Taquara, 2014

Para Davi era completamente surreal estar sentado diante de Herval, com a mão apoiada numa mesa de um pequeno bar que, àquela hora, se encontrava praticamente deserto. O nerd ainda não sabia bem o porquê de ter aceitado o pedido de Herval para conversar, mas talvez o atribuísse à curiosidade em compreender melhor o que o ligava a Jonas.

Ainda que Herval tivesse sido uma figura importante na sua infância, antes de se ter descoberto a sua obsessão por Jonas Marra, o antigo mentor de Davi se tinha eclipsado de tal forma que o tinham dado como morto.

Enquanto Davi torcia nervosamente os dedos, Herval olhava comovido para ele comparando o antes e o depois do físico do jovem Reis.

– Senti muito a sua falta, garoto…- disse o mais velho.

– Então porque é que fugiu? – contrapôs o mais jovem.

O semblante de Herval se fechou, acabando por responder:

– Porque o Jonas não me deixou outra opção. Se eu ficasse ele ia me aniquilar novamente. Eu não sei que mentiras é que te contaram….

– Me contaram que você queria destruir a todo o custo o meu pai, a família dele e a empresa. É mentira? – perguntou o nerd, se inclinando na direção de Herval.

– Davi, existem sempre três versões da mesma história: a sua, a minha e a verdadeira. Eu quis, de fato, me vingar do Jonas, mas só dele. E eu tinha os meus motivos para isso. Por causa dele eu fui parar na prisão sem ter culpa nenhuma, você sabia disso?

– Suspeitava.- assentiu o nerd.- A história que a minha mãe me contou não batia certo com a história do meu pai.

– Pois é. O Jonas é que cometeu os crimes de contrabando para conseguir dinheiro para ir para os Estados Unidos e me deixou como bode expiatório. Só que, por sorte, quando eu estava na prisão fui recrutado para trabalhar para o FBI.

– Porque é que você voltou? – perguntou Davi, com os olhos fitos na garrafa de cerveja que segurava.

Herval Domingues se inclinou na direção do nerd, prendendo a sua atenção com o olhar.

– O FBI está fechando o cerco em volta de Jonas Marra. Estamos reunindo provas dos vários crimes que ele cometeu para termos uma acusação sólida e ele não ter como escapar.

– E o que é que você quer comigo?- perguntou Davi, já sabendo a resposta.

– A agência quer que você colabore connosco. Você tem livre acesso à vida privada do Jonas.

Davi engoliu em seco e pousou a garrafa cuidadosamente.

– E porquê é que eu faria isso? – perguntou ele.

A resposta de Herval não se fez esperar:

– Davi, você nunca se perguntou o porquê de as coisas correrem sempre do jeito que o Jonas quer? Foi muito conveniente para ele Jerôme Blois ter morrido naquele acidente, há vinte anos atrás, abrindo caminho para o Jonas se casar com a herdeira que lhe podia abrir todas as portas; da mesma forma que foi muito conveniente Jack Parker ter morrido, deixando as suas ações na mão de uma filha que o Jonas controla.

– Você está chamando o meu pai de assassino…- contrapôs o nerd, ainda que o seu tom de voz não se tivesse alterado.

– E será que você já não suspeitava disso, Davi? Estamos falando do mesmo homem que engravidou a mulher do melhor amigo, que passou anos enganando a esposa, que mente, chantageia, suborna e não olha a meios para atingir objetivos. Não será um homem assim capaz de matar?

Davi temia que Herval estivesse falando a verdade. Quando o nerd tentou investigar por sua conta o acidente que tinha vitimado Jack, tinha chegado à conclusão que era possível alguém ter hackeado o controlo do avião, levando à sua queda, ainda que não se conseguisse fazer prova disso. Se o programa que controlava o avião tinha sido desenvolvido por Jonas Marra, ter-lhe-ia sido muito fácil matar o ex-sogro.

Notando a hesitação do nerd, Herval sabia exatamente onde poderia estar o ponto de viragem.

