Rio de Janeiro, 2014

Quando Megan entrou na sede da Marra não pode evitar rir. Se, seis anos antes, alguém lhe tivesse dito que ela iria crescer para se tornar naquele poço de responsabilidade e num role model para muitas mocinhas, a bad girl teria gargalhado na cara da criatura.

E, contudo, ali estava ela, antes de sequer completar vinte anos, ajudando a governar uma multinacional e a criar verdadeiros impérios. Talvez Davi tivesse razão e eles estivessem pegando o jeito um do outro.

O riso dela mirrou quando ao passar por uma das salas viu Manuela discutindo de um modo aceso alguma coisa com Zac Vírus. As razões que tinham levado à contratação da chata da guerreira Maya ultrapassavam por completo a compreensão da loira.

Tentando passar despercebida, o que era impossível, Megan seguiu na direção do elevador, mas acabou sendo seguida por Zac, que se colocou na frente dela.

– Megan Marra, posso falar com você em privado? – pediu ele, descendo o tom de voz presunçoso que normalmente adotava.

A americana estranhou a abordagem. Ela e Zac já tinham tido algum contato regular um com o outro, mas normalmente só para tratar de algum assunto ligado à empresa, o que normalmente acabava com a paciência dela, já que ele era um enfant terrible que só lhe dava dor de cabeça.

Ok. – assentiu ela, com uma sobrancelha levantada – Acho que a sala de reuniões está vazia.

O hacker olhou em volta e, assentindo com a cabeça, seguiu atrás da loira até à referida sala.

Na sala da diretoria, Jonas Marra suspirou quando terminou de ler o relatório. Por muito de amasse aquela empresa, não gostava mesmo nada daquela pilha de burocracia que o enterrava.

Uma batida na porta anunciou a entrada de Verônica e, sorrindo, o Marra-Man se levantou e ligou o som, fazendo a voz de Etta James ecoar pela sala:

“At last

My love has come along

My lonely days are over

And life is like a song…”

Tomando a assessora nos braços, embalados por aquela voz poderosa, o empresário fez daquela sala uma pista de dança.

– Jonas, isso não me parece muito profissional. – comentou Verônica rindo, com as mãos nos ombros no empresário.

– Dane-se. - resumiu ele numa palavra, a imprensando contra ele - Você conseguiu fazer o que te pedi? – perguntou Jonas, a beijando suavemente.

Se derretendo nos braços do magnata, ela acabou respondendo:

– Sim. E a sua filha já deve estar chegando, por isso acho que é melhor a gente parar.

Rodopiando com ela, Jonas sorriu de um modo maroto.

– Porquê?- perguntou ele - A Peanuts já sabe da gente.

– Jonas, a sua filha me apanhando saindo de sua casa logo pela manhãzinha, com os saltos na mão, não era bem a maneira como eu queria que ela descobrisse.

Ele parou de rodar com ela e, dando de ombros, abraçou a sua cintura.

– Mas esse problema se resolve com facilidade.- comentou o Marra-Man - A gente marca um jantar lá em casa com os meus filhos e o seu e oficializa tudo.

Ela sorriu, mas colocou as mãos no peito de Jonas o afastando um pouco.

– Jonas, me parece que a gente está avançando rápido demais.

– Verônica, você já me conhece, eu não tenho tempo a perder. Me parece que a gente até está avançando devagar demais.

No fundo, Jonas entendia os receios de Verônica. Apesar de o destino os ter colocado no caminho um do outro muitas vezes antes, eles já não eram mais uns garotos e ela gostava de saber que chão pisava.

Para Jonas não era mais um dos seus surtos de meia-idade. Ele se tinha mesmo apaixonado por aquela mulher de uma força e uma delicadeza que prendiam a sua fascinação.

Ele queria que ela entendesse que aquela não seria uma primeira história de amor, mas uma história que ele esperava ser a última por ter encontrado nela a companheira para o resto das suas vidas. Também ele tinha direito a ser feliz.

Megan ainda estava pálida quando chegou na antecâmara da diretoria, mas as lições de compostura em que Pamela lhe havia ministrado a ajudaram a disfarçar o nervosismo.

