bruto não foi nada perto do que Jonas Marra sentiu quando Megan lhe contou o que Davi havia feito.

“Et tu, Brute” nem começava a cobrir a sensação de ter a cabeça posta num cepo pelo próprio filho. Jonas já tinha visto demasiado do mundo e, por isso, encarava a traição como parte natural da vida, mas não conseguia perceber porque é que o seu próprio sangue não era capaz de confiar nele.

Jonas era um sobrevivente, um estratega, mas nem ele tinha equacionado fazer um plano de contingência para uma situação como aquela.

Faltavam poucos dias para o dia da detenção e pai e filha só viam como hipótese de salvação a fuga do Marra-Man.

Dad, se eles te prenderem, nunca mais te vão deixar sair. No way. E se te tentarem culpar pela queda do avião, então…

– Então eu vou ser condenado por terrorismo. Morreram vários americanos. Se me conseguirem extraditar e julgar nos States, é pena de morte na certa.

Segurando as mãos de Jonas, Megan era um soldado pronto para entrar em batalha.

No, dad. Eu não vou deixar. Eu vou conseguir as provas de que você está inocente e não matou ninguém, mas eu preciso saber a verdade. All of it.

A bad girl não era assim tão inocente, que não percebesse que durante a sua vida Jonas tinha cometido algumas ilegalidades aqui e ali, para fazer avançar os negócios. Por uma vez na vida, o empresário baixou as defesas e confessou naquele terreno sagrado o que, do rol de acusações que lhe faziam, ele realmente havia feito. Se havia pessoa que merecia saber a verdade, era Megan.

– O que você fez não foi certo. - comentou ela, ainda que não soasse como uma admoestação - Especialmente com o Herval, dad. But, se você estiver disposto a tentar corrigir os seus erros, isso tem solução.

A Marra-Girl já tinha traçado um plano de fuga para Jonas, aproveitando a confusão que se ia instalar no dia da apresentação.

– Mas vamos precisar da ajuda de outra pessoa, dad. Alguém em que a gente possa confiar, you know?

– Quem, Peanuts? O Brian está incontatável num retiro espiritual e não volta tão cedo.

Para um homem cansado como Jonas, era um consolo poder contar com aquela filha tão expedita, mas ele não ficou nada agradado com a sugestão de Megan.

– I have just the person. - comentou ela, saindo do cômodo para ir buscar alguém.

Batendo os olhos em Gláucia Beatriz, Jonas teve que reconsiderar o sentido de lógica da filha.

– Você não…Megan, no que é que você estava pensando quando trouxe essa mulher para aqui?

– A sua mãe, Jonas. Eu continuo sendo a sua mãe. E com os meus filhos ninguém mexe, a não ser eu. - respondeu imediatamente a matriarca Marra.

Dad, think about it. Ninguém vai suspeitar que grandma Gláucia nos está ajudando.

– Essa mulher só se sabe ajudar a si própria. - comentou o Marra-Man.

Mesmo numa situação de aperto e não tendo a quem mais recorrer, Jonas não se demovia da sua opinião. A teimosia devia correr na família.

Já Gláucia tinha vindo preparada para enterrar o machado de guerra. Ter passado décadas às turras com o filho tinha deixado marcas indeléveis nos dois. Tinha chegado a hora de tentar sanar feridas antigas.

A avó de Megan e Davi tinha cometido muitos erros durante a vida, mas os que mais agora lhe custavam tinham sido os que ela tinha cometido com a própria família.

– Jonas, eu sei que fui uma péssima esposa e uma péssima mãe. Eu dei cabo da vida do seu pai e o seu irmão e você tiveram que crescer como órfãos por minha causa.

Fazendo uma pausa, mãe e filho mergulharam nas suas memórias, cada um na sua versão dos fatos passados. O que para Glaúcia tinha sido uma sucessão de decisões infelizes no que se referia ao seu amante; tinha sido para Jonas o que tinha precipitado o assassinato do seu honesto pai Pedro, morto às mãos do amante de Gláucia, o que o Marra-Man nunca poderia perdoar à mãe.

– Me deixa tentar remediar os meus erros, nem que seja só um pouco. Depois a gente pode voltar a brigar como cão e gato. - pediu Gláucia, vendo ali uma oportunidade de redenção.

Vendo a filha acenando afirmativamente com a cabeça, Jonas não teve como dizer não.