– Me escuta, Davi. A Megan foi a maior vítima dessa história. Ela perdeu o avô e o pai biológico às mãos do Jonas. Pensa comigo, o que é que acontece com as acções da Marra se a Megan morrer?

Se levantando bruscamente, Davi levantou a voz:

– O que é que você está insinuando?

Herval também se levantou, encarando Davi olhos nos olhos:

– Eu compreendo que é o seu pai biológico, mas você vai arriscar a vida da Megan? Davi, se as circunstâncias tivessem sido outras, você teria sido o meu filho. Confia em mim. Me ajuda a derrubar o Jonas.

A noite já tinha caído quando Herval deixou Davi e os seus conflitos internos. Apressando o passo, o antigo diretor da PLUGAR caminhou por algumas quadras, tendo o cuidado de confirmar que não estava a ser seguido, até que avistou a viatura que procurava.

Se sentando no banco de passageiro do carro, foi recebido por uma condutora que apresentava a sua habitual cara de enfado.

– Você demorou muito. Quase desisti de te esperar.- se queixou ela.

– Você desiste fácil de tudo, Manuela.- constatou ele, dando indicação para ela iniciar a marcha.

Com o carro em movimento, ela continuou a tentar arrancar informação dele:

– Então, conseguiu o que queria com o Davi?

– É uma questão de tempo, mas eu consigo sempre aquilo que quero.- respondeu ele - E você, qual é o seu relatório?

Suspirando e deixando transparecer o seu tédio em continuar ligada àquela situação ela acabou respondendo, arrastando a voz:

– As escutas ao Davi continuam montadas, mas ele pouco fala com o pai. Na casa dele eu não consigo entrar porque aquele diabo do cão dele não me deixa passar da porta e aquela loira oxigenada continua não confiando em mim, por isso não consigo grampear as ligações dela.

– Em suma, você não conseguiu fazer nada em dois anos.- riu-se ele.

– Eu estou sim perdendo dois anos da minha vida!- se queixou ela- Eu podia estar fazendo tanto pela minha carreira e….

Herval a interrompeu, sem apelo nem agravo:

– Manuela, não se queira fazer passar por santa, que eu sei que você não é. Se não fossem as suas habilidades enquanto hacker, você estaria mofando na prisão pelos crimes que você cometeu. Agradece o fato do FBI não ter percebido a boa bisca que você é e para de fazer beicinho como uma criança mimada.

Revirando os olhos, ela parou o carro na berma da estrada.

– Eu estou farta dessa situação! Se você quiser eu te arrumo provas em como o Davi é um hacker e você prende ele, mas me deixa ir embora!

– Você não vai fazer nada contra o Davi!- se irritou ele – Então você é assim, Manuela? Uma Judas que se vende por trinta moedas de prata? Pois bem, se acalma do seu ataque histérico porque ainda temos muito para fazer.

Recolocando as mãos no volante, ela inspirou fundo, deixando que as narinas continuassem a tremer. Herval correu os dedos pelo cabelo, com um sorriso irônico no canto dos lábios e prosseguiu a conversa:

– E o nosso contato na Marra? Ele não ficou de te arranjar um emprego lá?

– Como estagiária, Herval. Eu mereço muito mais…

– Correção: você não merece nada. Você vai entrar na Marra, mas como espiã, não se esqueça disso grande guerreira Maya. – disse ele, de um modo sarcástico.

– Herval, você é exatamente aquilo que parece: um grande sacana.- disse ela, reiniciando a marcha do carro.

Ele sorriu, abrindo a janela e olhando a paisagem:

– Não, Manuela. Na vida, as pessoas raramente são aquilo que parecem.

Gambiarra, 2014

A campainha na casa de Megan tinha habitualmente muito uso, mesmo pela manhã, mas parecia que alguém lá tinha ficado com o dedo colado.

Saindo do quarto meio a dormir, Davi acabou de colocar a camiseta enquanto se dirigia para a porta, mas ao bater com os dedos do pé numa consola, não pode evitar os palavrões que se escaparam inadvertidamente da sua boca.

