—Mas o que pelas calçolas da minha avó aconteceu? – Regina bradou assim que eu entrei na cozinha da taverna, desenrolando o pano velho que envolvia minha cabeça e caía protegendo minhas orelhas e pescoço do frio cortante que estava do lado de fora.

Pisquei bem devagar, sentindo meus olhos sensíveis e doloridos com o movimento, ao mesmo tempo, que voltavam a arder com as lágrimas que surgiram repentinamente. Levei a mão a minha cabeça, tocando-a sem jeito ao sentir o couro cabeludo e o pouco que sobrara do meu cabelo.

—Eu precisava do dinheiro. – respondi torcendo a boca para segurar o choro e aproximando-me do fogão para me esquentar. – O proprietário me procurou e falou que o prazo estava acabando. Eu não posso deixar meus pais sem um teto, Regina. – expliquei dando de ombros e forçando um sorriso ao fitar seu rosto, retorcido pela desaprovação. – Está tudo bem, oras! Cabelo cresce novamente... Sem falar que estou me sentindo até mais leve depois que me livrei daquele peso louro todo. – brinquei e ela suspirou fundo, cruzando os braços.

—Por que não conversou comigo que o proprietário veio cobrá-la? – indagou.

—Não havia motivos. Não quero incomodar você com meus problemas, Regina. Você e Robin já me ajudam o suficiente ao me deixarem trabalhar aqui, quando leem e me explicam coisas que não faço ideia do que querem dizer.

—Quanto você conseguiu? – questionou o timbre de voz baixo, que refletia como ela reprovava o que eu tinha feito.

—Vinte libras para o barbeiro mandar para a fábrica de perucas.

—O que?! – Regina grasnou exasperada. – Vendeu os seus cabelos por miseras vinte libras? Ele valia bem mais, Emma!

Olhei para ela, prestando atenção em suas palavras.

—Verdade? Mas... Mas o barbeiro disse que não valia mais que vinte libras.

—Ah Emma... – a morena soltou com certa pena. – É claro que disse. Ele é um comerciante e quer lucrar, não perder dinheiro. Está vendo por que você deveria ter me falado sobre isso?

Olhei para os meus pés, sentindo as lágrimas escorrerem novamente pelo meu rosto ao me sentir enganada uma vez mais. Nada eu consegui fazer sozinha sem ter que consultar alguém para saber se estava fazendo certo ou se valia mais. Sempre as pessoas se aproveitavam do meu desespero e falta de instrução, porque sabiam que eu não iria recusar.

Prendi a respiração, sentindo o ar dentro do meu corpo se agitar irritado para sair. Meu coração começou a bater com angústia e minha barriga se contrair com o esforço que eu fazia para segurá-lo. A sensação de não conseguir respirar por alguns segundos era o que me acalmava quando aquilo acontecia, porque eu sabia que teria controle sobre a situação. Sobre decidir voltar a respirar ou não. Era minha escolha, algo que ninguém poderia fazer por mim.

—Killian veio falar comigo. – contei sem soltar o ar, ainda de olhos fechados, sentindo meu corpo, balançar de leve.

Regina ficou em silêncio e fiquei tentada a espiar sua expressão. Quando contei para ela sobre o acontecimento de sábado, ela ficou furiosa e resmungou praguejamentos nem um pouco agradáveis para uma dama o tempo todo e fazendo ameaças que nunca cumpriria.

—O que ele queria? – perguntou por fim.

Puxei um bocado de ar para dentro, querendo continuar daquela forma por mais um tempo, até que as lágrimas secassem.

—Ele me ofereceu ajuda. Perguntou de quanto dinheiro precisava. Disse que queria cuidar de mim da forma que podia; que não quer que eu venda-me aos poucos. Pediu desculpas pelo comportamento de sábado e falou que ajudaria eu a me casar com Graham. – resumi, sentindo-me mais calma. Na hora, eu queria enfiar a cara de Jones na lareira, fazê-lo se sentir mal consigo mesmo. Eu queria mais era que ele sofresse para provar um pouquinho do que eu estava sentindo. Porém tão logo o pensamento passou pela minha mente, ele sumiu e me repreendi por desejar aquilo para ele. – E me pediu um abraço.

—Um abraço? – indagou incrédula.

Assenti, divertindo-me ao perceber que sentia meu coração palpitando por todo meu corpo em busca de ar.

—Sim, um abraço. E ah, não. Não aceitei a ajuda dele e nem o abracei. – falei com certo orgulho.

A cada dia que passava, tornava-se mais fácil ignorar o que um dia sentira por Killian... Ou pelo menos eu tentava me convencer disso.

—Emma! – ouvi a voz de minha mãe vinda da taverna, parecendo ansiosa.

Soltei uma única lufada quente de ar, abrindo os olhos em alerta, quebrando o meu ritual e correndo ao seu encontro para saber do que precisava.

Minha mãe estava do outro lado do balcão, olhando ao redor, enquanto passava os dentes pelo lábio inferior. Ela usava uma capa velha e que estava toda cheia de remendo. Seu rosto estava afogueado e os olhos cheios de lágrimas.

—Mãe! – chamei e senti o medo que saiu naquela palavra. Ela nunca aparecia na taverna, a não ser que algo tivesse acontecido. – Mãe a senhora está bem? O pai? Aconteceu alguma coisa? – perguntei estudando-a de cima a baixo. – Pelo amor de Deus, mãe! Diga algo!

Ela deixou seus olhos fixos em minha cabeça, antes de acariciá-la com pesar e abrir um sorriso aliviado para mim.

—Eu vim buscá-la para ir para casa. – falou. – Não precisará mais trabalhar aqui. – contou com os lábios se esticando ainda mais, enquanto secava as lágrimas rapidamente.

—O que a senhora está dizendo?... Mãe, precisamos do dinheiro. Já conversamos sobre isso. Assim que eu conseguir tudo para pagar as dívidas eu irei sair da casa da família Odom para ficar mais tempo com vocês.

Vi seus cabelos negros balançarem, quando ela negou, passando a língua pelo lábio superior para secar as lágrimas que pousavam nele.

—Veja. – ela ergueu um papel. Peguei de sua mão e o estudei com curiosidade, sem entender o que estava escrito. Virei para trás procurando por Regina que estendeu a mão, pegando-o. – Está tudo quitado. Não estamos devendo mais nada. – informou, soltando leves risadinhas.

Eu continuava a fitá-la sem entender nada.

—Como? – inquiri. – É verdade, Regina?

A morena assentiu os lábios esticados em um leve sorriso.

—É sim. Segundo esta nota, vocês não estão devendo mais nada. Foi tudo pago. Sua mãe está dizendo a verdade.

—Mas... Mas...

—Killian foi até em casa e veio comigo até aqui para me auxiliar. Ele pagou tudo: os aluguéis atrasados, as dívidas que tínhamos no boticário por causa dos remédios do seu pai, das vendas que já estavam recusando nos vender comida. Tudo... E ainda fez o proprietário assinar um papel em que parece que estava escrito que ele havia recebido os aluguéis atrasados e dos próximos... Killian disse que já pagou o aluguel por um ano. Não teremos que nos preocupar com ele.

Balancei a cabeça, tentando assimilar o que minha mãe dizia. Ela apertava minhas mãos e saltitava sem nem perceber, e mesmo não tendo gostado deles terem aceitado dinheiro de Killian sem antes me consultar, eu não podia deixar de me sentir grata por ele ter feito o que fez.

Fazia tanto tempo que não via minha mãe daquele modo, os ombros relaxados, assim como suas feições... Ela parecia até mais nova sem aquelas rugas de preocupação que marcavam seu rosto.

Eu recusara, entretanto Jones sabia que eles não fariam isso. Killian os conhecia muito bem, para saber que aceitariam para tentar me dar algum conforto.