O plano de fuga implicava Jonas escapar pela saída secreta da diretoria, sendo retirado do edifício no banco traseiro do carro de Gláucia. Depois disso, Megan já tinha arrumado um esconderijo seguro para ele.

A estratégia era de uma simplicidade funcional extraordinária, mas como qualquer plano apresentava falhas. Foi o que Megan constatou quando se foi despedir do pai ao escritório.

– O Davi colocou isso no meu bolso.- explicou um Jonas de coração partido, mostrando o localizador.

Hey, dad. Onde está o Marra-Man que não se deixa vencer?- perguntou ela, colocando o localizador dentro da sua clutch.

Percebendo o raciocínio dela, Jonas a queria impedir:

– Megan, eu não te posso deixar fazer isso.

Of course you can. Contra mim, eles não podem fazer nada. Os nossos advogados são muito bons.

Vendo as reticências paternas, ela tentou antecipar logo a resolução de um problema:

Dad, me promete que você não vai voltar por minha causa.

Peanuts…

– Me promete, dad. Pinky swear. – pediu ela, envolvendo com o dedo mindinho o dedo mindinho de Jonas.

– Prometo. Eu te amo, filha.- despediu-se ele, a abraçando.

– Isto não é adeus, dad.

Poderia não ser um adeus, mas não seria no imediato que ocorreria o reencontro entre os dois.

Foi o que Megan constatou quando foi levada para ser interrogada pelo FBI quanto à sua participação naqueles atos. Tratada como uma prisioneira de guerra, teve que aguentar várias rondas de perguntas para as quais não queria dar resposta.

Como a tinham colocado em regime de isolamento, Megan tinha temido que o FBI tivesse proibido que ela recebesse visitas. Foi, por isso, um alívio quando, ao fim de alguns dias, permitiram que ela recebesse Pamela e Ernesto numa das salas de interrogatório.

Thank God! – agradeceu Megan, abraçando os dois ao mesmo tempo – Julguei que esses bastards não me iam deixar ver ninguém.

– Eles não tiveram escolha. Era isso ou a sua avó Berènice obrigava a França a declarar guerra aos Estados Unidos. – comentou Ernesto.

Sweety, o que é que você tinha nessa cabeça? – perguntou Pamela abraçada à sua baby.

Oh, please, mom. E o que é que dizem os nossos advogados?

As notícias que Pamela tinha para oferecer não eram muito boas:

Well, é aí que a porca torce o olho…

– O rabo, meu amor. A porca torce o rabo. - corrigiu Ernesto.

Ok. - assentiu Pamela - O problema é que o seu dad já está no topo dos most wanted. Não vai ser fácil, sweety, mas nós vamos conseguir te tirar daqui.

– Eu sei que sim, mom. - assentiu a bad girl – Como é que está tudo lá fora? A verdade, please.

Well… a Marra está um pouco com problems, you know, mas não quero que você se preocupe com isso. – respondeu a sua mom, a afagando.

I won´t, mom. Eu confio em você.

Acabando o tempo da visita, Megan apertou forte a mãe, não sabendo quando seria a próxima vez que a veria e se despediu calorosamente do seu amigo.

– Toma bem conta da minha mom, Ernesto. - pediu ela.

– Claro que sim, Megan.

Era um alívio para a bad girl saber que a sua mãe iria contar com o apoio do empresário durante aquele período. Mãe coruja como era, Pamela nem sabia como é que não tinha invadido aquele centro de detenção para recuperar a filha.

Antes de sair, a princesa Shelda tinha mais um pedido velado, mas já antevia a resposta de Megan:

Sweety, o Davi está aqui fora. Você não quer falar com ele?

– Ainda não, mom. - respondeu a mais jovem, voltando a sentar-se.

Fora daquelas quatro paredes, as reações também se precipitavam.

A brigada das mães não deixou Davi em paz por muito tempo. Com o império Marra em rápido declínio; Pamela, Sandra e Rita fizeram questão de chamar à sua responsabilidade um dos principais herdeiros.

– Vocês sabem que eu nunca quis ter nada a ver com uma empresa como a Marra. - foi a resposta de Davi, frente àquela muralha de mulheres.

– Davi, eu não posso aguentar sozinha essa situação na Marra, you know. Preciso de alguém que perceba de tecnologia. - foi a resposta de Pamela.

Aquilo que tinha sido o maior grupo empresarial da área, a cada dia perdia uma fortuna e os milhões de funcionários por todo o mundo já pensavam que os seus postos de trabalho estavam em perigo.