Controlando a dor, o nerd abriu a porta para a visita, amaldiçoando mentalmente o desgraçado, que se tratava do seu grande amigo Ernesto, que naquele momento tinha descido alguns pontos na sua consideração.

– Ernesto, a gente tinha combinado só às nove!- se queixou Davi, massageando o pé.

– Davi, já passa das nove!- respondeu o ex-futuro-eterno empresário, com o seu entusiasmo contagiante, se dirigindo para a cozinha, onde conferiu com agrado o conteúdo da geladeira, após tirar uma embalagem de patê.

Coçando a parte posterior do pescoço e apoiando a mão numa cadeira o nerd acabou perguntando:

– Mas você já tem algum plano para hoje ou veio só aproveitar o café da manhã gratuito?

Brandindo a faca com que espalhava o patê no pão, Ernesto acabou respondendo efusivamente:

– Hoje, meu caro, vai ser um dia histórico. Hoje começamos o nosso plano para dominar o mundo da tecnologia!

– Ótimo. – assentiu Davi, esfregando os olhos- Agora me deixa ir acordar a nossa sócia, para a avisar que é hoje que vamos mudar o mundo.

Com a boca cheia de pão, Ernesto pediu celeridade ao sócio, apontando com o dedo:

– Davi, pelas marcas no seu pescoço estou vendo que a noite foi boa, mas vê se vocês se despacham. A gente tem mesmo muito para fazer.

Aye aye, captain. – assentiu Davi, batendo uma desajeitada continência – Deixa pelo menos os seu sócios tomarem um banho e a gente já vem.- concluiu ele, arrastando-se para fora do cômodo.

O entusiasmo de Ernesto, para além de tornar o ambiente leve, permitia trabalhar com afinco e assertividade, aproveitando o tempo ao máximo. Em poucas horas, os três já tinham delineado um plano para obter financiamento para a empresa deles, apesar da cabeça de Davi estar ainda um pouco aérea pela conversa que tinha tido na véspera com Herval.

Hello? Tem alguém aí?- perguntou Megan, estalando os dedos na frente do seu baby boy, para chamar a atenção dele.

– Desculpa.- disse ele, voltando a sua atenção para ela- Você vai ter mesmo tempo para fazer esse vídeo? De certeza que não te atrapalha?

–Sem problema, silly.- respondeu ela, apertando a coxa dele.- Além disso esse vídeo vai ser vital para a nossa campanha de crowdfunding, right?

– Certíssimo, cara sócia.- indicou Ernesto- Se conseguirmos chamar a atenção com esse vídeo podem chover os donativos que necessitamos para arrancar com o projeto.

See?– continuou a loira.- Ernesto, você trata dos contatos com aqueles empresários que podem estar interessados na nossa startup, ok?

Yes, ma´am.- assentiu ele, confirmando no tablet que tinha todos os números.

– E o que é que você acha do nome Brazuca para a empresa? Não é meio estranho? – perguntou Davi a Megan, confiando cegamente no seu veredicto.

– Hey!- indignou-se Ernesto.- Eu registei esse nome porque gosto dele!

Relax, Ernesto.- pediu a americana- Eu gosto do nome e acho que pode funcionar muito bem, mesmo no mercado internacional.

– Assunto encerrado, então. - disse Davi, arrumando os papéis- Vamos almoçar? O pessoal está todo esperando.

Naquele dia se iria realizar um almoço ao ar livre para todo o bairro e a loira não conseguiu evitar um sorriso, que Davi reconheceu como aquele que ela fazia quando preparava uma travessura.

Well, ainda temos que esperar uma pessoa que vem almoçar com a gente.- disse Megan.

Consultando o relógio, Ernesto não conseguiu evitar uma das suas piadas:

– E de onde é que vem esse convidado: da China?

No, Ernesto. Ela vem da galáxia Andrômeda, mas deve estar mesmo chegando.- riu-se Megan, vendo o efeito da notícia no amigo.