Num outro tempo ou num outro espaço, ela teria reagido com impetuosidade, mas a vida a tinha ajudado a crescer.

Era em momentos como aquele, em que ela entendia quão mais fácil era ser realmente uma bad girl do que alguém que luta pelo bem. Nunca ninguém lhe tinha dito que o caminho seria fácil, mas ela não vacilaria. Megan era demasiado bem resolvida com a pessoa que era.

Levantando os olhos das pilhas de documentos em que estava soterrado, Murphy se preparou para a anunciar.

– Miss Marra, o boss já a está esperando.

Thanks, Murphy. – agradeceu ela, correndo os olhos pela secretária dele.

Infelizmente, Jonas Marra não tinha aprendido a fazer aliados das pessoas que trabalhavam com ele. Todos o respeitavam, é certo, mas quase todos o temiam mais do que o amavam. Mais do que uma vez, o mau feitio do empresário tinha feito com que funcionários se despedissem e mudassem de continente para não terem que o ver.

– Murphy…- disse Megan já com a mão na maçaneta, chamando a atenção dele.

Yes, Miss Marra? - inquiriu ele, surpreso.

– Não deixe dad te tratar like that. - disse ela, apontando para a secretária dele - Mostre a little bit de personalidade e dad vai ter que mostrar respeito, ok?

A boca do subordinado se contorceu denotando um sentimento que ela não soube distinguir, mas nos olhos dele ela viu um lampejo de entendimento. Era afinal humano e não uma máquina aquele Murphy.

Meio distraída, Megan tentou acompanhar o raciocínio do seu dad durante a reunião. Felizmente, Jonas se empolgava tanto enquanto discursava que mal se apercebeu do alheamento dela.

– Então o que é que você acha, Peanuts?– perguntou ele no final.

A preparação que ela tinha feito para a reunião acabou por vir muito a propósito porque foi o que a impediu de ser apanhada em falta.

I like it. Isso resolve o problema dos custos e já não é really necessário deslocalizar para a China. Good work, dad. - parabenizou ela.

– Não, nós dois fizemos um bom trabalho. - respondeu ele, se levantando para a abraçar. - A Team Marra ainda vai dar muito que falar.

– Espero que sim, dad. - respondeu ela, enterrando a cabeça no ombro dele.

O que também tinha vindo muito a propósito tinha sido a saída privada da diretoria. Saindo da empresa sem que ninguém a visse, Megan fez chiar os pneus do carro.

Quando chegou em casa procurou por Davi, mas ele não estava. Aliás, para variar, ninguém sabia dele. No último mês ele tinha inventado desculpas cada vez mais esfarrapadas para os seus desaparecimentos e ela tinha fingido ter acreditado, mas estava prestes a atingir um ponto limite.

Linus se acercou dela, e a americana começou a afagar a sua cabeça.

Oh, boy. What the hell is happening? – perguntava ela, inquieta.

O celular tocou e a americana esticou o braço para o atender. Mais más notícias para acrescentar à pilha.

Yes, I understand, mas eu quero falar para o Davi. - dizia ela ao interlocutor, correndo os dedos pelo pelo do seu fiel amigo. - Eu sei que não posso fazer nada sem provas…- assentiu ela - Ok… eu espero até você like, conseguir as suas provas, mas please hurry up. Isso é sério demais…yes bye. - suspirou ela.

Desligando a chamada, ela se dirigiu para o quarto quando uma fotografia dela e de Davi colada num espelho lhe chamou a atenção. Afinal, onde é que se tinha enfiado o nerd?

Davi estava no mesmo local em que tinha passado a maior parte do seu tempo livre nas quatro semanas anteriores. O quartel-geral que Herval usava como base de operações estava não só a servir para armazenar provas contra Jonas, como já albergava a equipa SWAT, acabada de chegar dos Estados Unidos.

– Isso quer dizer que a detenção está próxima? - tinha perguntado um angustiado Davi ao seu antigo mentor.

– Sim. - anuiu um satisfeito Herval - Dentro de poucos dias, Jonas Marra vai ser preso e vai responder pelos seus crimes.

– Dentro de poucos dias…espera, você vai fazer isso no dia da apresentação da nova linha de Marra-tablets? - perguntou o nerd, com um crescendo de aflição dentro dele.

