Rio de Janeiro, 2014

Murphy já se preparava para abrir a porta que dava para a rua quando percebeu que Megan fazia uma chamada no celular.

– O que é que a Miss Marra está fazendo? - perguntou ele, tirando a mão da maçaneta e se voltando na direção da loira.

– Estou ligando para a Police, of course. - explicou Megan - Nem pensar que vou deixar dad sozinho numa situação dessas.

A expressão do subordinado se fechou na hora e ele tirou calmamente uma arma do bolso, apontando-a com demasiado à vontade na direção da americana.

Como se se tratasse de um ator profissional, tudo na postura dele mudou. As costas encurvadas desapareceram para dar lugar a uma altivez petulante e a voz submissa se evaporou, sendo ocupada por um tom metálico de quem não tem emoções.

– Lamento, mas não a posso deixar fazer isso. - indicou Murphy, dando um passo na direção de Megan, que se apercebeu ter ficado completamente encurralada.

Deixando o seu celular se estilhaçar no chão, só um breve comentário se escapou dos lábios da bad girl de olhos arregalados:

– Oh, you've gotta be kidding me…

No edifício ao lado em vez de uma arma apontada a um Marra, havia uma arma empunhada por um elemento daquela família.

Com a experiência de anos de prática, não tivesse ele vivido nos Estados Unidos, Jonas controlava aparentemente aquela situação.

Long time no see. - ironizou Herval, se recusando a levantar as mãos em sinal de rendição.

– E por mim a gente tinha ficado sem se ver durante o resto das nossas vidas. - continuou o Marra-Man.

– Até a gente se encontrar no inferno? - perguntou o ex-sócio de Jonas.

– Até a gente se encontrar no inferno. - confirmou o pai de Megan e Davi.

O mundo tinha rodado muitas vezes sobre si próprio desde que os dois tinham estado pela última vez cara a cara, doze anos antes. Muita água tinha passado por baixo de muitos moinhos e o que tinha continuado a ser a ascensão meteórica de um, tinha sido a queda vertiginosa de outro.

Já quase nada restava dos dois jovens idealistas que no final dos anos 80 do século anterior tinham criado uma startup com nada mais do que meia dúzia de ideias e muitos sonhos de grandeza.

Longe estava o tempo em que eles eram os melhores amigos, refletindo um no outro a vontade de mudar o mundo. Agora eram só dois homens desiludidos com a vida, agarrando-se precariamente ao que julgavam ser o que os mantinha vivos: Herval cego por vingança e Jonas lutando para manter o poder como senhor do seu destino.

– Finalmente acabou, Jonas Marra. Aliás, você está acabado.

–Você se esquece de quem tem uma arma na mão, Herval.

– E você se esquece de quem é o homem mais procurado do mundo nesse momento, o mesmo homem que esteve vivendo aqui como o rato de esgoto que é.

Se movimentando lentamente, os dois homens descreviam um círculo, qual ciranda ininterrupta de ódios antigos não esquecidos.

Jonas via em Herval a sombra do homem que ele tinha sido décadas antes. O que Jonas tinha na sua frente era um homem que tinha desperdiçado a vida em busca de uma vingança inútil. O antigo sócio do Marra-Man podia ter feito tanto com a vida dele, podia ter corrido atrás dos seus sonhos, podia ter recuperado o tempo perdido na prisão.

Em vez disso ele se tinha tornado num obcecado com apenas uma ideia na cabeça: destruir Jonas. Quem é que podia ser feliz dedicando a vida a um objectivo oco, como um falso ídolo, se tornando num viciado que não consegue obter satisfação com mais nada?

Subitamente era como se Herval se tivesse tornado num espelho e Jonas se viu reflectido no seu antigo sócio. Também ele era culpado de tudo quanto acusava Herval de ter feito. Também ele tinha perdido a alma, vendendo-a ao mais alto licitador.

A sua droga podia ser outra, mas muito pouco o separava de Domingues. Se um se alimentava com pensamentos de vingança, o outro só se nutria com o poder alcançado.

O Marra-Man acabou baixando a arma. Seria demasiado cobarde atirar sobre um homem destruído. Seria perturbadoramente poético matar uma versão de si mesmo.

– Porquê isso tudo? Me incriminar pelo que não fiz é uma coisa, mas você matou centenas de inocentes. - acusou Jonas.

– Ficou doido de vez, Jonas? Aqui o assassino é você, não eu.