Tal como uma atriz que aguarda a sua deixa, Pamela tinha acabado de bater à porta, sendo recebida pela filha que a abraçou forte. Depois da morte de Jack tinha deixado de fazer sentido a princesa Shelda ficar nos Estados Unidos, pelo que ela tinha comprado um apartamento no Rio, para onde se estava a preparar para mudar de mala e cuia para estar perto da filha.

À semelhança de Megan, também Pamela se começava agora a apaixonar pelos encantos da Gambiarra e de uma outra vida que ela ainda não tinha tido oportunidade de conhecer.

As pessoas tinham colocado mesas corridas que já ocupavam a rua no seu comprimento, mesas essas cobertas com toalhas de diferentes cores e carregadas com as contribuições de cada vizinho.

Carregando uma taça, Megan, os seus sócios e a sua mom se aproximaram do resto da sua tribo, que já ocupava uma das mesas.

Sweety, de certeza que não tem problema eu aparecer assim?- perguntou Pamela, se sentindo um pouco como um peixe fora de água.

Of course not, mom.- assegurou Megan - A garrafa de Château Lafite Rothschild que você trouxe é talvez a bit too much, mas acredite que não se vai estragar. Senta aqui do lado do Ernesto, mom.- concluiu ela, piscando o olho a Davi que controlou o riso.

A Ernesto só lhe faltava levantar as mãos para o céu em agradecimento pela oportunidade. Durante anos ele tinha alimentado uma paixão platônica pela princesa Shelda. Como nerd assumido, ele era fã do seriado Galáxia Andrômeda, conseguindo recitar de cor o diálogo de todos os episódios e a maior parte dos sonhos da sua adolescência tinha tido como protagonista a sua Sheldinha.

Só que com o contato que ele vinha tendo com Pamela, Ernesto se tinha descoberto completamente apaixonado pela mulher debaixo do mito.

– Gosto muito de vir aqui. Everybody is so happy e animado! – comentou Pamela com ele - Me faz sentir happy também.

– Ainda bem. – disse ele, com os seus olhos de cachorro pidão - Você merece o seu final feliz.

Yeah. Everybody quer que a princesa Shelda tenha o seu happy ending.- assentiu ela, rodando os anéis nos seus dedos.

– Talvez.- disse Ernesto, tentando segurar a emoção no seu tom de voz.- Mas eu estou mesmo interessado é na felicidade de Pamela Parker.

Nada disfarçadamente atenta à conversa dos dois, Megan segurou a mão de Davi, sentado ao lado dela, ficando furiosa com ao perceber a conversa que ele estava a ter com o tio do outro lado. Dante tinha ficado surpreendido com a qualidade da taça de trifle que Megan tinha levado.

– Nossa filho, se ela já está uma cozinheira de mão cheia assim, já pode casar.- tinha comentado ele.

– Que nada, tio. A Megan comprou isso, só que pediu para colocarem numa taça mais artesanal, para vocês pensarem que tinha sido ela a fazer.

– Davi! – se indignou ela por ele se ter descaído com o segredo, mas o nerd conseguiu segurar as mãos dela.

– Olha, tio. Afinal vai ter divórcio antes do casamento. – comentou Davi rindo, antes de tascar um beijo de cinema na sua bad girl.- Não faz mal, amor. Eu gosto de você do mesmo jeito. A gente pode comer arroz de entulho pelo resto das nossas vidas.

Um mini tornado em forma de gente se lançou no colo do nerd, quase o estrangulando.

– Maninho! – disse a pequena Emília, beijando a bochecha dele.

– Oi, boneca! - cumprimentou ele, se voltando para dar um meio abraço à mãe que se sentou do lado dele e passou a pequena doll para o colo do pai, depois de Emília ter entusiasticamente cumprimentado todo o mundo.

A mente de Davi se deixou novamente ensombrar e, vendo Megan entretida com Pamela e Ernesto, ele aproveitou a ocasião para conversar com Sandra sobre o seu passado.

– Eu sei que eu nunca quis puxar muito pelo assunto, mas você nunca falou muito da época em que você era casada com o Herval.