Herval nem mexeu um músculo ao verificar a apoquentação que tomava conta do seu antigo discípulo:

– Qual é o problema? A Marra vai estar cheia de jornalistas e por isso o Jonas não vai ter como escapar com facilidade. - comentou ele com enfado.

– Herval, isso vai ser uma humilhação pública para o meu pai!

– Davi, o Jonas não teve esse tipo de consideração com as pessoas que prejudicou.

Só naquele momento começava Davi a ter noção das reais repercussões dos seus atos. Tão aflito andava ele para proteger Megan a qualquer custo, que tinha relegado para o inconsciente o que ele estava fazendo com o próprio pai.

– Mas não ficou provado que foi o meu pai quem matou o Jack ou o Jerôme. - comentou Davi, mesmo sabendo que o mal já estava feito.

– Não, ele encobriu bem os indícios, mas as provas que temos contra o Jonas em relação aos outros crimes são o suficiente para ele apanhar pena perpétua. Você não vai dar para trás agora, pois não? - perguntou o informante do FBI, olhando no fundo dos olhos do nerd.

– Não… mas eu quero pelo menos que o meu pai tenha direito a um julgamento justo.

Herval não conseguiu evitar que um sorriso irônico escapasse da sua boca. Ele já quase se tinha esquecido de como era ser um jovem idealista e de certo modo ingênuo como Davi ainda era. A vida se iria encarregar de mostrar a verdade para o jovem Reis.

– Ele terá o julgamento que merece. - garantiu Herval - Davi, não se esqueça porque é que você está fazendo isso. O Jonas tem que ser parado. O seu testemunho em tribunal e a ajuda que você nos está dando vão salvar muita gente, incluindo a Megan.

– Espero que sim. Só isso para valer a pena. - disse Davi, sério nas suas convicções, mas inseguro das suas decisões.

Alguns agentes passaram por eles carregando armamento pesado e a ânsia que brotou dentro de Davi o impelia a sair dali o mais rapidamente possível.

– Você ainda precisa de mim ou posso ir embora? - pediu o jovem Reis, para não ter que implorar.

– Por agora você pode ir. - assentiu Herval - Agora, eu só vou precisar de você no dia da detenção.

Davi foi pego de surpresa pela informação. Depois de ter entregado o pai de bandeja para o seu antigo mentor se lambuzar com a sua carcaça, o jovem nerd não esperava ter que se envolver ainda mais com aquele assunto sórdido.

– O quê? Para que é que você ainda vai precisar de mim? - acabou perguntado ele, com medo da resposta.

– No próprio dia você vai ficar sabendo. - respondeu o mais velho - Agora você pode ficar tranquilo.

– Eu ficava mais tranquilo se você me dissesse quem são os seus contatos dentro da Marra. - contrapôs o mais jovem.

– Davi, você já sabe que eu tenho que proteger a identidade dos meus operacionais.

– Espero que seja apenas isso que você está protegendo.- comentou Davi, antes de pegar na mochila e dar as costas a Herval, procurando sair dali o mais rapidamente possível.

Quando o nerd finalmente chegou na Gambiarra já era de madrugada e a rua estava reduzida a um silêncio inquieto. Davi se ia dirigir diretamente para a garagem, mas vendo a luz acesa em casa de Megan estranhou e se deixou entrar na casa dela com as suas chaves.

A bad girl tinha capotado no sofá, assistindo um qualquer seriado na televisão. Desligando o aparelho, ele tentou pegar nela ao colo para a levar para o quarto, mas acabou acordando a loira.

Hi…- disse ela com voz de sono, esfregando os olhos, enquanto se sentava no sofá.

– Oi.- respondeu ele, se sentando do lado dela e a ajudando a arranjar as madeixas teimosas de cabelo loiro que tinham ficado despenteadas.

Like ships that pass in the night. - comentou a americana, segurando as mãos dele, enquanto prendia o seu olhar.

– Não entendi. - respondeu Davi, a beijando suavemente.

– Nós dois. Parece que agora nós like, nunca estamos no mesmo sítio, ao mesmo tempo, right?