– Filho, todas as ações têm repercussões. A Marra é também o ganha-pão de muita gente. Você vai ter que assumir responsabilidade pelo que fez. - disse Sandra, tentando fazer ver a necessidade de ele assumir a empresa.

– Não fui eu quem cometeu uma série de crimes. - defendeu-se ele.

– E o que é que isso tem a ver com garantir com que os funcionários da Marra consigam por comida em cima da mesa? - perguntou Rita. - Eles também não têm culpa de nada.

Sweety, vai ser você a explicar para a Megan, quando ela voltar, porque é que já não existe mais a Marra? - perguntou Pamela, pondo um ponto final na conversa.

Encarando a situação como um castigo, Davi acabou assumindo a presidência da Marra, logo a última cadeira do mundo em que ele se queria sentar.

O único bônus que ele tinha tirado da situação tinha sido o de, ao se enterrar em trabalho, não estar continuamente pensando na sua bad girl encerrada numa cela de prisão.

Ocupando o escritório que tinha sido o do pai, ele via agora que não era fácil a tomada de decisão dentro de uma multinacional como aquela. Tendo de tomar decisões vitais em milissegundos, era uma luta diária não desabar perante os ataques dos adversários.

Curiosamente, Davi se sentia agora mais próximo de tentar perceber Jonas. Se ele já tinha dificuldade em navegar aquelas águas infestadas de tubarões e mal tinha começado, como é que o pai tinha aguentado viver assim mais de duas décadas?

Umas semanas depois da mediática fuga do Marra-Man, o FBI foi finalmente obrigado a libertar Megan, não tendo conseguido obter dela nenhuma informação relevante.

Contrariamente ao que todos tinham esperado, Megan não regressou a casa, preferindo enfiar-se dentro de um avião e embarcar numa viagem à volta do mundo. Atrás dela seguiu uma equipa especializada do FBI, esperando que ela se fosse encontrar com Jonas. Mais tarde o diretor da agência chamaria àquela situação uma wild goose chase, mas naquele momento começaram a surgir relatos que colocavam o Marra-Man em diversos pontos do planeta. Existiam relatos de avistamento de Jonas Marra em Buenos Aires, em Fez, na Antártida e em mais meia dúzia de locais.

Aliás, o FBI tinha montado uma teia tão intrincada de vigilância que ninguém, entre família e amigos, escapou. Até os ramos de rosas vermelhas que Verônica recebia diariamente eram analisados ao microscópio.

Todo aquele aparato se prolongou no tempo e acabou tornando em rotina.

Uns dias antes do Natal, Davi continuava atolado em trabalho ainda que as ações da Marra já recomeçassem a subir de valor, após uma queda desastrosa.

Bocejando e já caindo de sono, Verônica bateu na porta para entregar uns ficheiros, já que se preparava para ir para casa.

– Com essa história, você ficou cheia de trabalho, não é? - comentou Davi, lendo por alto os comunicados que ela havia preparado.

– Não mais do que você, Davi.

Ele fingiu que não tinha percebido a indireta e continuou a analisar a papelada.

– Tá. Isso me parece tudo certo. Você pode enviar tudo para a imprensa amanhã. - concluiu Davi.

Pegando a bolsa, Verônica já transpunha a porta quando resolveu desabafar com ele:

– Você está enganado, sabe? O Jonas sempre se preocupou muito com você. Foi ele quem doou o dinheiro que a Brazuca precisava para arrancar. E ele quis fazer tudo em segredo só para você não recusar.

Suspirando, ela deixava vir à tona as lembranças do tempo passado com o Marra-Man.

– Davi, o Jonas sempre acreditou em você enquanto pessoa e profissional. Parece que o teu pai te conhece melhor do que o que você conhece o Jonas. Até amanhã.- se despediu ela.

Verônica não seria a última visita que entraria no escritório de Davi naquele final de tarde de Dezembro. Minutos mais tarde a porta voltou a abrir e Manuela se deixou entrar no cômodo.

– Oi. Posso entrar?- pediu ela, já estando lá dentro.

– Claro, Manu.- assentiu ele.

Originalmente não tinha estado nos planos da hacker uma aproximação no plano pessoal a Davi, mas sabendo o quão ingênuo ele era e visto que ele agora ocupava a presidência, ela tinha juntado a fome à vontade de comer. Afinal de contas, ele lhe podia ser muito útil aos seus planos e Davi não era de todo de se deitar fora.

