POV Austin

Senti uma luz forte no meu rosto. Tirei o travesseiro que estava em baixo da minha cabeça e o cobri. Nem abri os olhos. Apenas suspirei e pensei em como preferia não ter acordado. Em como estava muito melhor nos meus sonhos.

Os sonhos são sempre melhores que a realidade. Sempre melhores com o que está a acontecer. Sempre melhores que a minha vida. Pelo menos os meus sonhos são melhores. Principalmente quando são o que queremos que aconteça realmente.

Pelo menos não apareceu alguém e me acordou. Isso ainda me deixava pior que aquilo que já estou. Ainda por mais depois de ontem. Ontem sim, queria que tivesse sido tudo um sonho. Começou tão bem, mas acabou da pior maneira.

Ontem depois do beijo pensei que a Ally iria lembrar de tudo, ou pelo menos mim e de nós, mas não. Ela lembrou sim de algumas coisas, mas ...acabámos pior do que já estávamos. Se não passávamos de amigos, agora já nem isso somos.

Tudo que aconteceu ainda estava na minha cabeça e por mais que quisesse tirar permanecia e repetia vezes e vezes sem conta.

O beijo foi magnífico. Perfeito até. Quando nos afastámos, ao abrir os olhos, e olhar para a Ally, vejo os seus olhos estavam fechados e que esboçava um pequeno sorriso. Por não saber o que dizer fiquei calado e esperei que ela abrisse os olhos.

Me espanto ao ver o seu sorriso desaparecer e os seus olhos abrirem calmamente. Será que ela acha que foi errado? Será que não gostou? Se calhar foi cedo demais. Ela deve estar, provavelmente, arrependida. Só pode, porque não estaria? Ela não se lembra de mim nem de nós.

—Isto não devia ter acontecido!

—O-o quê?

—N-Não devia Austin!

—Porque dizes isso?

—Porque é a verdade!

—Não. Não pode ser!

—Pode sim. Isto não devia ter acontecido e não vai voltar a acontecer! - Não posso dizer que não doeu ao ouvir tais palavras. Mas sabia que isto poderia vir a acontecer.

—E se eu quiser que volte a acontecer?

—Mas eu não quero. Não sei o que está a acontecer. Não sei o que pensar... eu lembrei de umas coisas e agora percebo porque você nunca falava da sua namorada.

—O que você lembrou?

—De algumas vezes que nos beijámos.

—A sério?

—Sim. Só não entendo o porquê de lembrar disto e porque já nos beijámos antes. Não faz sentido.

—Fazer sentido até faz. Você é que não se lembra. Eu pensei que com o nosso beijo você lembraria de tudo. De mim. De nós!

—De nós?

—Sim. A namorada que falo é você!

—E-eu?

—Sim. Por isso é que era raro tocar nesse assunto.

—Então... É por minha causa que você está aqui.

—Não. Claro que não!

—O que me contou sobre estar aqui é mentira?

—Não. Tudo que contei é verdade.

—Então você não pode dizer que a culpa não é minha.

—Posso sim Ally. Não foi culpa tua e sim minha. Foi culpa minha o Jason te ter levado. Fui eu que decidi te ir buscar. Fui eu que decidi desafiar o Jason. Eu. Não você. Eu!

—Pois, mas se ele não me tivesse levado você não teria de me ir buscar. Você não teria de o desafiar e o mais importante não tinha quase morrido!

—Eu voltaria a fazer o mesmo e até morreria se isso a mantivesse em segurança.

—E porque não me contou sobre sermos namorados? Eu tinha o direito de saber.

—Não sei. Tive medo que não acreditasse... Que como não se lembra não quisesse... manter o que temos, por não sentir nada por mim, por achar que não é correto. Por não querer... Achei que seria melhor você lembrar sozinha.

—E se eu não lembrar?

—Eu sei que vai.

—... Eu estou confusa e acho melhor ficarmos um tempo afastados. Para eu pensar e perceber melhor as coisas.

—Não. Por favor Ally! Tudo menos isso. Eu já estou mal por você não se lembrar de mim nem de nós, ter de me afastar será pior.

—Eu entendo, mas é o melhor.

—Não, não é. Nada disto é melhor. Não precisamos voltar a falar do beijo nem do que está a acontecer. Podemos apenas esquecer isto e continuar como estávamos antes.

—Como? Amigos? Não Austin. Não posso fazer isso com você.

—Então quer nos afastar. Sem nos falarmos ou vermos... É muito pior! Eu prefiro ser seu amigo a não ser nada.

—Desculpa Austin, mas será melhor assim.

—Só se for para você!

—Eu estou confusa. Não podes esperar que compreenda o que dizes, mesmo acreditando que é verdade, e as coisas voltam a ser como eram antes de perder a memória, porque não vai ser assim.

—Eu sei que não. E não esperava que fosse assim, mas queria que você percebesse que também estou a sofrer.