– Impressão sua. - disse o nerd, tentando distrair a sua bad girl com beijos.

Davi estava claramente subestimando o intelecto da namorada. Farta das explicações sem nexo do seu baby boy, ela já tinha uma boa ideia do que poderia estar passando pela cabeça dele, temendo que ele estivesse cometendo o maior erro da vida dele. Megan conseguia conhecer melhor Davi do que o próprio.

Parando com os beijos, ela o afastou um pouco, segurando a face de Davi enquanto o olhava intensamente, já falando com ele antes de ainda sequer ter aberto a boca.

– Davi, please, como é que se diz? A verdade dói, mas liberta, right? Te conheço bem demais para saber quando você me está escondendo alguma coisa. In fact, te conheço bem demais para saber quando você está sofrendo escondido e nesse momento você está like, fazendo as duas coisas.

Não era uma estranha quem estava diante dele. Era Megan, o único grande amor da vida do nerd, a metade da sua laranja. Era para ela que ele direcionava o primeiro e o último pensamento de cada dia, era nela que ele focava quando se encontrava numa encruzilhada e tinha que decidir em que direção seguir. Megan sempre tinha sido a sua certeza, a sua única constante.

Despejando os sentimentos que ameaçavam em se tornar em bílis negra dentro de si, Davi acabou contando a sua história de fio a pavio. Com cuidado para não magoar Megan mais do que ela acabaria sendo machucada por aqueles fatos ele lhe apresentou as suas teorias sobre Jonas e o papel que ele tinha representado ao auxiliar o FBI.

Se ele esperava que das mãos de Megan viria a sua absolvição por aquilo que ele tinha feito, ela fez questão de lhe mostrar o contrário.

Davi, oh my God! Você está tão errado! – disse ela, saltando de um pulo do sofá e levantando o tom de voz.

Se sentindo incompreendido, ele fez o mesmo, se colocando na frente dela.

– Você acha que eu também não gostava de achar que estava errado? É o meu pai também, Megan! Esse monstro, é o meu pai!

Dammit, Davi! Me dá uns dias e eu consigo as provas para te mostrar que dad está inocente.

– Meu amor, você não pode ser tão cega. Pensa no que ele fez com você….

– Cego é você, silly boy! Eu nunca ia acreditar que dad era um assassino capaz de matar grandpa!

Definitivamente acordados, a adrenalina começou a correr pelos dois e, esbracejando em uníssono, já toda a Gambiarra conseguia ouvir a briga entre o casal.

– Megan, não faz isso comigo agora. Não depois de tudo o que fiz por você!

– Eu nunca te pedi que você fizesse isso por mim, you stupid. Acreditar que dad me queria matar! Please, me diz que você estava temporariamente insane quando decidiu ajudar esse bastard do Herval.

– Megan, isso já não tem volta! O pai vai mesmo ser preso e julgado.

– E você praticamente abriu a porta da cela para ele, right?

O nerd não entendia a revolta da sua bad girl. Tudo o que ele tinha feito tinha sido pensando nela, ainda que ele não se tivesse preocupado em perceber o que a loira realmente pensava do assunto. Mais uma vez, ele tinha cometido o erro de escolher por Megan. E agora a racionalidade dos dois já tinha voado pela janela.

– Megan, pelo amor de Deus, isso é uma investigação federal. Isso fica entre a gente. Você não pode falar com ninguém, ou eles te prendem também!

Watch me!

– Megan, eu estou falando sério. Você não vai fazer nada!

Oh, só porque você já decidiu tudo por mim, right?

– Um de nós tem que ser adulto. Um dos dois tinha que tomar uma atitude. Nesse caso tive que ser eu. – atacou ele, pisando terreno minado.

Great. Agora você me chama de infantil! – respondeu ela.

Controlando a vontade de o sacudir até ele perceber a asneira que tinha feito, ela marchou até à entrada e lhe abriu a porta, apontando teatralmente com o braço para ele sair da casa.

Out, Davi. E volta só quando você tiver recuperado o juízo.

A agarrando pelos braços, o nerd era uma mistura de incredulidade e despeito. A milímetros do corpo dela, ele a sentia muito longe dele.