—E o pai aceitou? – sussurrei.

Ela afagou minha bochecha, puxando-me para seus braços, distribuindo beijos por todo meu rosto.

—Vamos para a casa, que conversaremos melhor. – murmurou, soltando-me e olhando por cima do meu ombro para Regina e Robin. – Muito obrigada por terem aceitado Emma aqui e por toda ajuda. Porém ela não precisará mais. Obrigada por ter cuidado da minha filha da forma que pôde Robin, serei eternamente grata.

Robin maneou a cabeça como se não fosse nada.

—Eu espero que não precise, mas sempre poderá voltar... Se prometer se comportar. – brincou. – Sei que nem sempre consegui evitar que coisas desagradáveis acontecessem, mas tentei.

—Eu sei, Robin. Você é um homem muito bom, obrigada pela sua paciência... É tão estranho isso. Não me imaginava saindo. – confessei sentindo-me estranha com aquela situação. Até poucos minutos atrás eu nem podia sonhar em sair dali, as contas estavam pesando em meus ombros e agora haviam desaparecido por completo.

—Venha me visitar com frequência, Emma. – Regina pediu. – Como amiga dessa vez.

Aquiesci adiantando-me para abraçá-la, inspirando seu cheiro de maçã com canela.

—Você foi a melhor patroa para quem já trabalhei.

—Levando em consideração que você trabalha para as mulheres Odom, não sei se considero isso um elogio, já que qualquer pessoa é melhor que elas. - retrucou, ao me retribuir. – Agora vão para casa antes que esfrie mais ainda. – aconselhou, indicando a porta com o queixo.

Minha mãe segurou em meu braço, parecendo pronta para me arrastar dali. Robin voltava da cozinha, segurando minhas coisas e jogou-as em minha direção.

—Não via a hora de se livrar de mim, não? – questionei.

—Se se livrar de você, significa vê-la em paz, então tenha certeza que não via a hora, Emma.

Anui, sabendo ao que Robin estava se referindo. Assim que Regina confirmou que o que minha mãe dizia era verdade, a preocupação que carregava e curvava meus ombros, desaparecera; algo que carreguei por tanto tempo havia sido tirado de mim e agora eu estranhava a ausência daquela nuvem negra de problemas que me acompanhava em todos os lugares.

—Killian pediu para que não a deixássemos mais trabalhar na taverna. – minha mãe contou, entrelaçando seu braço no meu quando estávamos do lado de fora. – Ele ainda é um rapaz maravilhoso e se preocupa com você, filha.

—Parece que sim... Eu só não o entendo... Antes me pediu para esquecer e agora isso. Teve a cena no baile e hoje cedo, Killian me pediu um abraço.

—E você deu? – quis saber, seus olhos bondosos presos no meu rosto.

Como eu gostaria de ter a bondade e o coração que minha mãe possuía. Ela sempre fora exatamente desse jeito, desde que a conheço. Nunca amargurada com a vida, perdoando e sendo carinhosa com todos, mesmo aqueles que não mereciam; que zombavam dela por sua falta de estudo. Em meus vinte e quatro anos, nunca tinha visto Branca direcionando uma palavra afiada ou desagradável a alguém e duvido que pensamentos maldosos; passavam por sua mente.

Coisa que frequentemente acontecia comigo.

—Claro que não, mãe!

Branca estalou a língua.

—Não se nega um abraço para quem amamos, mesmo que essa pessoa tenha nos machucado... E como anda você e Graham? – indagou de repente.

—Bem... Ele não está irritado comigo pelo o que aconteceu no sábado e sim com Killian. Minha nossa! Humbert está uma fera. Jones que não ande na linha.

—Ótimo saber disso... Graham faz bem a você. Ele já sabe do corte?

Fiz que não, levando a mão à cabeça e sentindo o peito doer. De tudo que eu tive que me desfazer; meus cabelos foram os mais difíceis. Eu sempre os adorara. Era o que eu tinha de mais bonito e rico e, então estava lá, sentindo-o sendo tirado. Pressionando os lábios com força e apertando bem os olhos para não ver aquilo que mais gostava sendo arrancado sem dó para que outra pessoa usasse.

Provavelmente as dondocas mimadas de Londres os colocariam na cabeça para fazer seus penteados elaborados, sem saber que estariam exibindo os cabelos de uma criada do interior.

—Eu não me arrependo, mãe. – murmurei. – E faria novamente se significasse um modo de ajudá-los. Minha preocupação não é mais agradar um homem para que se case comigo e, sim o bem-estar de vocês.

[...]

—Ainda não acredito que o senhor aceitou a ajuda dele. – repeti incrédula, enquanto fazia o jantar e meu pai me observava do modo terno, que fazia com que eu me sentisse a mulher mais sortuda do mundo por tê-lo.

—Ele teve bons argumentos, eu já disse. – deu de ombros, ajeitando-se na cadeira. – Não fiquei nem um pouco feliz com a presença dele... Todavia, Killian disse algo que no fundo eu temia que acontecesse. Desde quando me tornei esse inútil, foi o meu maior medo.

Parei de mexer a panela e o fitei, vendo seus olhos ficarem embaçados, como se algo os cobrisse e percebi alarmada que eram lágrimas. Seu rosto se contraiu, enquanto ele parecia visitar aquele lugar de sua mente que pintava imagens horríveis.

—O que era, papai? – indaguei baixinho, tirando a panela do fogo e indo me ajoelhar ao seu lado.

David fixou seus olhos em mim e ergueu a mão para afagar o meu rosto.

—Que você... – começou, parecendo sentir dificuldade em falar, como se algo obstruísse sua garganta. – Que você se vendesse para nos ajudar... Eu a conheço para saber que não hesitaria se caso precisasse... Eu morreria se você virasse uma mulher da vida. Não de vergonha, mas de desgosto e culpa por tê-la sujeitado a isso. – confessou, fechando os olhos como se sentisse dor ao colocar aquelas palavras para fora. – É isso que acontece com moças pobres que estão desesperadas. Eu deveria protegê-la.

Passei o dorso rapidamente em minhas bochechas, secando as lágrimas furtivas que escaparam e segurei sua mão áspera nas minhas, beijando-a. Fitei seus olhos azuis pesarosos e sorri para ele, erguendo-me para beijar seu rosto e me aninhar em seu peito como fizera diversas vezes quando criança. Senti seus braços protetores ao meu redor, segurando-me como se eu ainda fosse uma menina.

—Fique calmo que isso não irá acontecer. – sussurrei, deitando a cabeça em seu ombro.

—Graças a esse rapaz. Ele destruiu muita coisa, mas ainda tem um pouco do filho do reverendo dentro dele... Ia acontecer, não ia, Emma? Seja sincera comigo. – pediu, descansando sua bochecha em minha testa.

Fiquei imóvel, sem saber o que responder. Eu já havia recebido propostas de clientes da taverna, tanto dos mais ricos, assim como os que não tinham onde cair morto. Era uma opção que eu abominava e fazia meu interior se retrair de nojo, mas se fosse preciso, ignoraria o asco para ter a chance de cuidar deles.

Endireitei-me e o olhei.

—Foi uma opção que se passou pela minha cabeça... – comecei e meu pai fechou os olhos, com uma careta de dor.

—Vá falar com Killian amanhã. – pediu. – Sei que... Está machucada, contudo ele se importa com você e sentiu o mesmo medo que eu sinto desde sempre. Não estou dizendo para tratá-lo como antes. Apenas o agradeça.

Levantei-me, voltando para a panela. De onde eu estava, conseguia observar minha mãe que cantarolava alegre, enquanto bordava algo com um sorriso estampado no rosto.

