nota quatro:

bordô

Tangerina.

O aroma adocicado que subia em espirais daquele caldeirão trazia maliciosamente notas acentuadas de ébano misturadas ao alecrim. Enquanto o gosto travoso da fruta causava a estranha sensação de amarro no fundo da garganta, o cheiro amadeirado pinicava o lábio superior de Scorpius Malfoy, fazendo-o passar a ponta da língua diversas vezes ao redor da boca em uma inútil tentativa de acabar com aquelas cócegas e sentir o gosto amargo da casca da fruta bem ali; às vezes a fragrância tornava-se enjoativa demais a ponto de fazer a cabeça latejar e o estômago ser jogado de um solavanco para trás.

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“Amortentia é uma poção perigosa” Horácio Slughorn caminhava pelos estreitos corredores da abafada sala de aula; usava um terno cinza de mangas compridas e grossas que salientavam ainda mais a pronunciada barriga. Trazia junto ao corpo uma bengala que o mantinha firme com ambos os pés fincados ao chão. Draco Malfoy tinha tecido elogios incríveis sobre aquele homem, agora idoso demais para comportar tamanha magnificência, talvez, mas esqueceu-se de mencionar a ambição por detrás das seletas palavras. “Torna quem a bebe incapaz de lidar com sentimentos que às vezes sequer existem.”

Rose Weasley aprumou a coluna em um encosto de madeira invisível. Os cabelos ruivos estavam presos aquela manhã em um desleixado rabo de cavalo o que fez Scorpius desconfiar que Rose sequer soubesse prendê-los de fato ou que pelo menos aquilo não era o que pretendia fazer. O suor escorria com delicadeza pela lateral do rosto traçando caminhos… “impróprios”. Os pensamento às vezes o traíam e Scorpius Malfoy se via caindo na ardilosa rede de fantasias que ele mesmo havia criado, deixando-o extremamente desconfortável com tamanhos devaneios. Anuviou os pensamentos subindo aqueles indecifráveis olhos cinzas do pescoço para as bochechas róseas que deviam estar quentes demais.

Sacudiu a cabeça com brutalidade, enfiando as mãos por dentro dos fios loiros, quase perolados de tão claros e voltou a mexer sua poção com raiva: Rose o desconcentrava.

“Vi esse filme se repetindo um milhão de vezes, meu rapaz. É sempre a mesma coisa. Ministrar essa aula acaba se tornando uma tarefa bem árdua e meio complicada também. Tem muita gente apaixonada na idade de vocês e gente igualmente orgulhosa também." A mão de Horácio Slughorn parecia pesar uma tonelada quando repousou sobre os ombros de Scorpius Malfoy, fazendo-o esticar a coluna automaticamente o máximo que conseguisse. "Pergunte ao seu pai, ele sabe perfeitamente do que estou falando.”

Aquele líquido alaranjado que flutuava de um lado para o outro do caldeirão tinha adquirido uma tonalidade bordô e já não exalava o mesmo de antes; as nuances cítricas tinham sido substituídas por um perfume peculiar de madressilvas que espiralava sorrateiro em linhas esbranquiçadas de fumaça direto para o seu nariz.

Scorpius Malfoy pode sentir uma olhada sutil arder a nuca, mas não se atreveu a levantar os olhos daquele mar profundamente raso que era o seu caldeirão. Deixou que Rose Weasley demorasse o quanto achasse necessário ali, ainda que ele mesmo se questionasse o que de tão interessante ela observava, mas internamente, torcia para que aquilo cessassem o quanto antes; podia sentir o calor do fogo, misturado ao clima morno da sala, queimando as bochechas mais do que deveria.