nota dois:

terra cotta

Quando a vi pela primeira vez a sensação foi anestésica.

Rose Weasley fervia, queimava ardentemente debaixo de um guarda chuva xôxo — cinza e triste, que nada combinava com sua personalidade efusiva e inquietante — na esquina da loja dos tios que tentavam fechar as pesadas portas de ferro com particular dificuldade. Era possível sentir o calor exalando por mínima que fosse a aproximação alheia dos braços, pernas, do corpo todo em si. Rose sempre foi quente e vibrante: alegre, eufórica e espalhafatosa. Alguns diziam exagerada, e olhavam torto quando a viam entrar nas salas de aula com meias de listras que cobriam os joelhos ou casacos coloridos demais para uma garota de quase dezoito anos. Ao contrário do que achavam, Rose não tinha nada de relevante para falar sobre: era exatamente aquilo que a deixava viva. Existia algo nela que fazia as pessoas se sentirem conquistadas e instantaneamente queridas. Rose nunca fez nada de extraordinário além da simples tarefa de estar ali. Ainda assim, cada um a enxergava de jeitos diferentes e únicos, porque Rose Weasley era boa demais para eles, para mim, e eu sabia disso.

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Mantive a distância por precaução, uma segurança entre o que pensei e o que Rose de fato me mostrou ser. Era deveras mais bonito observá-la de uma perspectiva própria, porque os defeitos, definitivamente, estavam ali, mas pareciam tão pequenos, fúteis e bobos que sequer existiam de fato. O contato começou arisco e dúbio, numa dança pouco apetitosa, nada convidativa, tampouco sensual e muito mais delicada do que imaginei que fosse. As aulas de Poções deixaram de ser maçantes, chatas e quentes demais; de repente só cinquenta minutos confinados numa masmorra que sequer tinha janelas para circular o bafo quente que soprava esporádicas vezes detrás do meu pescoço, tornou-se insuficiente.

Toda terça feira seguia o mesmo ritual, eu queria a quarta porque ansiava atravessar o minúsculo corredor daquela igualmente pequena sala de aula e me deparar com um singelo e despretensioso sorriso de boas vindas. Rose sempre me lançou aquele erguer rápido de lábios, desde a primeira vez, ainda que as suas opiniões sobre mim não estivessem devidamente claras ou formadas nos recônditos mais profundos de um coração inquieto, indomável, ela nunca me tratou como a grande maioria.

Existia um “e se” ali e aquele talvez fosse o problema.