Nunca é tarde demais.- Drarry

Fingindo que nada aconteceu


Quando a noite chegou, Draco não voltou a casa para jantar, mas ficou no local da escavação enquanto o sol se punha. Mais que tudo, queria ficar sozinho agora. Os eventos do dia o tinham abalado. Havia chegado ao Palácio preparado para lutar contra qualquer renovação de velhos sentimentos de paixão. O que não tinha antecipado era encontrá-lo ferido emocionalmente, de modo que seu coração sofresse por ele em cumplicidade. Aquilo seria difícil de resistir. Talvez impossível.

Olhou para cima quando escutou o carro de Harry se aproximando. Perguntou-se se ele fora procurá-lo e decidiu que provavelmente não. O momento no qual Harry o abraçara pedindo conforto não tinha durado. Depois disso, ficara defensivo, nervoso, insistindo que deveria levá-lo de volta para o almoço.

Essa era uma outra razão pela qual Draco tinha evitado o jantar naquela noite.Quando Harry saiu do carro, estava sorrindo, como se tudo estivesse normal, e Draco percebeu que ele estava determinado a agir como se nada tivesse acontecido. Estava provavelmente envergonhado por ter mostrado sua "fraqueza", pensou Draco.

— Eu lhe trouxe comida — anunciou ele. — Eles me disseram que você não estava presente no jantar.

Então ele também não estivera lá.

— Obrigado — murmurou Draco. — Mas você não precisava se incomodar. Comi um sanduíche e tomei uma cerveja. — Draco balançou a latinha.

— Isso não é o bastante para alguém que trabalha longas horas no calor — replicou ele, desembrulhando um frango. — Você ficará doente se não se cuidar.

— Sou invulnerável — brincou Draco. — Nada nunca me atinge.

— São as pessoas que falam essas bobagens que acabam doentes — ele o informou. — Você devia ter mais bom senso.

Draco riu.

— Eu sempre fui famoso pelo meu bom senso. As pessoas costumavam dizer de mim: "Ele pode ser tão tedioso quanto água parada, mas temos de admitir que tem bom senso".

— Então suponho que você perdeu o bom senso quando deixou de ser tedioso — disse ele. —Exceto que nunca foi.

— Eu o aborrecia muito falando sobre história passada o tempo todo? — perguntou Draco.

— Ninguém nunca me aborrece falando sobre minha casa __replicou Harry com honestidade. —Mesmo naquela época, eu ficava impressionado com seu conhecimento.

— Mas nós deveríamos ser um casal que se cortejava — Draco o relembrou, provocando-o. — E lá estávamos nós, falando sobre Júlio César.

— Não falávamos sempre de Júlio César.

— Tem razão. Comentávamos também sobre Lucrécia Borgia. Alguma coisa não está muito certa sobre isso, se eu apenas pudesse entender.

Os dois riram. Tinham voltado à conversa fácil e agradável, o que, Draco supôs, era o que ele queria. Draco levou a lata de cerveja aos lábios, jogando a cabeça pára trás e bebendo como um homem sedento, terminando com um suspiro de prazer.

— Você tem espuma na boca — apontou ele, pegando um lenço limpo do bolso.

— Obrigado. — Ele ficou imóvel enquanto ele terminava de limpar-lhe os lábios.

— Eu não acho que você cuida muito bem de si mesmo — comentou Harry.

— Eu não preciso me cuidar mais que isso. Tenho tudo que quero. Olhe. — Draco indicou as fundações parcialmente reveladas a certa distância deles. Conforme falou aquilo, uma expressão diferente cobriu-lhe o rosto, como se pudesse ver algo que Harry não via.

— Draco — murmurou ele incerto.

Draco tocou-lhe a mão e começou a andar vagarosamente, descendo alguns degraus rasos para onde as fundações começavam a aparecer, e mesmo alguns tijolos. Enquanto Harry observava, Draco ajoelhou-se e deslizou os dedos sobre os tijolos, onde o contorno de um padrão era visível agora.Então se levantou e olhou ao redor do local, o qual estendia-se a mais de um acre, o rosto brilhando de orgulho. Ele não falou, mas nem precisava. Não poderia ter dito mais claramente: "Este é meu reino".

— Draco — disse ele suavemente.

Quando Draco pareceu não ouvi-lo, Harry segurou-lhe os ombros e virou-o para si.