Ordenando pensamentos baralhados, o maior cérebro da sua geração procurava descortinar a verdade.

–Eu não fiz cair aquele avião. Escuta, aparentemente foi uma programadora chamada Manuela Yanes quem provocou o acidente. – disse Jonas.

Herval acabou rindo, como se Jonas tivesse contado uma boa piada:

– Não tente inventar desculpas. Só você tinha acesso ao programa de controlo. Além disso, você não sabe meu caro, mas a Manuela é uma das minhas agentes. Porque é que ela faria isso?

Os neurônios do Marra-Man processavam a informação a uma velocidade avassaladora. Como peças de um puzzle, tudo finalmente se começava a encaixar dentro da sua cabeça.

– Pois é, Jonas. Você que é tão inteligente nem se apercebeu que estava cercado por agentes infiltrados, mesmo tendo um do seu lado todos os dias.

Uma lâmpada metafórica se acendeu em cima da cabeça do pai de Megan. Um tolo rematado. Ele tinha sido um tolo por não ter visto o que tinha estado sempre diante dos seus olhos. Um burro da pior espécie por ter confiado a vida da filha àquele sujeito.

No prédio ao lado, Megan continuava debaixo da mira de Murphy. Aquele indiano de araque abriu a porta e assobiou como sinal para a sua partner in crime entrar no edifício.

Quando Manuela transpôs a porta, todos os músculos do corpo de Megan se contraíram preparando para o ataque, mas a Smith & Wesson de Murphy a segurou no mesmo sítio.

Se inclinando sobre Murphy, Manuela o engoliu com um beijo.

Megan não tinha palavras para descrever aquele beijo asqueroso, mas tinha um som: blergh. Só mesmo uma onomatopeia para descrever adequadamente aquele ósculo cheio de baba entre a nerdestina e o Marra-Capacho.

Quando, na primavera de 2009, Manuela Yanes tropeçou em Murphy num pequeno café em São Francisco, foi como se fosse um encontro preparado pelo demônio.

Farto de ser tratado como um capacho pelo Marra-Man, Murphy procurava a sua melhor hipótese de vingança. Já Manuela procurava ascender no mundo da tecnologia, visando sentar-se no trono de uma grande corporação. Um psicopata nunca sonha pequeno.

Juntos, orquestraram um plano para derrubar os Marra, aniquilando preferencialmente Jonas e mirando colocar Manuela numa posição de destaque dentro da empresa.

Nada daria mais prazer a Murphy quanto ver Jonas sem família, sendo preso pelo que não fez.

Encarado como uma sombra acéfala de Jonas, não foi difícil a Murphy acumular provas das indiscrições do empresário e ter acesso a informação confidencial sobre a empresa.

Tinha sido quase como roubar um doce a uma criança quando o indiano obteve a gravação de Jonas e a sua amante naquele elevador do Ritz, guardando-a para o momento em que lhe interessava fragilizar o casamento dos Marra. Do mesmo modo, tinha-lhe sido tremendamente fácil fornecer a Manuela acesso a todos os programas da Marra, o que lhe permitiu inserir documentos falsos nos servidores e derrubar Jack no momento exato.

Claro que o plano tinha sofrido alguns pequenos reveses. Primeiro, quando Manuela foi presa por outros delitos e teve que fingir cooperar com o FBI, outros tolos que caíram na lábia da nerdestina. Depois, quando Megan saiu ilesa do acidente que Murphy preparou. Aparentemente, o indiano não tinha muito talento para armadilhar carros.

Como pináculo de malvadez, o indiano tinha avisado Herval do paradeiro de Jonas. Agora, Murphy e Manuela tinham finalmente colocado todas as peças de xadrez no sítio certo e só tinham que se sentar esperando, observando Jonas e Herval se destruindo mutuamente, o que abriria caminho para o casal acabar por assumir a Marra.

Restavam apenas duas pequenas pedras no seu caminho. O tonto ingênuo de Davi, que Manuela esperava vir ainda a controlar e a loira de olhos faiscantes diante deles.

– Eles já sabem que foi você, chuchuzinha, quem fez cair o avião. - explicou Murphy, com um braço em volta da sua guerreira Maya.

– Quem sabe?

– A Megan e o Zac.

Manuela acabou sorrindo num tom de escárnio:

– Do Zac eu trato depois. E essa patricinha de Beverly Hills já não vai sair daqui.