– As coisas de que você se lembra, filho! – disse Sandra, com uma sobrancelha levantada.- Se eu nunca falei, é porque não há muito para falar, meu amor. Eu era muito nova quando me casei e só muito depois é que percebi que o LED, ou melhor o Herval, não era a pessoa que eu pensava que era. Acho que foi essa desilusão que me levou para os braços do seu pai. E se você quer saber eu não me arrependo de nada, porque se não eu não teria você. – concluiu ela, afagando a face do filho.

A tarde na Gambiarra foi muito boa para todos, excepto para Linus, visto que Emília queria fazer dele o cavalinho dela e, mais do que uma vez, Sandra e Clint tiveram que se levantar precipitadamente porque a pequena doll puxava insistentemente o pobre do animal pela cauda.

Pamela e Ernesto tinham desaparecido misteriosamente a meio da tarde, o que tinha valido um “I told you so” que Megan fez questão de esfregar na cara do seu baby boy e a bad girl conversava agora animadamente com Matias e Danusa, que tinham acabado de oficializar o namoro.

– Mas dá para devolver a minha mulher para a gente ir embora? – pediu um divertido Davi, se aproximando deles.

Baby, mas eu não vou para casa agora.- explicou Megan.- Dad pediu e eu vou jantar e dormir na casa dele.

Fechando a cara, o sorriso de Davi caiu quando ele tomou uma decisão.

– Tá. Então eu vou com você.

Don´t be silly. Você tem um monte de trabalho para acabar.

– Não interessa. Eu vou com você.- determinou ele, não lhe dando mais margem de manobra.

Rio de Janeiro, 2014

Jonas veio receber os filhos à porta. O coxear dele já era quase imperceptível e ele aproveitou para colocar um braço em volta de cada filho, guiando-os para a sala de jantar.

– Pedi ao Nacho para fazer todos os seus pratos favoritos, Peanuts.

Thanks, dad. – agradeceu Megan.- Jesus, se eu comesse assim todos os dias nem passava na porta de casa.- riu-se ela.

– E com você filho, está tudo bem? – perguntou Jonas.

– Tudo.- assentiu Davi laconicamente, evitando contato visual.

Sentados à mesa já se encontravam Verônica Monteiro e o seu filho Vicente. Davi e Megan trocaram um olhar de interrogação, estranhando a situação. Se já não era usual o pai convidar uma funcionária para jantar, era completamente inédito Jonas Marra convidar um familiar de um funcionário para partilhar uma refeição com a sua família.

Nacho Gonzalez, fazendo jus à sua fama de chef extraordinário, já tinha colocado um banquete à disposição e os Marra ocuparam o seu lugar à mesa.

– Espero que a gente não esteja atrapalhando. – disse Verônica, como quem pede desculpa.- É que o Vicente veio ter comigo à Marra e o seu pai acabou convidando a gente para jantar.

– Sem problema.- garantiu Davi.- Dá para a gente colocar o papo em dia, não é Vicente?

Arrastando o passo, o Marra-Capacho Murphy entrou no cômodo carregando uma pilha de dossiers que depositou do lado de Jonas.

– Mas o que é que você quer, sua anta?- se queixou o empresário.

Sorry, boss, mas esses documentos da transferência para a China precisam da sua assinatura urgente.

Curiosa, Megan pegou num dos ficheiros, não dando tempo para Jonas reagir. Correndo os olhos na diagonal pelo contrato, ela percebeu que o objectivo do seu dad era deslocalizar a produção de componentes das fábricas norte-americanas para fábricas chinesas.

– What? Dad, você não pode fazer isso! A economia americana ainda está down. Se essas pessoas perderem o emprego, não vão conseguir arrumar outro.

Peanuts, a produção está muito cara. As fábricas chinesas conseguem fazer o mesmo por uma fracção do preço.

No, dad. As fábricas chinesas praticam preços baixos porque exploram os trabalhadores. A Marra não se pode associar a isso. No way, dad.

Atento à conversa, Davi se dividia agora entre o orgulho de ver Megan assumindo aquela posição e o medo do que Jonas poderia fazer.