– O que é que você está dizendo? – perguntou ele, a sentido querendo se afastar.

– Que não há um nós enquanto essa situação com dad não estiver resolvida. Que eu não posso ficar com alguém que fez o que você fez, silly. Por isso, it´s over.

Gambiarra, no dia seguinte

A música tocando alto e os risos descontrolados denunciavam o local em que decorria a sessão de fotos para a coleção de bolsas primavera/verão que a marca Megan Parker-Marra preparava para a Europa.

Satisfeita com o trabalho do fotógrafo Pierpaolo, Megan coordenava esforços para fazer passar a sua visão. Ela podia estar com vontade de estrangular Davi, mas tinha demasiada gente a depender financeiramente dela para a loira se dar ao luxo de passar o dia amuando em casa.

No. Aquele cinto está competindo com a bolsa. É melhor trocar.- indicava ela ao assistente. - Luene, sweety, tenta uma pose menos oferecida, please. - pediu a loira.

– Mas tu me contratou pra ser modelo, ou pra me ofender? - perguntou a funkeira transformada em cara de campanha, rindo na cara da patroa.

Alguns fotogramas depois atingiram o resultado esperado e, agradecendo ao fotógrafo, Megan levantou os braços começando a bater palmas.

That´s a wrap, everyone!- decidiu ela, feliz com pelo menos uma pequena realização.

Todos em volta fizeram ecoar as palmas e a americana deu indicação para começarem a desmontar a estrutura de apoio. Escondido num canto assistindo a tudo, Davi se aproximou dela com as mãos enfiadas nos bolsos.

– Dá, por favor, para a gente falar? – pediu ele calmamente.

– Ontem você já falou demais, Davi.

– E, depois de tudo, a gente vai ficar assim mesmo? – insistiu ele.

– Você já mudou de ideia e vai tentar like, resolver a confusão que ajudou a criar?

Se aproximando dela, como milhões de vezes antes, ele sentia a barreira invisível que emanava de cada poro da sua bad girl.

– Não, porque eu gosto demais de você e eu só estou lutando para que nada de mal te aconteça. - acabou respondendo ele.

Como é que ele conseguia mexer tanto com ela? Amolecida, mas ainda sim resoluta nas suas convicções, a loira tinha fogo dentro de si.

– Eu também sei lutar, Davi.

Ele não tinha a mínima dúvida disso. Megan podia ser só doçura e brandura, mas quando precisava defender quem amava virava uma onça indomável.

Listen, há uma coisa que você não sabe.

E continuaria a existir uma informação que Davi desconheceria. Reconhecendo o nome de alguém que tentava ligar ao nerd, mesmo depois de ele rejeitar a chamada na frente dela, Megan decidiu deliberadamente deixá-lo no escuro.

– O que é que eu não sei?- perguntou Davi, arrumando o aparelho no bolso.

– Há tanta coisa que você não sabe, Davi. - acabou respondendo ela.

Ernesto veio ter com eles correndo, quase com a língua de fora como um Linus cansado. Se inclinando para a frente e apoiando as mãos nas próprias pernas ele tentava recuperar o fôlego:

– A Brazuca…o site … o…a campanha…

– O quê? - perguntou Davi, impaciente.

Recuperando a capacidade de uma fala coerente, Ernesto era já um sorriso cheio de dentes:

– A campanha de cowdfunding! A gente já atingiu a quantia que a Brazuca precisava para começar a produzir o Júnior! - disse ele, rodando Megan pelo ar.

– Como? – estranhou o nerd.

Afinal de contas, era um fato que ainda dias antes estavam muito longe de atingir o objectivo final e os donativos obtidos até então eram muito modestos.

– Um investidor anônimo colocou uma bolada de dinheiro no projeto! O banco já confirmou a transferência.- explicou Ernesto, usando Megan como a sua Barbie pessoal ao continuar a rodar com ela como uma boneca.

Davi gostaria muito de poder fazer o mesmo. Afinal de contas, de que é que lhe valia estar tão próximo de atingir o sonho de uma vida se não tinha Megan verdadeiramente do seu lado?