Jones devolvera o ar limpo para dentro de casa e sem pedir nada mais em troca além de que eu parasse de trabalhar na taverna.

—Irei conversar com ele amanhã. Eu prometo, pai. – garanti, pensando no que eu diria para ele no dia seguinte.

[...]

—Preciso de sua ajuda. – murmurei para Tinker. – Poderia contar quantas moedas eu tenho aqui? – ergui a caixinha que guardava todas as minhas economias.

—Já ensinei como se faz isso, Emma. Você tem que tentar; caso contrário nunca irá aprender.

Mudei o peso do corpo, olhando desconfiada para os outros criados. Eu precisava contar para ela o que Killian fizera, mas graças a Milah e seus pedidos inúteis para me castigar, não tinha tido tempo, até aquele momento, em que deveria estar indo embora.

Puxei-a para o lado de fora, o mais distante possível da cozinha e fiz com que se sentasse no chão, que estava com uma camada fina de geada cobrindo-o.

—Killian foi falar com meus pais ontem e ofereceu dinheiro. – soltei rapidamente. – Ele pagou tudo, inclusive o aluguel por um ano. E pediu para que eu não trabalhasse mais na taverna... Achei gentil o que ele fez. Jones me oferecera ajuda, no entanto, declinei. Quando fiz isso ele correu para oferecer a ajuda para os meus pais.

Seus olhos se arregalaram de espanto, antes de ficar emburrada. Ela havia pegado certa birra de Killian, desde que descobrira que ele era o homem que quebrara a promessa. Insetos e bichos melados eram presentes surpresas comuns no quarto de Jones. Tink adorava enfiá-los nas roupas limpas do armário e vê-lo passando pela cozinha com a expressão irritada enquanto tinha que ir até o lado de fora da casa se livrar deles.

—Isto que eu chamo de consciência pesada... Espero que não esteja tentando comprá-la como fez com o vestido. – resmungou.

—Por isso quero pagá-lo. Para que ele não comece a achar que pertenço a ele. – expliquei. – Eu contei, mas gostaria que você confirmasse para ver se fiz certo.

Ela olhou para o meu rosto, antes de tirar a caixinha da minha mão e, derrubar todo o conteúdo no chão, separando as moedas em montes de dez, deixando uma pedrinha na frente das que já havia contado.

—Quanto você contou?

—Noventa libras.

Tinker abriu um sorriso e começou a guardar as moedas de volta na caixinha, uma por uma, fazendo-as tilintar quando batiam com a outra.

—Contou certo. Tem noventa libras.

Senti o peito inflar de orgulho e felicidade por ouvir aquilo. Eu estava aprendendo a contar o dinheiro! Poderia questionar a próxima vez que fosse trabalhar e me pagassem menos que o prometido. Não iriam; mais me passar para trás... Pelo menos quando se tratasse daquilo.

—Muito obrigada, Tink. – agradeci, pegando a caixa de suas mãos. – Muito obrigada por me ensinar o pouco que sabe e acender uma vela nesse cômodo tão escuro que é a minha ignorância.

—Gostaria de poder fazer mais... Contudo meu quarto é parcamente iluminado também. – ela se levantou. – Vá falar com ele e mostre que está grata, mas que isso não o faz seu dono.

Aquiesci, colocando-me de pé e acompanhando-a de volta para o lado de dentro. Peguei minha bolsa e guardei a caixa, para que não tivesse que me explicar se por acaso encontrasse com Milah no meio do caminho.

Céus! Eu esperava que ela não estivesse no escritório junto com Killian, trocando carinhos...

Fiz um som de nojo, colocando a língua para fora quando meu estômago se retraiu com a pintura que minha mente rapidamente criou deles em um momento intimo.

Bati na porta do escritório sem jeito. Havia estado ali pouquíssimas vezes e em todas quando ele não estava lá.

—Entre. – a voz abafada e concentrada respondeu lá de dentro.

Respirei fundo, girando a maçaneta antes que a coragem fosse embora e eu saísse correndo para minha casa.

—Tem um momento, senhor? – indaguei com hesitação ao vê-lo debruçado sobre um grande livro que deveria ser de registros.

Jones ergueu a cabeça e um leve sorriso surgiu em seus lábios.

—Imaginei que já estava dispensada uma hora dessas. Entre, Emma. E feche a porta.

Apertei os lábios, entrando e encostando a porta atrás de mim. Jones havia se recostado a cadeira e observava-me atentamente.

Fiquei uns minutos, parada em frente a sua mesa tentando escolher, as palavras. Eu passara o dia tentando encontrá-las, mas descobri que não sabia quais utilizar. Não me sentia mais a vontade para falar com ele como a garota de quinze anos, que não fechava a boca por um minuto; assim como não estava irritada. As poucas palavras que havíamos trocado naquelas semanas, saíam sem que eu pensasse, no simples e puro impulso da raiva que eu sentia.

—Quer se sentar? – ele indicou a cadeira.

Balancei a cabeça em uma negativa.

“Vamos Emma. Ele está ocupado.”

Killian se endireitou, pousando os cotovelos na mesa, estudando-me e consequentemente deixando-me mais nervosa.

—Eu gostei. – apontou para o enfeite simples em minha cabeça, que minha mãe fizera na noite passada, até que meus cabelos crescessem novamente.

—Minha mãe que fez. – contei envergonhada.

Jones sorriu com doçura, fazendo meu coração errar uma batida e o repreendi por ainda falhar por ele. Por aquele sorriso.

—Claro. Imaginei que teria sido.

—Escute, não quero tomar muito de seu tempo senhor... – comecei. – Acontece que estou pensando ainda em quais palavras usar. – confessei sem graça.

—Você não precisa escolher palavras comigo, Emma. Apenas fale, não é todo dia que sou presenteado com esse prazer.

Aquiesci, levando isso como um encorajamento para prosseguir sem medo.

—Sei que o senhor foi falar com meus pais e nos ajudou com nossas dívidas... Assim como pediu para que me proibissem de ir trabalhar na taverna. – falei.

Killian anuiu, juntando as pontas dos dedos.

—Veio aqui para brigar comigo?

Fiz que não.

—Para agradecê-lo. Muito obrigada. Foi à primeira vez em meses que vi meus pais sorrindo de verdade. – contei para ele. – Claro que ficaram chateados por causa do cabelo...

—Eu também fiquei. – interrompeu. – Viu como não doeu aceitar minha ajuda?

Enfiei a mão na bolsa, tateando até achar a caixinha e a coloquei na frente de Killian.

Ele a observou, seu semblante ficando tenso.

—O que é isso, Swan?

—O que eu consegui juntar para pagar as contas. Irei pagá-lo... Irei quitar a dívida que tenho com o senhor. Consegui juntar noventa libras. Eu contei e Tinker confirmou senhor. Ela me ensinou a contar. Pode conferir. – incentivei.

Jones despejou o conteúdo na mesa, contando lentamente.

—Está certo. Noventa libras. – declarou sem emoção.

—Estou disposta a, trabalhar mais horas, assim como abrir mão de meus salários para poder pagar o senhor...

—Fique quieta. – ordenou, erguendo uma mão para me silenciar, os olhos fechados.

Abaixei a cabeça, imaginando o que eu havia soltado de errado que o ofendera. Meu coração começou a bater rápido demais, com o medo que sentiu de levar uma bronca.

—Em algum momento eu pedi que me pagasse Swan? Acha que esse dinheiro irá me fazer falta? Acredita tão piamente assim que me tornei esse tipo de homem que só pensa em fortuna?

—Não...