—Austin eu...

—Não é fácil para mim. Não é fácil ver a minha namorada sofrer sem poder fazer nada, não fácil ver a minha namorada todos os dias e ela não se lembrar de mim. Não é fácil ter de acordar e perceber que quase a perdi. Não é fácil ouvir que tenho de ma afastar, muito menos o fazer. Não é fácil Ally. Não é! - Senti as lágrimas descerem pelo meu rosto.

—Eu sei Austin. Entendo, mas também não é fácil para mim. Não é fácil acordar num hospital e não saber o porquê de lá estar. Acordar e perceber que não me lembro de partes da minha vida. Acordar e saber que o meu pai morreu... Está tudo muito confuso e complicado. Eu preciso de espaço. Preciso pensar nas coisas. Preciso de tempo. - Foi preciso muito esforço para não segurar o seu rosto e limpar as lágrimas que por ele escorriam. Doía ver a Ally assim.

—Mas porquê me afastar? - Pergunto me levantando e enxugando o meu rosto. Eu entendia que ela precisava de tempo, mas não era preciso me afastar. Ela não me podia pedir para o fazer.

—Porque assim você não cria falsas esperanças, não fica esperando algo que pode não acontecer. E eu... eu não me preocupo se o vou magoar com o tempo que estou a levar para tomar alguma decisão, não me preocupo pela esperança que possa estar a dar e no fim não é o que você esperava. - As lágrimas desciam de forma incontrolável, nem valia a pena as limpar.

—É mesmo isso que você quer? Tempo? Que me afaste?

—Sim. Eu amanhã ou depois também vou embora. Já sei que estava com você, mas vou para casa da minha mãe, será melhor.

—Está bem. Se é isso que você quer. Não vou contrariar. - Apenas suspirei. Me aproximei dela e beijei a sua bochecha, saindo do quarto de seguida.

E depois fui para o meu quarto. Mais tarde o Dez, o Sam e o Ash estiveram comigo e contei tudo o que tinha acontecido. Eles disseram que o melhor era tentar falar com a Ally hoje. Perceber se era mesmo aquilo que ela queria, porque ela podia ter dito aquilo de cabeça quente e por ser demasiado de uma vez só.

E é isso que vou fazer. Hoje vou lá e vou tentar resolver as coisas. Tenho de aproveitar o que resta das minhas esperanças.

—Bom dia Austin. - Ouvi e tirei o travesseiro do meu rosto, vendo o médico na minha frente.

—Bom dia... Quando vou poder sair daqui?

—Sou assim tão mau como médico?

—Não. É só que eu prefiro a minha casa. O hospital não é um local lá muito agradável!

—Eu sei. Mas talvez em uma semana ou menos. Temos de ter a certeza que está bem e que o ferimento não vai infetar ou piorar.

—Acho que posso esperar só mais um pouco.

.O que iria fazer se fosse mais que uma semana? Iria saltar da janela à noite? - Ri imaginando a cena.

—Acho que isso seria pior. Com a sorte que tenho cairia e aí é que nunca mais saía daqui! - Ele riu.

—Ouvi dizer que não jantou ontem. Posso saber o porquê?

—Não tinha fome.

—Não acredito. Eu acho que o problema tem mais a ver com a minha paciente que propriamente pela fome.

—Talvez.

—Pois. Eu só vim verificar se estava bem. Em breve a enfermeira irá trazer o almoço. - Assenti e ele saiu. Já era hora do almoço? Dormi mesmo muito.

—Posso? - Assenti e o Sam entrou.

—Aconteceu alguma coisa?

—Não.

—Não parece.

—Estive a falar com a Olivia.

—Já entendi. Pensei que não queria falar com ela.

—E não queria, mas tinha de o fazer. Tinha de lhe dizer umas coisas.

—Que coisas?

—Que se afaste da Ally, não quero que ela a magoa novamente. Não quero que a faça sofrer mais.

—Sam!

—Sei que pensa o mesmo que eu. E não vamos mentir, você faria igual.

—Talvez, mas não quer dizer que é o correto.

—Correto ou não é a verdade. Ela já magoou demasiado a Ally, mesmo sendo diferente quando ela se lembrar.

—Ela só quer uma chance para se desculpar, para tentar se redimir. Quando a Ally se lembrar não a deve perdoar pelo que a fez sofrer, tanto a ela quanto ao pai, mas bem lá no fundo estará feliz por a mãe estar viva. Eu não sei o que sentiria se acontecesse comigo. Provavelmente pensava que tinha enlouquecido de vez.

—Eu acho que você os iria abraçar e chorar no colo deles como uma menina.

—Isso, de ,que deve ter sido o que você fez com o seu pai e não se quer sentir sozinho por ter feito uma coisa dessas!

—Você descobre sempre a verdade! - Cruzou os braços ficando sério e depois começamos a rir. - O Dez ainda não veio aqui?