– Tava pensando que a gente podia ir para minha casa, sei lá, fazer qualquer coisa. - pediu a pernambucana, serpenteando até se aproximar perigosamente dele.- Eu comprei uns games novos e a gente podia jogar.

– Desculpa, mas hoje eu não estou com cabeça. - acabou respondendo o nerd, se inclinando na direção oposta à dela.

– Ah, qual é Davi. Você está sempre dando para trás. A gente é amigo há tanto tempo, você sabe que pode confiar em mim. - continuou ela, colocando as mãos nos ombros do bom moço e o beijando de surpresa.

– O que é que você está fazendo? – berrou ele, se afastando com nojo dela e limpando a boca.

Surpresa por ter sido rejeitada, a guerreira Maya arregalou os olhos vendo a expressão do presidente da Marra:

– Pensei que como você e a Megan já acabaram tudo há mais de dois meses…

Ele não lhe deu hipótese de pensar em mais nada, comentando irado:

– Pensou errado. A nossa separação é só temporária e mesmo que não fosse. Eu amo a Megan. Nunca vai poder existir outra pessoa para mim. Muito menos você.

Furiosa, Manu abandonou a sala sem dizer uma palavra. Ela ainda podia ter retorquido que Davi iria pagar bem caro por estar fazendo aquilo com ela, mas Manuela nunca tinha sido aquele tipo de pessoa que diz as coisas às claras.

Gambiarra, 2014

Megan acabou voltando para casa para passar o Natal com a família que ela tinha reunido ao longo dos anos.

Os habitantes da Gambiarra aproveitaram o fato para fazerem uma festa no dia do seu regresso. Em defesa deles, eles aproveitavam qualquer oportunidade para fazer uma celebração espontânea, mas Megan era uma deles.

Com uma recepção digna de um político em alta à sua espera, foi uma loira radiante quem distribuiu abraços por todos os seus kids e pelos mais graúdos também. Ainda que só se tivessem passado dois meses, Megan tinha sentido muita saudade de estar ali.

Pudesse Davi fazê-lo, ele a teria tirado dali na hora e se teria trancado com ela na garagem até ela o perdoar e voltar para ele. Como tal não era possível, ele teve que que se contentar com estar perto, mesmo estando longe e acabaram passando a época natalícia debaixo do mesmo teto, mas com a cabeça em sítios diametralmente opostos.

Uns dias mais tarde, usando como desculpa o fato de ter que entregar Linus a Megan, já que eles haviam acordado na guarda partilhada do bicho, Davi se dirigiu na direção da casa da loira ainda a tempo de ver Zac Vírus saindo pela porta.

Golias teve que apertar com com força os punhos vendo Megan murmurar um “Thank you” para o hacker de olhos claros, o abraçando com demasiada familiaridade.

Medindo forças através de contacto visual, os nerds se digladiaram em silêncio, enquanto Megan se despedia de Zac.

Mordido de ciúmes, Davi não deixou escapar a oportunidade de ser irônico quando o outro hacker saiu do seu campo visual.

– O Zac tem sido um grande apoio para você, não é?

– Não mais do que a Manuela tem sido para você, Davi. Pelo que me disseram vocês não se desgrudam, right? – respondeu a bad girl.

Davi parecia possuído quando entrou na garagem, derrubando tudo pelo caminho. Ernesto, que o esperava, teve que se desviar para não ser atingido por nenhum projétil:

– Cara, a terceira guerra mundial começou e ninguém me avisou? - perguntou a nova cara-metade de Pamela Parker.

– Acabei de ver o Zac Vírus saindo da casa da Megan.- explicou o nerd.

– E depois? Eles se conhecem da empresa, podem ser amigos. - comentou Ernesto, encolhendo os ombros.

– Amigos uma ova. Esse Zac não é amigo de ninguém. - foi a resposta amarga de Davi.

Vendo que o desabafo ia ser longo, Ernesto se sentou e incentivou o bom moço a fazer o mesmo.

– Davi, não faz sentido nenhum você ficar assim. Quando se resolver o problema com o seu pai e a Megan se livrar do FBI, vocês se acertam, tenho a certeza.

– O FBI não tem nenhuma prova contra a Megan. - comentou casualmente o hacker.

– E como é que você tem a certeza disso?- perguntou o seu sócio.

– O Golias invadiu o sistema do FBI. - foi a resposta de Davi.

– O Golias…. você invadiu o sistema do FBI! Droga, Davi…. isso é crime, cara!