—Exatamente. Não. Esse dinheiro é seu. – Killian se levantou, dando a volta e parando ao meu lado, colocando a caixinha em minha mão. – Se eu ajudei, é porque quero cuidar de você... Porque eu odeio vê-la nesse estado, sendo esmagada e tendo sua essência perdida a cada dia. E diga aos seus pais, que se eles mudarem de ideia, eu comprarei o chalé para vocês.

Escrutinei seu rosto tão próximo ao meu. Os olhos azuis, da mesma cor que eu me lembrava de observar todas as noites. Consegui enxergar a cicatriz em seu rosto, que fora causada por uma navalha quando estava tirando a barba.

—Eu não o entendo... – comecei determinada a expor a confusão que estava sentindo, causada por ele. – Você pede para deixar para trás o que tivemos, mas vive trazendo isso à tona. Eu estou obedecendo. Estou agindo como seria o certo. Você é meu senhor, e eu sua criada. Nada além, disso. É a primeira vez que estamos nos conhecendo e o senhor se solidarizou com a minha situação, ajudando-me com um dinheiro, que faço questão de pagar.

Killian aproximou-se mais, seus olhos passeando lentamente pelo meu rosto, parecendo tristes.

Se eu me mexesse, estaria dentro de seus braços, sentindo o calor que emanava do seu corpo, por isso optei por ficar imóvel nem ousando respirar.

—Você não deveria acatar todas as ordens que eu te dou, Emma. – murmurou, abaixando o rosto em direção ao meu. Fechei os olhos, ao sentir a ponta de seu nariz em minha bochecha, fazendo meu coração disparar, mas não de medo e sim de deleite pelo mínimo toque. O reconhecendo mesmo após tantos anos. – Não quero que deixe para trás... Para ser sincero, todas as noites eu espero que se lembre de tudo que tivemos. Que se recorde de todos os momentos como eu me recordo antes de dormir. E que sinta falta deles, como eu sinto.

Abri os olhos, fitando seu rosto. E olhando-me de volta estava meu Killy. Meu garoto dos trigais, que me amava apesar de tudo. Respirei fundo entreabrindo os lábios, quando as orbes azuis o fitaram com um pedido mudo. Um sorriso de júbilo apareceu, enquanto ele se inclinava para o beijo, que eu tanto sentira falta de receber...

Desviei o rosto quando o cheiro de loção e charuto invadiram meus sentidos, lembrando-me que apesar de ter semelhanças com meu Killy, aquele era um homem diferente. Nobre.

E meu patrão.

Um suspiro de frustração saiu de sua boca, quando sua testa encostou, na minha têmpora.

—Eu irei pagar o senhor queira ou não. – falei decidida, dando um passo para trás, tentando me recompor. – Muito obrigada novamente, senhor Jones. De fato é um homem muito bondoso. Srta. Odom tem sorte de tê-lo. Com sua licença, eu preciso ir.

—Emma. – ele segurou em meu braço. – Fique. - suplicou. A ponta de seu nariz estava vermelha, assim como o redor de seus olhos.

—Eu fiquei, Killian. E agora veja a situação que estou. – retorqui com ressentimento.

—Encontre-me no campo. Como antigamente. Vamos conversar. Você minha menina e eu seu Killy. Levarei um livro para ler para você. O que acha?

Balancei a cabeça em uma negativa a principio, com medo de não ser capaz de falar.

—Não acho uma boa ideia. Não somos mais os mesmos de antes. Você é um homem da nobreza e eu... Bem, aquela que deve servi-lo. Não somos mais do mesmo nível. Já deixou isso bem claro quando nos reencontramos. Realmente tenho que ir.

—Eu estarei lá esta noite. Por favor, esteja também. Perdoe-me pela forma que agi quando nos reencontramos. Eu não quero... Esquecer. Não consigo esquecê-la. – segredou. - Esqueça o dinheiro e deixe-me apenas ser seu garoto dos olhos azuis mais uma vez. Deixe-me amá-la dentro dos limites, finja que esses anos que ficamos longe nunca existiram e que ainda somos os mesmos. Apenas por esta noite. – implorou. Seus olhos espelhavam suas palavras e seu semblante demonstrava a angústia que parecia sentir.

—Está frio senhor. Aconselho que não vá até lá. Será uma viagem perdida, pois já adianto que não irei. – declarei decidida.

—Algum dia será capaz de me perdoar?

—Eu não sei. - fui sincera, dando-lhe as costas. – Quem sabe, se você realmente fizer por merecer meu perdão.

—Eu a amo. – murmurou baixinho. – Eu a amo. – repetiu.

Hesitei um momento, olhando por cima do ombro, encontrando-o de olhos fechados, como se sentisse medo da resposta que viria.

—Eu o amei. E muito. Mais do que a mim mesma. – respondi, segurando com força na maçaneta.

—Emma... – chamou-me de um modo que parei e voltei-me para ele. – Eu não aguento mais a sua indiferença. – confessou com a voz embargada, soltando um riso sofrido. - Dói, Emma. Dói estar tão agoniado, desesperado por um mísero abraço seu que nunca vem quando eu tinha todos eles. Tê-la tão perto e não poder tocá-la como outrora. Dói ainda amá-la tanto e você não me amar mais… Eu não me esqueci da promessa, minha menina. Nunca. Lembrava-me todo dia. Teve validade. Fui verdadeiro. E eu ia voltar, Emma. Juro que eu ia voltar para buscá-la, mas então meu tio descobriu e… Ameaçou deixar-me sem nada. Entenda que eu queria dar a você uma vida boa, voltar e ser seu, contudo...

—Eu nunca pedi dinheiro, Killian. Eu só queria você. - o cortei. - Se me amasse tanto, apenas eu seria o suficiente para você também. Daríamos um jeito… Eu não sou uma mulher excêntrica e você sabe. Pare de ficar arrumando desculpas, quando a verdade é que ama mais o dinheiro do que a mim!

Killian balançava a cabeça freneticamente em uma negativa e eu era capaz de ver as gotas prateadas descendo pelo seu rosto.

—Eu a amo. Eu a amo. - ele parou por um segundo, como se considerasse algo e então respirou fundo. Seus olhos estavam anuviados, o que demonstrava que o que sairia a seguir de sua boca não deveria ser bom. – Deixe-me levá-la comigo para Londres. Comprarei um apartamento ou uma casa se preferir para você. Teremos nossos filhos. Darei a você tudo do bom e do melhor. Poderá ser minha e eu seu. Eu a chamarei de senhora Jones. Visitarei vocês sempre que possível…

Grudei-me a porta, querendo ficar o mais longe possível dele, sentindo-me indignada ao ouvir suas palavras e percebi que ele parou de falar, uma ansiedade instalando-se entre nós.

—Eu espero que você esteja bêbado, Jones, para estar sugerindo isso para mim. Ou que seja uma brincadeira muito da sem graça, mas que não reparou ainda.

-Eu não estou bêbado e nem brincando, Emma. Estou falando bem sério.

Comecei a rir de incredulidade.

—Então você realmente está sugerindo que eu me torne sua amante?

—Temporariamente, sim. Até que meu tio parta dessa para uma melhor.

—E quanto a Milah?

—Eu posso me divorciar dela mais tarde. E quando isso acontecer, eu irei assumi-la publicamente.

Abri a boca, estupefata com suas palavras.

—De fato eu não conheço esse homem que você se tornou.

—Emma. - chamou-me, encurtando a distância entre nós e segurando meus ombros. - Estou me adaptando… O pai de Milah aconselhou-me a fazer isso. Fazê-la minha amante... A viagem que fiz para Lyme com ele foi para conhecer Loreta, a amante dele. Eles são felizes, você precisa ver como são felizes, minha criança... Sei que esse não foi o modo como imaginamos, mas pelo menos estaremos juntos. Eu a amo, Emma. Se duvidar mais do que quando fui embora… E estou louco para tê-la. Beijá-la novamente e tocá-la… E amá-la. Cuidar de você, ter seus sorrisos e seus olhos fitando-me como antes. Vê-la grávida, com a cintura se alargando molemente, a barriga crescendo. Seus passos lentos. Nossos filhos. Nosso futuro. Eu quero tanto isso que machuca… Por favor, pelo o que tivemos…

—E que você pediu para que eu esquecesse. – cuspi com desprezo.

