POV Austin

Ainda não podia acreditar que a Ally tinha lembrado de algumas coisas. É claro que preferia que tivesse sido sobre mim ou então algo melhor, porque lembrar sobre o pai e a sua morte, era o que eu mais temia que acontecesse.

O problema agora? Quer que contemos a verdade sobre o Sam. Se ele é mesmo seu irmão. Ainda não sei o que lhe contar. Se falarmos que é verdade teremos de explicar como é seu irmão, como descobrimos e tudo mais. Se mentirmos... nem há essa possibilidade.

—E então?

—É verdade sim Ally.

—Porque não me contaram antes?

—Porque é muito complicado.

—Eu não lembro de você quando era pequena.

—Nós só descobrimos faz pouco mais de um mês, por isso é que não se lembra quando era pequena.

—Como descobrimos? Como somos irmãos?

—É uma longa história. Complicada e entendo se não acreditar, mas é a verdade.

E então contámos como descobrimos sobre ela e o Sam serem irmãos. Não entendia bem o que ela sentia. Apenas ouvia o que lhe dizíamos com atenção e nem um pouco de emoções. Nem tristeza, nem raiva, nem ódio, nem felicidade. Nada. E isso assustava-me um pouco.

Foram longos minutos, senão horas a contar tudo. As perguntas haveriam de ser feitas e aí sim, será mais difícil de responder. Até eu ficaria com inúmeras perguntas na minha cabeça. Ficaria confuso por não ter um irmão e não me lembrar de o conhecer. Como poderia acreditar que o que me diziam era verdade?

—Porque a minha mãe nunca me contou sobre você?

—Honestamente? Não sei. Nunca a questionei sobre isso.

—Eu quer falar com ela.

—Claro.

—Não se preocupem. Eu acredito no que me contaram. Só não entendo algumas coisas. Talvez porque não me lembro, mas espero que com o tempo venha a lembrar.

—Nós também esperamos que sim.

Saímos do quarto avisando Olivia que a Ally queria falar com ela e fomos para o meu quarto. É estranho até a pensar. Não sei como era capaz de mencionar um quarto de hospital como meu.

—Ainda bem que apareceu. - Fala o Dez e eu revirei os olhos quando ele abriu a porta.

—Estava à minha espera? Não precisava.

—Não se sinta feliz. Eu só vim porque sou um bom amigo.

—Sim, sim. Você não tinha era nada para fazer. - Ele olhou para mim ofendido.

—É. Isso é verdade. - Ele riu e nós rimos juntos. - Mas não só por causa disso. Como bom amigo que sou vim saber como está.

—Melhor impossível!

—Não é preciso ser sarcástico. - Revirou os olhos e se sentou na cadeira colocando os pés sobre a cama.

—Um pouco folgado não?

—Nem por isso. - Continuou como se nada fosse e apenas me sentei na cama. O Sam se sentou do lado do Dez. - Está tudo bem com a Ally?

—Que eu saiba sim... Você falou com o médico? Ele disse que ela não está bem?

—Calma Austin. Você acabou de sair de perto dela. E ambos vimos que a Ally estava perfeitamente bem.

—Eu só perguntei porque voltaram muito depressa. Principalmente você, que fica lá o dia todo.

—Eu não fico lá o dia todo. - Me defendo, mesmo sabendo que estava a mentir.

—Todos sabemos que essa é das maiores mentiras que você já disse.

—Agora sou eu que estou ofendido. Eu não minto para ninguém. Sou uma pessoa muito direta e só digo verdades.

—Isso já é uma mentira! Que feio Austin! E você também não é uma pessoa muito modesta. Nada mesmo!

—Isso também é mentira. Sou a pessoa mais modesta! - Eles começaram a rir e apenas fiquei sério. Não sei onde estava a graça.

—E como sempre o prémio para o maior convencido vai para você!

—Eu não sou convencido, apenas...

—O que foi?

—É que... Eu dizia sempre isso para a Ally. Por momentos parecia que competíamos para ver quem conseguia ser o mais convencido.

—Ela já lembrou de alguma coisa?

—Sim, mas foi sobre a morte do pai e o dia em que o Jason a levou.

—Ela ainda não lembrou nada de você? - Apenas neguei com a cabeça. - Nem de vocês?

—Nada de mim e nada de nós... Ela nem sabe que o 'nós' existe.

—Porque ainda não lhe contou?

—Não sei. Medo? Receio?

—Eu sei que comecei sendo um irmão muito protetor, mas não vou negar que você a fazia feliz. O sorriso que ela tinha, cada vez que falávamos de você, era lindo. Ela falava sempre com amor e carinho. Você tem de lhe contar.

—Não posso. O médico disse que é melhor ser ela a lembrar das coisas sozinha e com o tempo.

—E se ela não lembrar? - Pergunta o Sam e eu engoli em seco. Só pensar nessa possibilidade até me deixa mal.