– Eu precisava saber o que eles tinham contra a Megan… e me livrar das provas, se possível… eu não ia deixar que ela ficasse presa.

Refletindo sobre o assunto, Ernesto não pode deixar de sorrir ao comentar:

– Davi, você já pensou que se calhar você não é assim tão diferente do Jonas? Como é que a Megan diz… the apple doesn't fall far from the tree, right?

Para Davi as madrugadas eram agora compridas. Havia sempre trabalho para acabar ou havia sempre em quem pensar.

Ele estava respondendo a uns e-mails sobre uma possível parceria com uma empresa japonesa quando recebeu um link para um vídeo de um usuário chamado Pedro_M. O “M” só podia ser de Marra. Admitindo que o falecido pai de Jonas não lhe andava a enviar vídeos do além, o emissor só podia ser outra pessoa.

No vídeo se via um Jonas Marra abatido, mas ainda com o seu reconhecido charme. Numa sala sem nenhum elemento identificável, ele se posicionara como um profissional diante da câmara parecendo encarar diretamente os olhos do filho:

– Davi, eu espero que um dia a gente ainda se consiga acertar. De todas as asneiras que ao fiz ao longo da vida, e foram muitas, a maior foi talvez a de não ter tentado isso antes, quando ainda dava tempo de evitar muita burrada.

Pausando, ele pareceu olhar para qualquer coisa que ficava fora do campo de visão da câmara, antes de continuar:

–Eu não posso mudar o que você pensa de mim enquanto pessoa, mas eu gostava que você me conseguisse ver enquanto seu pai, porque esse sempre foi o verdadeiro Jonas. Eu te amo.

Quando o vídeo encheu o ecrã de negro, era como se Davi tivesse levado um murro no estômago.

Algumas horas mais tarde, Megan acordou com barulhos estranhos vindos da sala. Ela ainda esperou que Linus se levantasse para escorraçar o potencial ladrão de sua casa, mas o cão apenas levantou a cabeça e olhou placidamente para ela.

Really, Linus?” pensou a bad girl enquanto pegava no taco de basebol que ela guardava atrás da porta e se preparou para ser ela mesma a enfrentar o invasor.

Empunhando o taco em posição de ataque, ela ligou repentinamente a luz da sala para encontrar um Davi claramente bêbado, lutando para tirar a roupa.

Dammit, Davi! Você me pregou um susto. O que é que você está fazendo aqui?

– Ué. Eu vim dormir com a minha mulher.- acabou ele por responder, se permitindo a um pequeno sorriso de vitória quando conseguiu finalmente tirar a camisa.

Ela esperava que ele estivesse realmente muito bêbado para se estar comportando daquela forma.

Se existem vários tipos de bêbados, então Davi sofria de personalidade múltipla, porque encarnava várias variantes.

Se até então ele era o bêbado alegre, abraçando Megan para tentar dançar com ela, aos poucos ele se foi agitando e, em vez de o colocar dali para fora, a bad girl teve mesmo que o colocar na cama dela.

Jesus, Davi. Eu não quero ter que acordar os seus tios ou a sua mom, por isso please stop e se acalma.- pedia ela, o ajudando a tirar os sapatos e o impedindo de tirar mais roupa.

Ele sorria feito bobo, tentando segurar algumas madeixas do cabelo dela, mas Megan não o deixava tocar nela.

Wait here. - pediu ela - Eu vou na cozinha preparar um chá para você.

– Não vai, não. - determinou ele, a puxando para a cama.

Se desemaranhando de um abraço que parecia o de um polvo, ela finalmente se conseguiu desenvencilhar de Davi e antes de sair para a cozinha ainda deu instruções a Linus:

Boy, se o Davi sair dessa cama é para você o morder, ok?

Latindo em sinal de assentimento, o animal voltou ao seu sono.

Sozinho no quarto, Davi começou a mexer naqueles objetos tão familiares e, ao abrir a gaveta do criado mudo, constatou que as coisas dele ainda estavam lá dentro, tal como ele as havia deixado. Podia parecer um motivo estúpido, mas a cena o fez chorar.

Quando Megan regressou ao quarto com uma caneca fumegante na mão foi ainda outra a personalidade que ela encontrou. Davi era agora o bêbado melancólico que chora abundantemente.

– Eu sou um otário…burro, burro, burro. Eu sou um burro otário. – repetia ele como um disco riscado.