— Draco — repetiu, sacudindo-o de leve. — Onde você está?

Draco lhe deu um pequeno sorriso, mas havia alguma coisa em sua expressão.

— Estou aqui — assegurou-o.

— Eu acho que não. Às vezes, penso que o mundo real não é muito real para você.

— Você acha que este é o único mundo real? — perguntou ele em surpresa. — O passado não é real? Deveria ser para você, entre todas as pessoas. Eu pensei que você entendesse a excitação de passar para um outro universo, onde as regras são diferentes.

— Mas não mais real do que o presente — disse ele com um toque de urgência, uma vez que os cabelos de sua nuca estavam começando a se arrepiar com um tipo de estranheza que o possuíra.

— É como viajar, explorar lugares maravilhosos. É a coisa mais excitante que existe.

— Acho que seu mundo é habitado por criaturas muito estranhas. É alarmante. — Harry o estudou. — Você é um pouco alarmante.

Draco o olhou, sorrindo. O brilho do sol estava sobre o rosto dele. Mal sabendo o que estava fazendo ou porquê, Harry tirou-lhe o chapéu, de modo que o sol brilhasse em seus cabelos também,parecendo deixá-lo todo dourado. A linda visão o deixou imóvel.

Draco não poderia ter se movido mesmo se sua vida dependesse disso. Harry o estava olhando de um jeito que nunca olhara antes, como se ele tivesse sua total atenção, mesmo contra a vontade. A expressão dele era assustada, quase sem defesa, e Draco soube que, pela segunda vez naquele dia, tinha conseguido penetrar algum lugar interior em Harry, que sempre lhe fora barrado no passado.Sentia-se inundado de calor, embora se pelo sol ou por alguma outra causa, não sabia. Sabia apenas que aquilo, era maravilhoso e doce, e queria que durasse para sempre.

— Draco — sussurrou ele novamente.

O barulho agudo vindo do bolso dele pareceu assustar a ambos, quebrando a magia.

— O que foi isso? — perguntou ele.

— Meu celular. — Draco o tirou do bolso e atendeu.

— Dray? Aqui é Ted.— Quem? — A mente de Draco estava longe.

— Como quem? Edward Lupin, seu primo de segundo grau. Estou ligando da Inglaterra.Agora, você se lembra de mim?

— É claro — disse Draco, tentando recompor-se.

Ted era filho de lorde Remus Lupin, o conde cuja casa tinha sido o cenário do drama, doze anos atrás.Na época uma criança, ele havia sido pajem de Ginevra.Por um momento, Draco teve de se esforçar para lembrar-se de tudo isso, porque, após os últimos minutos, Ted parecia tão distante como se estivesse em outro planeta.

— Tenho esperado notícias suas — murmurou Ted do outro lado da linha.

— Desculpe-me... sobre o quê?

— Sobre meu casamento, é claro. Você vem ou não? Já deveria ter me informado.

— Oh, meu Deus! Ted, sinto muito. Eu realmente...

— Mas você se envolveu com alguns velhos ossos e, é claro, eles vêm em primeiro lugar. — Ele parecia divertido. Como todos os amigos e parentes de Draco, Ted tinha aprendido a ser tolerante.

— Não foi exatamente isso — começou Draco.

— Sim, foi. Eu conheço você. De qualquer forma, pode tirar alguns dias de folga e vir para meu casamento?

— Eu não sei. Vou tentar.

— Ótimo. Vou colocá-lo na lista dos que virão.

Draco desligou para descobrir que Harry tinha se afastado. Podia ser apenas por educação, dando-lhe privacidade para falar ao telefone, mas Draco sabia que para ele o momento tinha acabado, e o que quer que tivesse significado, já passara.Mas alguma coisa no interior de Draco rebelava-se com o pensamento de voltar a buscar momentos como aquele. Não era um rapazinho apaixonado, agora era um homem e não iria sucumbir facilmente à magia doce e perigosa. Se fosse esperto, deveria escapar daquele lugar enquanto era tempo. Alguns minutos longe dali o ajudariam colocar tudo em perspectiva.

__Acho que eu gostaria de voltar para casa agora — anunciou,juntando-se a Harry. — Preciso de uma refeição apropriada.

—É claro — disse ele, educadamente. — Eu levo você de carro.