—Eu não posso contar. Ela sabe que tenho uma namorada, mas não sabe que é ela. É tão difícil porque sempre que falamos ela quer saber mais dessa 'namorada' e já nem sei o que lhe contar.

—Eu não posso ajudar. Você devia ter contado desde o começo que estavam juntos.

—Agora não há volta a dar. Já está. As coisas acontecem por uma razão.

E assim ficámos o resto do dia. A conversar sobre a Ally e o que deveríamos fazer quando eu sair deste hospital. Infelizmente não sei quando isso irá acontecer. O médico nunca me diz nada sobre eu vir a sair daqui. Apenas que tenho de descansar e me recuperar. O mesmo de sempre.

(...)

Acordei quase na hora do almoço. É o que dá não conseguir dormir e ficar a ver televisão a noite quase toda. Pelo menos foi só acordar, tomar os remédios, almoçar e já podia ir ver a Ally.

E assim foi feito. Depois do almoço fui ver a Ally. Para além de querer saber como está depois de ontem, também já tenho saudades. Ela não se lembra de mim nem de nós, tenho de aproveitar para a ver.

Felizmente já posso ir sozinho. Não preciso da ajuda de ninguém nem da cadeira. Pensei que nunca mais me livrava daquilo e de ter sempre alguém comigo. O médico é o que é, mas o Ash, o meu tio e a Mia conseguem ser piores. A certo ponto é insuportável, mesmo sabendo que só me querem ajudar.

Bati na porta ao chegar em frente do quarto. Esperei e entrei ao ouvir um calmo "entre" do outro lado. Pensei que encontraria mais pessoas no quarto, mas a Ally estava sozinha.

—Ainda bem que veio.

—Já com saudades minhas?

—Por acaso não. Só aborrecida por estar sozinha.

—Fiquei ofendido! - Cruzei os braços não saindo de perto da porta. - Vou até embora...

—Não! - Fala antes que eu posso fazer alguma coisa. - Qual é a graça? - Pergunta assim que começo a rir.

—Foi ver você desesperada para eu ficar. - Continuei a rir e desta vez foi ela quem cruzou os braços. - Eu não ia a lado nenhum.

—Se calhar é você quem tem saudades minhas! - Me sentei na cadeira do seu lado.

—Pode se dizer que sim.

—Ah! Eu sabia! - Riu e eu não consegui me controlar e comecei a rir também.

—Mas eu também já estava aborrecido de estar ali sozinho e como você está aqui porque não fazermos companhia um ao outro?

—Quem disse que quero a sua companhia?

—Sendo assim... - Estava prestes a me levantar quando ela segura o meu braço. - Queres a minha companhia ou não?

—Já que não tenho mais ninguém.

—Eu sou muito boa companhia para sua informação!

—Não acredito.

—Acreditar até acredita, só não quer admitir.

—Talvez! ...O médico já me disse que talvez sairei depois de amanhã.

—A sério?

—E você?

—Não sei. Ele ainda não me disse nada. Mas não parece que vou sair daqui tão cedo. Já é bom poder andar aqui de um lado para o outro sem me chatearem.

—Eles só estão preocupados. Não querem que fiques pior.

—Eu sei e entendo, mas não sou nenhuma criança. Sei me cuidar.

—Isso é mentira. Se você se soubesse cuidar, provavelmente, já não estaria aqui e não teria caído e piorado.

—Eu não tenho culpa ter caído. Aconteceu.

—E a sua namorada?

—O quê?

—E a sua namorada?

—O que tem ela? - Perguntei confuso pela súbita mudança de assunto.

—Gostaria de saber como ela está.

—Está bem.

—Porque ela não te vem visitar?

—Ela vem. Várias vezes. Porque perguntas?

—Porque você está a maior parte do tempo aqui comigo. Pensei que se ela viesse irias querer passar mais tempo junto dela. - Fala olhando para as mãos e suspirei. Se ao menos soubesse que era ela, perceberia que passo sim mais tempo com a minha namorada.

—Ela vem quando estou no quarto, mas infelizmente não pode ficar muito tempo, por isso é que também fico aqui com você a maior parte do dia.

—Eu gostava dela?

—Uhm... Não sei... Acho que sim.

—É que você nunca me fala dela. Poderíamos não gostar uma da outra ou eu dela, ou até mesmo ela de mim. Sendo que somos melhores amigos.

—Acho que seria um pouco impossível.

Sem dúvida que seria impossível. Não só por ser ela, mas porque não há como não gostar da Ally. Nem eu consegui resistir. E se eu não resisti será difícil de alguém o fazer. Ela é a amiga, namorada, irmã, filha e tudo mais que alguém poderia ter.

A Ally aceitou o Sam como irmão como se nem precisasse de o fazer. Como se fossem irmão desde sempre. O amor que sentia pelo pai era tremendo e só o queria ajudar e estar do lado dele apesar das dificuldades. Sofreu muito pela mãe. Esteve do meu lado sempre que precisei, mesmo dizendo que não. Nunca desistiu de mim.