—Considere se tornar minha amante. - concluiu. - Eu não sugeriria isso se houvesse outro modo.

—Você não pode ter tudo, Killian. - falei. - Eu não irei considerar essa proposta, pois é absurda. Eu não irei me tornar esse tipo de mulher. Não ficarei reclusa a uma casa, infeliz, esperando você conseguir ir me visitar.

—Eu garanto para você que será feliz, Emma. Prometo a você que irei fazê-la feliz.

—Sozinha? Você indo por algumas horas visitar-me, usando meu corpo e então partindo, deixando-me na cama? É assim que você acha que eu serei feliz? - instiguei séria. - Diga-me, não foi por isso que foi procurar pessoalmente meus pais para oferecer dinheiro, para que eu não me tornasse uma mulher da vida onde homens usariam meu corpo para se aliviarem e então iriam embora? Agora quer que eu me torne isso para você? Sua prostituta particular?

A respiração de Killian estava alta, seus lábios estavam crispados.

—Eu… - começou. - Nós iríamos fazer amor. Eu não usaria seu corpo para me aliviar. Irei amá-la e venerá-la. Vou cuidar de todos nossos filhos. Irei assumi-los. Dar estudos. Apresentá-los a sociedade. Não confunda as coisas.

—Não estou confundindo.

—Apenas pense. Quando estivermos felizes com nossas crianças nem nos lembraremos desse detalhe.

—Dizendo que eu aceite… Posso arrumar então um amante para mim? – indaguei, minha mão coçava para acertar a bela fuça que ele possuía.

—O que? Claro que não!

—Não me parece; justo que você tenha Milah e eu. Preciso de alguém também. Por que eu seria fiel a você?

—Você não está facilitando as coisas, Emma.

—Muito pelo contrário… Você que não está. Por que não segue sua própria ordem e esqueça o que tivemos? - sugeri. - Talvez desse modo, eu pare de odiá-lo cada dia mais... De qualquer modo, apenas vim até aqui para agradecer pela ajuda e entregar-lhe isto. – bradei, jogando a caixinha com força nele. Abri a porta com violência e a bati, perguntando-me qual era o problema dele, que quando acertava em algo, fazia questão de estragar quase que no mesmo instante.

[...]

Meus pais e eu ainda estávamos acordados naquela noite, aproveitando o calor do fogo, enquanto conversávamos sobre o dia. Contei para eles sobre como Milah me fez reorganizar seu closet dos vestidos mais velhos aos mais novos, assim como me fez ficar indo e vindo ao pedir linhas para os bordados que estava fazendo, em vez de pedir a cesta toda de costura. Não mencionei a proposta indecente de Killian, apenas confirmei que havia ido agradecê-lo e que estava tudo certo. Não sabia o que o havia motivado a dizer tais palavras para mim, todavia tinha certeza que não gostaria que meus pais ficassem tendo ciência do tipo de homem que Jones parecia ter se tornado.

Killian realmente achava que eu me tornaria aquilo para ele?

Foi quando uma batida na porta nos tirou da bolha de conforto que estávamos e fez-nos olhar para ela alarmados.

—Sim? – indaguei de onde eu estava, com cuidado, o corpo em alerta.

—Emma, sou eu. – a voz abafada, mas inconfundível de Robin soou do lado de fora, acima do vento. Fiquei de pé em um pulo, correndo até lá, para tirá-lo do frio. Meus pais se levantaram e sabia que estavam consternados com a visita dele. – Desculpe a hora para surgir aqui.

—Sem problemas. Sentiu minha falta e queria me ver? – brinquei, trincando os dentes de frio, mas quando ele ficou sério, senti meus ombros se retesarem. -No que posso ajudá-lo?

Robin relanceou os olhos para trás de mim, cumprimentando meus pais com um aceno de cabeça e se encolhendo dentro do casaco quando um vento mais forte nos abraçou.

—Seu patrão... O noivo da moça...

—Sr. Jones?

—Isso! Ele apareceu na taverna... Já bastante alterado. – falou.

Fiquei parada, abraçando-me com força, esperando que ele continuasse ou dissesse o que esperava que eu fizesse com a informação.

—O homem começou uma briga... Graham estava lá e o levou preso... Pensei em mandar alguém diretamente para a casa da família Odom, todavia Regina disse que eu deveria vir buscá-la para lidar com ele, já que... – Robin pigarreou sem jeito, aproximando o rosto. – Sr. Jones estava a chamando.

—Chamando-me? – inquiri descrente.

Robin aquiesceu e olhou incomodado para dentro. Cocei a testa antes de começar a morder o canto do dedo indicador, enquanto olhava para o rosto dele, pensando no que eu deveria fazer.

Boa parte de mim queria dizer para Robin deixar Jones passar a noite na cadeia, que seria bom para ele aprender que nem tudo girava ao seu redor. A outra, que fosse chamar a adorável noiva dele para lidar com a situação, mas quando olhei para o rosto dos meus pais, minha mesquinharia caiu por terra e indiquei que Robin entrasse.

—Irei trocar de roupa. Aguarde um momento aqui dento, por favor. – pedi. – Killian se envolveu em uma briga e Graham o levou preso. Vou buscá-lo e levá-lo para a casa da família Odom. – avisei.

—Mas o riquinho não se envolvia em brigas nem quando era rapazote... Por que agora? – meu pai questionou, apoiando-se nas cadeiras.

—Vai ver discutiu com a moça, Milah. – minha mãe sugeriu. – Aceita um chá para esquentar, Robin?

—Vou querer sim, senhora Charming.

Troquei-me o mais rápido que consegui, amaldiçoando Killian profundamente por estar me tirando de casa naquela noite fria. Assim como Graham, que deveria tê-lo levado preso como uma forma de se vingar do ocorrido no baile.

Deixei meus pais, que pediram um bocado de vezes que eu tomasse cuidado, como se eu nunca tivesse lidado com homens bêbados até dois dias atrás.

—O que Killian disse? – indaguei quando já estávamos no meio do caminho. Ambos estávamos tentando nos proteger do frio e do vento da melhor forma que podíamos.

Robin não era um homem que falava muito, então isso significa que o tirei de seus pensamentos, enquanto levava o coche, fazendo-o olhar para mim.

—Ele chamava “Minha menina”, várias e várias vezes. Achei que estava se referindo a noiva, quando um dos clientes fez um comentário sobre você e como a taverna estava feia sem sua presença, então “Minha menina” se transformou em “Minha Emma”... Foi quando a briga começou, ele levou a fala do homem como algo ofensivo e disse que deveria respeitar você.

Revirei os olhos ao ouvir aquilo.

—Eu não estou tendo um caso com ele, Robin. – expliquei temerosa que ele achasse que eu era esse tipo de mulher e me proibisse de ver Regina e Roland.

O homem sorriu.

—Eu sei que não. Regina desceu para ver o que estava acontecendo, quando viu quem estava no meio e o que ele dizia, contou-me que vocês eram próximos na época que Sr. Jones morou aqui.

—Sim. Éramos muito amigos. – murmurei, avistando a lanterna da delegacia. – Pode voltar tranquilo para a taverna, que sei lidar com isso, Robin.

—Tem certeza?

Anui, pulando do coche quando ele parou.

—Ele é inofensivo... Apenas um pouco imbecil. – garanti.