Rio de Janeiro, uns dias depois

Um novo lançamento na Marra era sempre um acontecimento. Mais do que aparelhos electrónicos, a empresa vendia um estilo de vida a ser imitado e invejado tanto pelo mais comum dos mortais como pela alma mais elitista.

Por isso não foi de estranhar o aparato que se montou em torno da divulgação da nova linha de tablets da Marra.

No seu escritório, Jonas corria distraidamente os dedos pelo feed de notícias enquanto esperava a hora da apresentação, quando Murphy o avisou que Davi queria falar com ele.

Escondendo o seu ar cansado, o Marra-Man se levantou para receber o filho que, timidamente, se acercou dele. Incaracteristicamente para Davi, ele apertou o pai num abraço.

Para olhos mais distraídos que observassem aquele momento, poderia tratar-se de uma cena de afeição entre filho e pai. Já olhos mais bem treinados, talvez reparassem no pequeno localizador que Davi colocou disfarçadamente no bolso do casaco do pai.

Era aquele favor de que Herval falava quando tinha dito ao nerd que ainda ia precisar dele.

Sentindo os braços do pai devolvendo o abraço, Davi se sentia um ovo podre. Pior ainda foi quando quebraram a ligação física e Davi conseguiu ver algo na forma como o pai o encarava. Um laivo que podia ser de dor misturado com um toque de decepção e mágoa. Quase como se Jonas soubesse que aquele era um abraço de Judas.

– Nós sempre fomos muito turrões, não fomos? - comentou o Marra-Sénior - Sempre batendo de frente um com o outro. Nunca dizendo o que realmente se passava dentro da gente.

Uma pausa desconfortável se colocou entre pai e filho, mas Jonas ainda não tinha terminado.

– Eu provavelmente não o disse vezes suficientes, mas eu te amo, filho. Mais do que você pode imaginar.

Foi com um sentimento de tragédia iminente que, minutos mais tarde, Davi acabou por se despedir de Jonas, deixando-o a sós no escritório.

Cá fora, já vários elementos da família Marra estavam espalhados pelo edifício e o nerd ainda teve tempo para ouvir os saltos de Megan batendo na direção oposta à que ele se encontrava.

Limpando os olhos na manga da camisa, Davi se reuniu à equipa de Herval numa carrinha ali próxima.

Chief, we have a strong signal. – indicou um dos elementos SWAT.

– Ótimo. Agora é só esperar o momento certo. - assentiu Herval.

Wait, the signal is moving.

– Como é que o sinal se está mexendo? - perguntou o líder Domingues, se agitando em frente das câmaras de vigilância sem ter confirmação visual de Jonas. - Droga, ele está escapando. A todos os elementos: code red!

Saindo precipitadamente de todos os esconderijos, os elementos da equipa de elite entraram em posição de ataque no edifício da Marra.

Herval não compreendia o que estava acontecendo:

– Droga, o edifício estava completamente cercado. Como é que ele está lá dentro e as câmaras não o apanham? Follow the tracking device! – indicou ele pelo comunicador.

Uma boa meia hora depois um dos operacionais acabou respondendo pelo comunicador:

Chief, we found it on another person.

Bring him in.- indicou Herval e do lado dele Davi tremeu com receio.

Quando a equipa SWAT saiu do edifício, era outra Marra quem eles traziam algemada. Xingando os agentes, Megan foi fotografada por toda a imprensa sendo presa e conduzida para ser interrogada pelo FBI.

Furando a plateia, Davi se aproximou dela, sendo segurado por um dos agentes.

– Larga ela!- berrava ele, agitado – A Megan não fez nada, deixa ela em paz!

Tentando acalmá-lo, Herval se acercou de Davi, mas o jovem estava colérico.

– Herval, por favor, fala para eles soltarem a Megan. – pediu ele, tentando controlar-se.

– Me desculpa Davi, mas não vai ser possível. Ela ajudou na fuga de um perigoso criminoso e é possível que outras pessoas tenham também ajudado o Jonas a desaparecer. Enquanto a Megan não contar tudo o que sabe, ela vai ficar presa.

Desesperado, Davi teve que se contentar com uma troca de olhares com Megan, no momento em que a colocavam no banco detrás de um dos carros das forças especiais.