Se ela achava que ia incutir medo em Megan estava muito enganada. A loira se colocou em posição de ataque. A bad girl podia não ter hipótese contra uma arma, mas não desistiria sem dar luta:

Come here, you bitch e eu te mostro a patricinha de Beverly Hills.

Sorrindo de lado, Murphy passou uma arma à sua Manu porque ainda tinha assuntos inacabados:

– Eu vou ver qual desses idiotas matou o outro. E se o Jonas ainda estiver vivo, bem… acho que você vai ser órfã em breve. - explicou o criminoso a Megan antes de voltar a fazer o trajeto até ao primeiro galpão.

Sozinhas naquele piso, era uma questão de tempo até Megan ou Manuela tomarem o primeiro passo. O que a brasileira não contava era que o primeiro movimento fosse o de uma americana versada em artes marciais.

Com um golpe certeiro, Megan fez saltar a arma da mão de Manuela até ela desaparecer de vista.

Dad sempre disse que eu ia precisar de ter aulas de autodefesa. Ainda bem que eu acabei aceitando. – explicou a loira com os punhos levantados.

Recuperando da surpresa, a guerreira Maya também se preparou para atacar:

– Vem cá, que eu vou arrebentar essa tua cara insuportável!

Rolando pelo chão, a luta das duas já não tinha nada a ver com as regras de nenhum desporto conhecido. Era apenas a fúria desmedida de uma versus a inveja mal escondida de outra:

You bitch! Você matou o meu grandpa! – vociferava Megan, arrancando um tufo do cabelo da nerdestina.

– Qual é? Cê nem dá conta do teu homem. – atacava a programadora - O Davi tem um beijo bom, não é? Eu testei em primeira mão e ele implorou por mais.

Perdendo a cabeça, a loira estapeava a morena com a força de um animal selvagem.

Jonas podia também ter tido aulas de autodefesa, mas o que mais o ajudou naquele momento foram os seus olhos de lince. Reparando na arma que Herval tinha escondido nas costas e que tentou tirar sub-repticiamente, o Marra-Man se lançou sobre o seu antigo amigo antes que ele pudesse atirar.

No confronto físico que se seguiu já as armas tinham caído pela grelha de esgoto, mas os homens continuaram a luta usando os seus próprios punhos.

– Você destruiu a minha vida, Jonas! – berrava Herval entre uma e outra investida.

Jonas não podia negar que isso era em grande parte verdade. Ele tinha deixado que Herval pagasse por um crime que tinha sido o dele, cumprindo uma pena que era sua. Mas, apesar da culpa, o pensamento do empresário estava com a filha que estaria naquele momento nas mãos de um psicopata. Nem que ele tivesse que partir os dedos na cara de Herval, ele tinha de arranjar forma de poder correr atrás de Megan e Murphy.

Quando parecia que a luta se iria desenrolar a favor de Herval, o ex-diretor da PLUGAR acabou caindo redondo no chão.

Chegando da rua após ter ido fazer compras para reabastecer a despensa, Gláucia Beatriz tinha partido uma garrafa na cabeça de Domingues, vendo o sujeito atacando o seu filho.

– Eu te disse que uma garrafa de vinho dá sempre jeito. - comentou a matriarca Marra, se certificando que Herval estava mesmo inconsciente e que o filho recuperava o fôlego.

Habituado a mandar, o Marra-Man já tinha uma série de ordens para a mãe:

– É preciso amarrar o Herval. Depois disso, você vai chamar a polícia. Eu tenho que ir atrás da Megan.

Sem esperar a resposta de Gláucia, Jonas correu de imediato pelo corredor.

Aquilo que Jonas não tinha visto tinha sido que Murphy tinha assistido ao desenrolar de toda aquela cena e, assistindo a um número crescente de pessoas dentro daquele galpão, resolveu fugir com a sua chuchuzinha até pensar num plano de regresso.

Faltava ainda um interveniente para se poder desenrolar o ato final.

Quando Davi encontrou o carro de Ernesto estacionado naquele fim de mundo depressa percebeu que não tinha sido propriamente para fazer shopping que Megan tinha escolhido aquele destino.

O bom moço ainda tentou entrar no primeiro galpão que a sua vista alcançava, mas só encontrou uma porta que exigia um código que ele não tinha tempo de hackear.

Seguindo para o edifício adjacente, os seus olhos pousaram numa janela que já não devia ser lavada há muito tempo, porque estava completamente opaca. Ruídos abafados pareciam provir de dentro daquelas paredes e o nerd resolveu esquecer o conceito de invasão de propriedade alheia.