—Qualquer coisa, vá até a taverna e passe a noite lá.

—Muito obrigada.

Robin fez um sinal de que não foi nada, gritando uma ordem para os cavalos que começaram a trotar.

Adiantei-me para dentro, sendo recebida por um cômodo iluminado por velas que tremeluziam nas paredes em uma dança sincronizada. Graham estava sentado calmamente com um livro em mãos e uma expressão de contentamento no rosto, enquanto uma voz desafinada e lamurienta cantava uma música que eu conhecia muito bem.

Nos trigos, entre os amores- perfeitos, eu encontro-me com meu amor. – Killian cantarolou em meu ouvido. – Para enchê-la de beijos e sentir o teu calor. – ele me apertou mais contra seu peito e beijou repetidamente meu rosto. – Complete a nossa canção, Emma. Irei escrevê-la quando chegar, em casa.

Ajeitei-me em seu colo para que ficasse de frente para ele, pensando no que poderia dizer e que se encaixaria no ritmo que ele criara.

—Entre as espigas douradas... Nos braços de meu amado estou... – abri a boca, encarando-o sem saber o que poderia completar. Senti suas mãos em minhas coxas, enquanto ele pacientemente esperava que eu achasse as palavras certas. – Para dizer-te “eu o amo”... E para sempre tua sou... O que achou?

—Eu adorei. Principalmente essa última parte “Para sempre tua sou”... Sempre todas as noites, para os trigais eu vou... Para amar minha princesa e dizer-te que para todo sempre é teu o meu amor. – Killian segurou minha mão, pousando-a em seu coração. – Está sentindo como é verdade, não? Ele só faz essa festa quando é seu toque.

Sorri, deliciando-me ao sentir as batidas nas pontas dos dedos. Fechei os olhos e podia jurar que era capaz de ouvir o som que ele fazia. Levei a mão dele até meu peito, colocando-a sobre meu coração também.

—Está da mesma forma. – sussurrei, observando-a. Prendi a respiração e, apertei-a um pouco mais. Killian possuía mãos grandes. – Por que ainda não fizemos amor, Killy? – perguntei de repente.

Vi seus olhos se arregalarem de espanto e ele tentou retirar a mão, mas eu a segurei firmemente no mesmo lugar.

—Porque devemos casar primeiro, Emma... Não pense por um momento que não quero, no entanto quero esperar.

—Mas... Nós iremos nos casar, não?

—Sim, minha menina. Nós iremos.

—Então para que esperar? Eu sinto que... – respirei fundo, o rosto queimando. – Que estou pronta... Meu corpo reage de maneira estranha quando você o toca. Algo muito quente começa a correr aqui por dentro, dando um nó em minha barriga, contraindo todos os meus ossos. Eu sei que estou pronta. Sei disso desde que me tornei uma mulher, que me minha mãe me explicou tudo. Como são feitos os bebês e que apesar de parecer doloroso, não é. Que é natural. Meu corpo está pronto, Killy. Eu sou uma mulher já.

—Sua mãe lhe contou, é? Tudo mesmo?

Aquiesci.

—E ela não disse nada daquelas baboseiras que mães costumam dizer. Nada de pássaros trazendo bebês, nem sementinhas semeadas... Ela disse que a melhor forma de me proteger é me contando a verdade sobre como tudo funciona. Sei que devo fazer só com alguém que eu confio e amo... E eu confio e amo você.

Jones prendeu seus dedos em minha nuca, espremendo os lábios contra os meus e eu o retribui, como sempre fazia, abraçando-o com força para que nunca me soltasse.

—E eu a amo, Emma. E exatamente por amá-la que digo para esperar até nos casarmos. Vamos fazer as coisas de modo certo, tudo bem? – indagou, afagando meu rosto.

—Tudo bem. – concordei a contragosto. – Você já fez... Com outras mulheres?

Killian coçou a nuca, parecendo sem graça e sua face adquiriu um tom avermelhado.

—Já sim... É meio que um rito de passagem na escola, escarpamos no meio da noite para... Divertirmos com... Prostitutas. Os rapazes mais velhos sempre nos levavam. – explicou sem jeito.

—Você amava alguma delas? – quis saber.

—Não, Emma. Não amava... Mas as relações são diferentes para homens e mulheres.

—Eu sei, minha mãe me explicou. – comentei, saindo de seu colo e sentando-me ao seu lado. – Eu tenho medo, por mais que minha mãe falou que é natural. E você é experiente, então terá que ter paciência comigo... Como sempre.

—Eu terei, Swan. Sempre. – prometeu, inclinando-se para beijar minha têmpora. – Apesar de já ter feito sexo, será a primeira vez que irei fazer amor.

—Eu vou ser a sua primeira? – instiguei cética.

—Sim, dona Emma Swan.

—Neste caso, que bom... Detestaria saber que amou outra mulher antes de mim.

—Soube que prendeu um homem. – falei divertida, chamando a atenção de Graham, que se ajeitou rapidamente. – E apesar de achar que ele merece e muito ficar aqui em sua companhia, vim até aqui soltá-lo.

Humbert fez uma careta, levantando-se e andando até mim. Vi em seu punho uma pulseira com a pedra branca que havia lhe dado no baile. Entrei em seu abraço e fechei os olhos, ao pousar a cabeça em seu peito, ouvindo seu coração.

Nós havíamos conversado e para o meu alivio, ele não estava irritado comigo. Muito pelo contrário, o chilique de Killian tinha nos aproximado ainda mais.

E minha mãe estava certa. Graham fazia um bem tremendo para mim. Eu sempre me sentia calma em sua presença.

—Adorei o corte novo. – declarou, beijando minha testa. – E senti sua falta.

—Que bom, porque eu também senti a sua... Fiquei temerosa por um momento que não quisesse mais ser meu amigo por falta do meu cabelo.

—Não sou um homem superficial, Emma. – retrucou de leve. – Então veio acabar com a minha diversão?

—O que posso fazer se estou em dívida com ele? Killian pagou minhas contas, Graham. Tudo e sem pedir nada em troca... Só que eu parasse de trabalhar na taverna. Meus pais aceitaram a condição dele. – expliquei rapidamente, deixando bem claro que era apenas por esse motivo que estava lá. – Poderia, por favor, por mim, soltá-lo? Sei que estou estragando com o seu troco...

Graham olhou para o final do corredor e acompanhei seu olhar. A única cela iluminada parcamente era a de Killian e eu podia ver seu corpo estirado no chão, enquanto ele continuava a repetir a música sem parar.

—Merda. Estava gostando tanto de vê-lo nesse estado deplorável. – resmungou, indo buscar a chave. – Você sabe que costumo fazer vista grossa para esses tipos de brigas que ocorrem nas tavernas...

—Eu sei. – afirmei. – Por isso está sendo tão fácil convencê-lo a soltá-lo... Tente prendê-lo quando estiver sóbrio, para que se lembre; que você é autoridade por aqui. – aconselhei, seguindo-o.

—Vou ter isso em mente... Vamos, levante-se. – falou para Jones que ergueu a cabeça, parecendo desnorteado. – Vieram buscá-lo, para sua sorte, ela não é tão rancorosa como eu sou.

Seus olhos azuis embaçados por conta da bebida se focaram em mim e rapidamente, ele colocou-se de pé, sua expressão se iluminando.

—Minha menina.

—Não. Sou Emma Swan, trabalho na casa onde mora sua noiva... Vim aqui para levá-lo até lá... Muito obrigada, Graham. Fico lhe devendo essa.

—Pode pagar chamando-me para jantar um dia desses em sua casa. – sugeriu, fechando a cela.

—Feito. Irei fazer o pão que é uma receita de família.

Jones resmungou alguma coisa, enquanto se escorava na parede.