—Não. Eu acho. Também faz pouco tempo que acordei.

—Aquele preguiçoso deve ter adormecido outra vez. Eu falei com ele há meia hora e ele disse que viria, mas como estava a dormir teria de se arranjar primeiro.

—Ambos sabemos como é o Dez. Você já devia estar à espera!

—Sai ao melhor amigo.

—Eu não sou preguiçoso!

—Que mentira! Não existe pessoa mais preguiçosa que você!

—Que ultraje! Isso é uma ofensa grave! Devia ser expulso dos meus aposentos.

—Não precisa. Eu tenho de ir almoçar. Estou com fome.

—Eu também, mas a enfermeira nunca mais vem!

—Tenha paciência. Esperar é uma virtude.

—Sim, sim. Já ouvi muito isso da minha mãe. E como lhe respondia sempre. Não é isso que me vai encher a barriga! - Ele apenas riu.

—O que vai fazer depois do almoço?

—Falar com a Ally. Pelo menos tentar.

—Muito bem. Então depois da vossa conversa me ligue.

—Ok. - Ele se virou para sair, mas o parei. - Espera... O Jason?

—Já o levaram. Ele está definitivamente preso e espero que nunca mais o libertem.

—É. Ele devia apodrecer na prisão. - Dito isto uma enfermeira entra com um tabuleiro. Finalmente o meu almoço.

—E isto é a minha deixa. Até mais logo. - E com isto saiu.

A enfermeira deixou o tabuleiro comigo e também saiu. Não perdi tempo e comecei a comer. É o que dá não jantar e acordar na hora do almoço, não tomando o café da manha.

Em minutos terminei de comer. Estava ansioso para a minha conversa com a Ally. Estava nervoso. E se la não mudou de ideias. Ainda quer um tempo e que me afaste?

Só há uma maneira de descobrir. Me levantei, deixando o tabuleiro sobre a cama, e saí do quarto. Suspirei vezes e vezes sem conta tentando me manter calmo. Chego então em frente do quarto e coloco a mão na maçaneta. Levanto a cabeça e olhei então pelo vidro, ficando boquiaberto com o que estava perante mim. Não podia ser.

Por isso é que ela me disse aquelas coisas ontem. Por isso é que nem tentou se lembrar de mais nada para ficar comigo. Como é que não previ que isto poderia vir a acontecer? Talvez por ter demasiada esperança que ela iria lembrar, ou por a querer tanto de volta.

Acho que foi bom os momentos que passei com ela. Não me parece que voltemos a ficar juntos. Se antes a minha esperança era mínima, agora não é nenhuma. Nunca pensei que me viria a sentir assim em apenas observar o que estava na minha frente. Era demasiado doloroso. Principalmente depois do que aconteceu e a Ally me disse.

Acho que nesta altura o meu coração já nem bate. Se é que ainda o tenho! Porque mais parece que o arrancaram sem dó nem piedade. Como se fosse apenas um objeto sem importância. Sem utilidade. Sem valor.

Não esperava chegar aqui, entrar, falar e ficava tudo bem. Não, claro que não. Até entendo o que ela me disse e não estou chateado, nunca ficaria. Mas não posso dizer que não estou magoado, porque estou e muito.

Percebi os dois tão sorridentes que nem sabia o que fazer. O meu corpo parecia paralisado, não movia, e o que mais quero é sair daqui. Ficar a assistir os dois estava a ser doloroso, mas não conseguia parar de os observar. Talvez porque estava com ciúmes. Eu admito que estava, até porque como não estar numa situação destas?

O pior é que ele sabe muito bem o quanto estou a sofrer por a Ally não se lembrar mim, mas mesmo assim vai ter com ela e ficam a sorridentes um com o outro. Esperei que o Jake tivesse mais consideração para comigo.Ele não sabe o que aconteceu, mas sabe que estou a fazer de tudo para que a Ally se lembre e as coisas possam voltar a ser como eram antes.

Já não sei o que fazer sem ela. A minha vida não será a mesma sem a sua presença ou a sua companhia. Sem a sua curiosidade ou preocupação.Não vai ser o mesmo ao adormecer sem a ter nos meus braços. Acordar de manhã e não ser a primeira coisa que vejo. Não será o mesmo sem passar o dia abraçado a ela.

Só não entendo o motivo para tantos risos e sorrisos. O que estão a falar que é assim tão engraçado? Nem deve ser assim tão engraçado. Vi a Ally olhar para mim e o seu sorriso desapareceu. O Jake virou a cabeça e olhou para mim. Não podia ficar mais ali. Então apenas me voltei e corri de volta para o 'meu' quarto e me encostei na porta.

Como foram capazes? Não sei se os conseguirei encarar novamente. Espero que não apareçam aqui. Principalmente o Jason. Não sei o que farei se me aparecer à frente neste momento.