Partir uma janela parecia ser muito fácil nos filmes, mas não era assim tão prático na vida real. Se permitindo rir em desânimo só à terceira tentativa conseguiu Davi quebrar o vidro com uma pedra e, cuidadosamente, ele se introduziu no prédio.

Soltando um palavrão cabeludo quando se cortou no braço ao roçar num pedaço de vidro, Davi ainda pensou que um super-herói não procedia assim, mas como ele e Megan tinham aprendido super-heróis não existiam. O seu único poder, se ele o tinha, era o de ser capaz de tudo pela sua bad girl.

Saltando da janela, Davi não teve que correr muito para a encontrar. Desgrenhada, mas com fogo nos olhos, ela segurava com raiva um sapato na mão, debruçada sobre um corpo inerte.

Aos pés de Megan se encontrava uma Manuela inconsciente, parecendo ter sido arranhada de alto a baixo por uma jaguatirica e com a marca do salto de americana bem no meio da testa.

– Giuseppe Zanotti, honey. Não quebra por nada.- explicou a loira, voltando a colocar o sapato no pé.- Eu nem sequer vou perguntar como você encontrou este sítio.

Abanando a cabeça completamente perdido, Davi não sabia para onde se voltar. Nos livros, o príncipe encantado salvava a sua princesa do dragão malvado com a sua espada. Em nenhuma fábula ele tinha lido que a princesa se desenvencilhava com a mesma desenvoltura de Megan, que já procurava cordas para amarrar o seu dragão. E por falar em dragão:

– Megan, eu não estou entendendo… o que é que você está fazendo aqui com a Manu?

Não perdendo tempo, Megan já aproveitava as lições de vela que tinha tido em criança para amarrar bem Manuela. Nem David Copperfield conseguiria sair daqueles nós de marinheiro.

Abrindo um armário, a loira deu indicação para Davi a ajudar a pegar no peso morto da nerdestina, antes de responder ao seu baby boy:

– A sua precious Manu é a verdadeira culpada pela queda do avião que matou o meu grandpa e foi ela quem introduziu os documentos fraudulentos nos servidores da Marra.

Deixando cair a cabeça de Manuela no chão duro, Davi era um poço de cepticismo.

– O que é que você está dizendo?

– Que enquanto você estava like, desconfiando de dad, o Zac me ajudou a provar quem era a verdadeira culpada.

Processando a informação, Davi ajudou Megan a colocar Manuela dentro do armário e a bad girl trancou a porta com um martelo. Vendo como ele finalmente começava a compreender a situação a loira teve vontade de gritar “Eureka”, mas a situação era demasiado séria.

– Enquanto você estava like, com ciúmes bobos, o Zac estava nos ajudando. – continuou ela, sentindo necessidade de se explicar com ele.

– Espera, e o Jerôme?

– O meu dad? Davi, foi um acidente. Pode parecer que não, mas acidentes ainda acontecem.

Se a cabeça do nerd não começasse a andar à roda com aquela situação, nada o faria. Julgando que estava fazendo o certo, ele tinha errado demasiado tanto com o pai como com a mulher que amava.

– Desculpa. - pediu ele - Eu sei que isso não chega, mas eu quero pedir desculpa.

Tentando descobrir a chave para destrancar a porta por onde Murphy tinha saído, a bad girl se virou para o seu baby boy num tom de surpresa:

Really, Davi? Você quer fazer isso agora?

– A gente já perdeu tempo demais. – respondeu ele, mesmo do lado dela.

A loira bufou e, caminhando depressa, resolveu tentar forçar a porta que dava para a rua, mas a porta também estava trancada. Correndo a mão pelo cabelo, ela tentava calcular se seria possível tentar alcançar a janela alta por onde Davi tinha entrado quando ele explodiu e a agarrou.

– Eu errei. Era isso que você queria ouvir? – disse ele.

O segurando pelo colarinho, ela lhe deu um beijo rápido, mas intenso, sorrindo para o seu nerd.

–Eu também te amo, Davi. Agora, let´s go! – pediu ela, tentando trepar até à janela.

Nunca se vira as costas a um inimigo. Essa era uma lição que Megan e Davi iriam aprender naquele instante.

Quando Murphy bateu em retirada para recolher a sua amada Manu, encontrou os jovens Marra tentando escapar, mas nem sinal da sua chuchuzinha.

– O que é que se está passando aqui? – perguntou o vilão.