—Ótimo... Tenho folga nesse domingo.

—Venha domingo, então... Preciso ir. Tenha uma boa noite, Humbert.

—Tome cuidado. – indicou Killian com o queixo. – E aqui... Ele estava segurando esse livro. – entregou-me o livro com a capa marrom. Peguei-o e toquei no braço de Jones, indicando que andasse e Graham nos acompanhou até o lado de fora, observando-nos atentamente nos afastar.

Jones estava quieto, parecendo alheio a tudo. Às vezes parava e respirava fundo, secando gotículas de suor que formavam em sua testa. Seu cheiro estava me causando náusea, uma mistura de bebidas e azedo, de algo sujo.

—Preciso parar por um momento. – avisou, afastando-se de mim e pousando as mãos nos joelhos. Fiquei o cuidado de onde estava, quando vi seu corpo se retrair e o liquido saindo de sua boca em um jorro. Torci o nariz, andando até ele e pousei a mão de leve em suas costas, esperando que acabasse de colocar tudo o que estava o fazendo mal para fora.

Quando se endireitou, seu rosto estava neutro e a pele pálida. Os lábios tremiam e olhos pareciam desfocados, até que percebi que na verdade estavam marejados.

—Eu fui até lá... No campo. – informou com a voz falha. - Cansei de pedir desculpas. – pronunciou lentamente, fitando-me. – Eu tenho que pedir desculpas com sinceridade e não para ficar tudo bem, para então estragar novamente.

—Está certo. – concordei sisudamente. - Agora vamos que tenho que levá-lo para casa.

—Seus pais não irão ficar bravos se eu dormir lá?

—Eu quis dizer para sua casa. Com sua noiva.

Jones balançou a cabeça em uma negativa.

—Leve-me com você. Não quero ir para a casa. – pediu.

—E irei colocá-lo para dormir onde? No chão?

—O chão parece ótimo para mim. – retorquiu, segurando meu braço. Sua mão estava gélida de encontro a minha pele. – Eu peço que me perdoe, Emma. Pelo o que eu te disse mais cedo. Escapou em um momento que estava tentando mantê-la ainda para mim... Nunca iria deixar que se tornasse isso... Sei que não irá acreditar, mas é verdade. Eu a respeito, assim como respeito, Milah. Só está difícil ter que lidar com tudo. Ainda a amo, Emma. Nunca deixei de amar, no entanto... Apenas peço que me perdoe. Acabou. Eu a deixarei em paz. Agora quero apenas que seja minha amiga e não me odeie.

—Achei que havia cansado de pedir desculpas. – comentei, sem olhá-lo.

—E cansei. Por isso pedi perdão. Estraguei muito da sua vida e quando voltei apenas tornei-a mais difícil, porque eu não sabia como reagir com a sua presença. Eu fiz minha escolha e ela machucou, nós dois, porém agora não tenho mais como voltar atrás... Quando eu me formei, meu plano era retornar para buscá-la. – contou. – Iriamos morar uns anos em Londres para que eu conseguisse me firmar na profissão, então voltaríamos para cuidar de nossos pais... Mas, meu tio descobriu. Ele me chamou e disse que, iria tirar meu nome do testamento se eu me casasse com você. Que eu seria colocado à margem da sociedade porque iria me casar com uma mulher sem estudo e que não acrescentaria fortuna. Ele falou que não deixaria o dinheiro dele em minhas mãos se eu prosseguisse... Uma parte minha, estava até indiferente quanto a tudo isso. Sei que ele pagou meu estudo para que eu assumisse seu lugar e herdasse o que construiu, mas eu estava morrendo de saudade de você... Tentei convencê-lo de que iria ensiná-la, que você é uma boa mulher... – Killian parou por um momento, o maxilar trincado e fungou o nariz congestionado fazendo barulho. – Então ele me ameaçou, dizendo que iria se certificar que eu não arrumasse nenhum emprego, tanto em Londres como aqui... Que vida eu daria a você se não conseguisse emprego? Voltar para trabalhar no campo, mesmo tendo estudo e a sujeitar a uma vida miserável ao meu lado? – indagou finalmente, olhando para mim. As lágrimas desciam uma atrás da outra pelo seu rosto, deixando- o marcado.

Pisquei algumas vezes, absorvendo suas palavras, a dor que estava ali presente nelas, a incapacidade que sentiu ao estar naquela situação.

—Eu deveria ter dito isso a você desde o inicio e não agido como um imbecil.

—Deveria mesmo. – concordei, procurando a chave de casa no bolso interno da capa. – Você me ofendeu muito com o que disse mais cedo. Ainda estou furiosa.

Ele fez que não.

—Se estivesse não teria ido me tirar de lá.

—Fiz isso pelos meus pais, não por você. – retruquei.

—Você tem o coração mais lindo, que já conheci... Deixará que eu passe a noite aqui? – perguntou parecendo contente ao estudar minha casa.

Abri a porta, deixando que ele entrasse. Minha mãe estava de pé no umbral de seu quarto, os braços cruzados, a testa vincada.

—Apenas não se acostume. A próxima vez que for arrumar briga na taverna porque encheu a cara, eu o deixarei lá para que sua adorável noiva vá buscá-lo. – ameacei, vendo-o estremecer.

—Olá Branca. – cumprimentou minha mãe, seguindo-me, como se estivesse acostumado a estar ali em casa. – Desculpe o transtorno.

—De forma alguma... Irei preparar um chá para você. Aposto que seu estômago está precisando... David já está dormindo. – falou, quando Killian espiou seu quarto. – A saúde dele não está das melhores desde que voltou da guerra.

Jones assentiu, indo acompanhar minha mãe até a cozinha.

—Pedirei para o médico vir vê-lo, pagarei o tratamento se necessário. – o ouvi falar placidamente.

Sorri minimamente, começando a juntar os cobertores extras que tínhamos para que Killian dormisse, perto da lareira, onde o fogo ainda crepitava, mesmo que não muito forte.

—Você ficou com o lugar mais quente da casa. – brinquei, quando Branca deu boa noite e fechou a porta, deixando-nos sozinhos. – Você parece melhor.

—Depois que coloquei para fora todo aquele álcool, eu me sinto melhor... E o chá de sua mãe ajudou. Obrigado.

—Não é a cama mais confortável, mas você sabia o que o esperava quando pediu para passar noite aqui.

Jones se sentou, começando a tirar os sapatos.

—Você me perdoou? – quis saber.

Fitei seus pés brancos com dedos esguios.

—Peça perdão amanhã quando acordar, porque terei certeza que é um pedido genuíno. Boa noite, Killian. – despedi-me, escapando para o meu quarto e fechando a porta sem fitá-lo uma última vez, mas sentindo seus olhos azuis perfurando minhas costas.

[...]

Algumas horas depois, levantei-me ainda sentindo sono. A temperatura havia caído ainda mais durante a noite e senti dificuldade de me mexer tamanho o frio. Com um impulso, joguei minhas pernas para fora e pulei, chacoalhando para me esquentar, enquanto pegava o uniforme para deixar no jeito quando fosse à hora de sair.

Então parei, lembrando-me quem estava dormindo na sala e entreabri a porta, espiando e encontrando-o ainda adormecido, o peito subindo e descendo lentamente. Pressionei os lábios, recordando de suas palavras na noite passada e não pude deixar de me compadecer com ele. A forma que falava e parecia sentir tanto, a dor no fundo de sua voz ao colocar tudo para fora, ecoava em minha mente e fazia meu coração amolecer. Ele não havia se esquecido de mim. Durante o tempo que ficou estudando eu fui sua prioridade, a pessoa para quem ele iria voltar.