– Esse assunto já está decidido, Megan. – disse o Marra-Man, se servindo de vinho.

– Nem pensar, dad. Eu não aceito isso e tenho a certeza que a mom também não. Eu vou na próxima reunião de acionistas e, todos juntos, vamos ter que encontrar outra solução. And that is final.- concluiu ela.

Mais tarde, no quarto de Megan, ela tentava mais uma vez chamar a atenção do seu alheado namorado. De joelhos na beira da cama, ela puxou por ele pelo colarinho.

– De novo com a cabeça na lua, Davi? Come here…- disse ela, o beijando.

O que Davi não lhe queria dizer era que a preocupação dentro da cabeça dele estava a dormir a apenas alguns cômodos de distância. Ele ainda tinha equacionado tentar falar com o pai, mas receava aquilo que lhe podia dizer. Confrontar Jonas com um “Pai, eu te amo, mas acho que você pode ser um psicopata dez vezes pior que Charles Manson” poderia acarretar resultados desastrosos.

Megan o arrancou do fundo do poço, abrindo os botões da camisa dele, ao mesmo tempo que passava a mão no abdômen do nerd, o que fez com que os músculos de Davi se contraíssem debaixo do seu toque.

Afastando o cabelo das costas dela, o bom moço se inclinou sobre a sua bad girl, se deitando sobre ela, procurando o zíper do vestido de Megan, que ele desceu com facilidade, ao mesmo tempo que beijava o seu pescoço, a sentindo arfar debaixo dele.

Ali era o espaço em que só existiam os dois e mais ninguém se poderia intrometer. Se desfazendo do resto das roupas, Davi se doou para o seu porto seguro, para um amor que era muito maior que ele.

Que outros homens lutassem por dinheiro, por poder, por glória ou por vingança, ele nunca poderia entender. O mundo dele se encontrava naquele momento nos seus braços, com o seu cheiro a morango silvestre e um coração que batia no mesmo compasso que o dele.

Gambiarra, duas semanas depois

Davi correu como um tresloucado até entrar em casa. Deixando a porta aberta, entrou na sala para encontrar Rita acabando de colocar um creme nas queimaduras de Megan, que estava sentada no sofá.

A tomando nos braços, deixou que duas lágrimas de preocupação rolassem pela sua cara.

– Calma, filho.- pediu Rita, vendo o olhar alucinado do sobrinho.- O médico já viu a Megan e está tudo bem, foi só o susto.

– Como é que isso foi acontecer? E logo hoje que eu não estava?- perguntou o nerd, se certificando que, salvo algumas queimaduras na face, a americana estava mesmo bem.

– Foi um acidente, baby.- explicou Megan, se apoiando nele - Eu estava voltando da faculdade quando um pneu estourou e eu perdi o controlo do carro. Luckily, eu não estava com muita velocidade e eu só me magoei porque o airbag abriu.

“Pneus não rebentam por acidente, meu amor”- pensou Davi, a abraçando.

Como uma inversão de papéis, era agora Megan quem o consolava.

Hey, quem teve o acidente fui eu e você é que fica com cara de quem foi atropelado, baby. Don´t worry, amanhã vou acordar like uma baranga, mas nada que um bom corretivo não disfarce, ok?

Só mesmo Megan para manter o sentido de humor naquela situação.

Davi já devia ter mesmo esquecido que ela é que tinha tido um acidente, porque não se importou em a envergar quando a tomou nos braços para mais um beijo, ainda não refeito da aflição.

– Eu te amo. Aconteça o que acontecer eu quero que você não se esqueça disso. Você é a pessoa mais importante da minha vida e eu só quero que você fique segura. – disse ele a agarrando com força, o que provocou um arrepio de preocupação em Megan.

Foi de consciência tranquila que, naquela noite, Davi marcou um encontro com Herval, levando consigo dentro da mochila o disco externo com tudo o que ele tinha contra Jonas Marra. Ao contrário dos motivos daqueles homens, o bom moço sentia que o seu motivo para lutar era legítimo. Que os jogos começassem. Ele estava pronto.