Ouvindo gemidos abafados dentro do armário, o indiano compreendeu que não tinha tempo a perder.

– Não tenho nada de pessoal contra vocês, mas não posso deixar testemunhas. – disse ele, destravando a arma.

O único reflexo de Davi foi o de abraçar Megan, usando o próprio corpo como um escudo humano para a proteger.

Nos poucos segundos que se seguiram o tempo passou em câmara lenta e, enquanto o casal focava nos olhos um do outro, ouviram três tiros a serem disferidos com um compasso de espera inquietante.

Preocupado em verificar rapidamente se Megan tinha algum ferimento, o nerd demorou a perceber que também ele tinha escapado miraculosamente de ser atingido.

Atribuindo a ausência de dor à adrenalina do momento, Davi só percebeu o destino das balas quando Megan, de olhos esbugalhados, o virou e ele viu o corpo caído entre eles e Murphy.

Entrando precipitadamente no cômodo, Jonas tinha literalmente dado o corpo à bala pelos filhos, colocando-se entre os disparos e eles. Correndo até ao pai, Davi e Megan tentavam estancar com as próprias mãos o sangue que escoava pelas feridas do Marra-Man, não se preocupando com Murphy , que aproveitou a brecha para conseguir fugir.

Sentindo os efeitos da hemorragia profusa, Jonas começou a perder a consciência, estando prestes a entrar num choque hipovolêmico. A voz dos seus aflitos filhos ecoava na sua cabeça, embalando o seu transe.

Dad, por favor, fica com a gente.

– Pai, cê tem que ficar acordado até chegar ajuda.

Um líquido salgado banhou a face do empresário. Era Megan, que tinha encostado a face na dele e pedia como quem pede a uma criança:

Dad, please, não desiste. Aguenta por nós.

Fazendo um último esforço para abrir os olhos, Jonas viu as mãos dos filhos manchadas pelo seu sangue e o olhar de desespero que ambos lhe votavam. Não era para menos. O Marra-Man tinha a palidez da morte instalada na cara.

Davi parecia ter envelhecido vinte anos em poucos segundos:

– Pai, por favor me desculpa. Eu me arrependo tanto…eu devia ter confiado…pai…não vai…por favor não vai.

Jonas já não teve oportunidade para dizer ao filho que não o podia perdoar, porque não havia o que perdoar. Se cada um colhe o que semeia, o Marra-Man conseguia naquele momento compreender que os erros que tinha cometido ao longo da vida o tinham colocado ali.

Se o próprio filho o tinha julgado de um modo tão errado, ele tinha em muito contribuído para isso com as suas atitudes. O que nunca tinha mudado tinha sido o amor que ele tinha por Davi e Megan. Por isso, se aqueles fossem os últimos momentos da vida dele, então ele partia em paz porque tinha dado a vida por quem mais amava.

Sentindo-se submergir, o empresário fechou lentamente os olhos, levando como última imagem gravada na sua retina as duas maiores realizações da sua vida.

O choque o levou a um estado de delírio vívido que permitiu que ele viajasse no tempo. Como num sonho real, ele sentia-se numa praia paradisíaca da Jamaica. Aquele dia, se recordava ele agora, tinha acontecido numa viagem em família quando Davi tinha treze anos e Megan dez.

Alugando todo o resort para terem privacidade, Pamela estava fazendo um tratamento de beleza no spa e as crianças brincavam na praia enquanto ele acabava de analisar um relatório sobre uma fusão iminente.

Os filhos tinham vindo ter com ele, para o convencerem a fazer snorkeling com eles, mas mais uma vez, Jonas estava ocupado com a empresa. A sua memória lhe dizia que ele tinha mandado os filhos embora, indicando a um dos instrutores do resort que tomasse conta das crianças, voltando a sua atenção para o trabalho.

Estranhamente era outra a versão dos fatos que ele via diante de si. Em vez do que tinha realmente acontecido, Jonas via agora uma versão mais jovem de si mesmo se levantando e pegando em Megan ao colo, sorrindo e correndo em direção à água, com Davi correndo mesmo atrás de si.

Rindo, eles colocavam as máscaras e entravam no mar calmo de mãos dadas. A água, de um azul cristalino, estava cheia de peixes exóticos e eles cada vez desciam mais e aquele mar parecia não ter fundo.

A leveza da ausência de gravidade que a água lhe conferia o embalava e ele se deixou levar, sentindo uma paz como nunca antes havia experimentado.