Se deitando ao lado dele na cama, ela o acalmou como se acalma uma criança pequena, correndo os dedos pelo cabelo dele e o tentando embalar para o sono.

Quando ele finalmente se deixou adormecer, ela encostou a testa na dele e o beijou, sussurrando como se fosse um segredo:

Oh, baby boy, porque é que tem que ser tudo tão complicado….

Quando Davi acordou horas depois, com uma dor de cabeça faraônica, a cama já estava vazia. Megan já tinha saído, deixando apenas um cartão com uma curta indicação: “Fui para a casa de mom”.

Sabendo de antemão que Pamela nem se encontrava no Rio, Davi compreendeu logo a mentira que Megan lhe tentava impingir.

Recolocando a roupa, ele saiu para a rua a tempo de ver o carro da loira e Ernesto lá dentro.

– Cadê a Megan? - perguntou o nerd esbaforido, se colocando na frente da viatura.

– Bom dia para você também. A Megan pediu para trocar de carro comigo. – explicou o empresário.

Pensando rápido, Davi já se tinha livrado dos sintomas da ressaca:

– Ernesto, o seu carro tem GPS, não tem?

Rio de Janeiro, 2014

Megan entrou no primeiro de uma série de galpões que aparentavam estar abandonados e quando chegou numa porta semi escondida digitou o código de acesso.

Tão distraídos tinham estado os agentes do FBI correndo atrás da bad girl à volta do mundo que não se tinham apercebido que o grande Jonas Marra sempre tinha estado debaixo dos seus narizes, escondido num galpão que o tio Peter Parker tinha comprado no Rio de Janeiro havia mais de dez anos e nunca havia usado.

A loira não pode evitar a emoção que sentiu ao abraçar o pai que já não via há mais de dois meses.

– Senti tanto a sua falta,dad.

– Eu também. A sua avó não é grande companhia.- brincou ele - Ainda bem que você recebeu o meu vídeo.

Megan acabou se assustando quando viu que não estavam sozinhos, já que Murphy emergiu das sombras.

Dad, what? – perguntou ela sem compreender.

– Calma, Peanuts. O Murphy me está ajudando. Eu tenho que desaparecer de vez.

Eram demasiadas surpresas para a cabeça da loira:

Wait, what? No, agora você não precisa mais fazer isso. Dad, eu sei que acabou demorando mais tempo do que o previsto, mas eu tenho as provas. Eu sei quem provocou o acidente com grandpa e quem colocou aqueles documentos falsos nos servidores da Marra.

– Quem, Peanuts?

– A Manuela Yanes.

Atónito, Jonas não podia acreditar na veracidade da informação:

– Megan, o que você está dizendo não faz sentido nenhum. A Manuela nem trabalhava na Marra há três anos e o que é que ela pode ter contra mim?

I don´t know. Eu só sei que foi ela. O Zac Vírus a esteve investigando e ele conseguiu as provas que comprovam que foi a Manuela a hackear a Marra e o avião. Isso é true para além de qualquer dúvida, dad.

– Não acredito. - continuou Jonas - Ela nunca teria como ter feito isso sem que alguém a ajudasse a entrar nos nossos servidores.

Pegando nas mãos do pai em tom de súplica, Megan olhou fundo nos olhos dele:

– Dad, please, isso muda tudo.

Consternado, Jonas abanou a cabeça em negação:

– Não, isso não muda os meus planos. O FBI me quer pegar de qualquer jeito e eu não posso deixar isso acontecer. Eu vou desaparecer.

Se nem o pedido da filha o demovesse, nada o demoveria:

– Dad, please stay. Fica, assume o que você fez e começa de novo. Só assim a gente pode ser feliz.

No mesmo momento tocou o alarme que anunciava uma violação do perímetro e o Marra-Man pegou no revólver, dando indicação para Murphy levar Megan dali:

– No fundo do corredor há uma porta com ligação para o edifício ao lado. Vão. Rápido.

Antes de perder a filha de vista, Jonas viu um par de olhos de borboleta fazendo pedidos silenciosos.

Não foi por acaso que, quando recebeu aquela confirmação do local em que Jonas Marra se encontrava, Herval resolveu ir sozinho ao encontro do seu arqui-rival. Afinal de contas, atendendo ao destino que ele queria dar a Jonas era bom mesmo não existirem testemunhas.

Contudo, o surpreendido acabou sendo Herval quando entrou no galpão e Jonas Marra já lhe tinha apontado uma arma à cabeça.