—Austin?

—Sim?

—Está tudo bem? Já te chamei umas cinco vezes!

—Está sim.

—Em que pensava?

—Em vo... Uhm...

—Era nela não era? - Apenas assenti sem saber o que responder. - Eu percebi pelo pequeno sorriso. - Ela sorriu de lado ainda olhando para as mãos. - Me conte mais sobre ela.

—Ela é incrível. É impossível não gostarem dela. É amável, linda, maravilhosa. Esteve sempre do meu lado, nunca desistiu de mim, mesmo eu a tentando afastar. Eu a amo como nunca amei ninguém. Amo o seu cabelo cacheado, os seus olhos grandes e os seus lábios. Amo segurar as suas pequenas mãos e ter o seu pequeno corpo no meu.

—Ela parece mesmo incrível. - Ela remexia o lençol sobre as pernas. - E eu? Tenho namorado?

—... Acho não. Pelo menos você nunca me contou.

—Quero, um dia, encontrar alguém que me ame assim. Que fale de mim com tanto amor e carinho. Que faça por mim o que você fez pela sua namorada. Ela... ela tem muita sorte. - Fala se remexendo um pouco e tentei segurar a sua mão, mas ao sentir o meu toque a afasta. Não entendia este seu ato repentino.

—Tenho a certeza que vai encontrar.

—Já tive mais esperança. - Comenta com a voz baixa e olhai nos seus olhos, mas parecia que evitava o meu olhar. Poderia ate dizer que estava com ciúmes.

—Não podes pensar assim. Tens de ver o lado positivo.

—Não vejo lado positivo nenhum. Mas quero saber mais. Qual o nome dela? Nós éramos amigas? - Olhou finalmente nos meus olhos e então o meu olhar ficou preso no seu.

Já não sabia mais o que lhe dizer. Ela insistia em perguntar coisas e não lhe podia dar mais informações, mais um pouco e dizia que era ela. O melhor no meio de toda esta situação, foi o ciúme que notei enquanto falava da minha 'suposta' namorada.

Os meus olhos continuavam fixados nos seus, parecia que tudo à minha volta havia desaparecido e apenas nós dois nos encontrávamos aqui. Pela primeira vez, desde que acordou, posso estar aqui com ela a sós e tão próximo.

Não podia deixar de pensar em como surreal isto é. Primeiro queria que se afastasse. Tinha medo que ao ficar comigo estaria em perigo e apesar de tudo esteve. Felizmente depois de tudo o que aconteceu estamos bem.

E agora? Agora só quero que se lembre de tudo. Agora só a quero ter de volta. Só a quero ter para mim como antes. De a ter comigo, nos meus braços. A fazer sentir segura, amada, feliz. Só a quero como minha e somente minha como antes.

Me foquei no seu rosto, desviando o meu olhar do seu. Visionei cada detalhe seu, cada perfeição, cada pedaço que amo nela. O seu cabelo cacheado perfeitamente, com mechas claras nas pontas que o tornam mais bonito. Os seus olhos castanhos grandes e brilhantes que me fascinam. As suas bochechas rosadas, provavelmente pelo calor. E por fim, os seus lábios carnudos, que tanto amo.

Já tenho saudades de os ter bem juntos dos meus como se fossem um só. De a ter comigo mesmo o Sam dizendo para não estar tão juntos. Adormecer abraçado ao seu pequeno corpo e acordar com a sua cabeça sobre o meu peito, a sorrir para mim ou apenas dormindo tranquila.

Suspirei com tantos pensamentos, sem tirar os meus olhos dos seus, e não a esperava encontrar do jeito que estava. Talvez por ser cedo ou por não estar mesmo à espera neste momento. Talvez por pensar que não aconteceria já.

Não pensei que ela iria tomar este passo. Até realmente acontecer. Fiquei meio paralisado nos primeiros segundos que os seus lábios encostaram nos meus e ao sentir que se iria afastar, coloquei as mãos no seu pescoço e a segurei, impedindo que se atrevesse a afastar.

Não podia desperdiçar este momento que tanto esperava. Sentia falta da confusão que se fazia no meu estômago cada vez que a beijava. De sentir os nossos narizes roçarem e os nossos lábios se moverem em sincronia.

Não durou muito tempo. Apenas alguns segundos, talvez um minuto até. E não sendo capaz de abrir os olhos respirei profundamente antes de a beijar novamente. Claro que me surpreendi com o beijo no começo, mas sendo ela quem tomou a primeira iniciativa, não iria perder tempo em iniciar a segunda.

Este beijo foi melhor que o outro. Mais necessitado. Mais apaixonado. Mais urgente. Com mais intensidade. Estava tão bom que tinha medo de acordar e perceber que isto não passava de um sonho.