A raiva que eu mantinha direcionada para Killian, de repente se voltou para o homem que eu nem conhecia. Seu tio, aquele que achei que seria uma pessoa boa para Jones, o encurralara e o fizera se tornar o homem infeliz que era hoje. Um homem que lutava boa parte do tempo contra quem era para manter a palavra que fora forçado a fazer.

De repente todas as suas ações se tornaram claras para mim e por um misero momento o amaldiçoei por ter me dito a verdade, por fazer o ódio que carregava dele, derreter e fazer-me começar a vê-lo como um homem sem escolhas.

Minha mãe tinha razão quando dizia que eu não sabia tudo o que tinha acontecido quando ele esteve longe. Que a vida o fizera se tornar aquele homem que mais estragava as coisas do que as consertava.

Tomei coragem e saí do quarto, caminhando lentamente até ele e estudando suas feições. Estavam lívidas, sem preocupações. Os lábios estavam entreabertos e um ronco baixo saia dele.

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Sorri com a descoberta. Não sabia que Killian roncava.

Tentei me colocar em seu lugar. Em como reagiria se tivesse que tomar uma escolha como ele teve.

Ficaria com o dinheiro e todo seu conforto ou voltaria para uma vida simples, mas com amor?

Olhei para a porta do quarto dos meus pais. Eu não era sozinha, assim como Killian. Agora os pais dele moravam em Londres e Brennan não precisava mais trabalhar. Jones tinha condições de cuidar dele.

E eu faria qualquer coisa para ter essa condição também.

Abriria mão de tudo, se isso significasse que eles não teriam que se preocupar com mais nada.

Seus olhos estremeceram e Killian torceu o nariz, virando-se e encolhendo ainda mais, como se tentasse se esquentar. Endireitei-me e fui para a cozinha, indo preparar algo para que ele comesse. Imaginava que deveria estar com uma dor de cabeça terrível depois da bebedeira da noite passada, uma barriga vazia apenas iria deixar tudo ainda pior.

Encontrei o livro de capa marrom em cima da mesa e o peguei, estudando-o atentamente. Abri-o e o levei até meu nariz, gostando do cheiro que as folhas tinham, como se o perfume delas também tivesse histórias para contar.

Abri a folha de rosto e encontrei o titulo em letras pretas e grandes. Fiquei as estudando atentamente. Era um nome curto, apenas uma palavra.

—E... – comecei baixinho, lembrava-me de algumas letras que Jones havia me ensinado. –M... M... A. – um guinchado de surpresa saiu de minha boca ao reconhecer o que estava escrito. A primeira palavra que ele havia me mostrado. Meu nome. – Emma.

—Bom dia. – sua voz rouca falou as minhas costas e eu soltei o livro, virando-me para ele que estava com os olhos pequenos de sono. – Já de pé?

—Daqui a pouco tenho sair para ir trabalhar. Vim preparar algo para você comer.

—Não precisava se preocupar, Emma.

Cortei uma fatia de pão que havia feito na noite passada e peguei uma garrafa de leite, colocando um pouco no caneco para esquentar.

—Você se importa de tomar puro? Não tenho canela aqui. – informei. Jones negou com a cabeça. – Consegui comprar leite e ingredientes para fazer pão. Precisava ver como meu pai ficou feliz ao comer. Muito obrigada de novo por ter feito o que fez.

—Era o mínimo que podia fazer... Vai fazer o pão das mulheres Swans para o oficial? – indagou, enfiando um pedaço da boca.

—Não estou tentando conquistar ninguém. – avisei, colocando o leite na sua frente.

—Já disse que irei ajudar, se ele for sua escolha.

Sorri, olhando para os meus pés.

—Ele não é... Digamos que... Graham não está interessado em casório no momento... Tinker que o diga. – Killian ficou me encarando. – Ele é apenas um amigo que descobri que gosto de beijar e vice-versa... Mulheres da minha classe não precisam se preocupar tanto com o decoro como as de sua sociedade. Já é esperado que, beijemos antes do casamento, se ele chega a ocorrer. Por muitos anos eu vive dependendo da sua palavra... Idealizava o momento em que voltaria para me salvar de tudo. Deveria ter percebido que algo não estava saindo como planejado quando seus pais foram embora... Não há motivos para me guardar, Jones, então, como aconselhou Granny, eu comecei a “aproveitar a vida”... Eu quero encontrar o caminho de volta para a velha Emma e refazê-la como se nunca tivesse o conhecido.

Killian franziu a testa e levou a caneca aos lábios, bebendo em silêncio, sem olhar para mim.

—Não irá comer? – quis saber.

Fiz que não com a cabeça.

—Não tenho costume de comer pela manhã... Irei me trocar para poder ir. Fique a vontade.

—Emma... – Jones chamou com cautela quando me afastei. – Já é amanhã... Você me perdoa? Por tudo e especialmente o que sugeri para você ontem? Principalmente por ontem. – inquiriu.

Ponderei por uns instantes, estudando seu rosto ansioso.

—Está sendo verdadeiro nesse pedido? – questionei, vendo-o aquiescer sem hesitação.

—Eu o perdoo, Killian... Agora que sei o que aconteceu, não há motivos para guardar magoas. Eu escolheria a mesma coisa se tivesse a oportunidade.

—Podemos... – começou sem jeito. – Ser amigos?

Assenti e caminhei até ele, dando-lhe um abraço. Seu corpo ficou imóvel por alguns segundos, até que senti seus braços me envolvendo e um suspiro profundo deixando sua boca, enquanto ele descansava a cabeça em meu ombro.

—Obrigado, Emma. – sussurrou. – Sinto-me melhor agora.

—Só não estrague. – pedi simplesmente.

[...]

Fomos caminhando até a casa da família Odom, com Killian preenchendo cada segundo, contando sobre tudo de sua vida desde que partira. A universidade, o novo círculo social e como sentia falta da tranquilidade do campo. Contou sobre a cidade e suas peças de teatro, óperas e recitais que era convidado e as de que mais gostara. Da competitividade que existia na entre os ricos. Os novos livros que havia lido e como havia separado aqueles, que achava que eu iria gostar. Eu apenas assentia e fazia algum comentário ou outro, mais interessada em absorver, como sempre, tudo o que ele tinha para me contar.

Perguntei sobre seus pais e Jones falou que eles detestavam a cidade. Que a relação deles não era mais a mesma desde que havia aceitado o compromisso com Milah.

—Eles a odeiam. – falou, andando de costas para poder olhar o meu rosto. – E nem tentam esconder isso... Minha mãe vive resmungando como Milah é desagradável e que não sabe qual castigo cometeu para tê-la como nora. Já meu pai, ele mal conversa com Milah. Quando ela vai visitá-los comigo, ele se esconde na biblioteca e nada o tira de lá. Ou então age como um típico homem do campo, o que a deixa louca.

Dei de ombros, preferindo não dizer nada.

—Você concorda com eles. – Killian afirmou.

—Estaria mentindo se falasse que não. Milah nunca me deu motivos para pensar o contrário... É uma longa lista de agressões físicas e verbais.

Killian parou por um momento como se pensasse em algo.

—Sabe... Eu nunca entendi, porque Milah é desse jeito. Mas depois que visitei Lyme com Sr. Odom, acho que entendo. Ela nunca recebeu amor. A mãe dela apenas a critica e é igualmente desagradável. O pai, mal olha para ela e quando olha é para menosprezá-la... Entretanto com as filhas que ele tem com a amante, é outro homem... Nunca o vi tratar Milah da forma que trata essas meninas.

—Então ela age assim por que quer atenção?

Ele fez que sim.

—Prefiro pensar nisso a opção de que ela é realmente uma quenga pelo prazer der ser. – Killian sorriu de modo cúmplice e olhou para a casa. – Eu vou ouvir poucas e boas.

—Estarei rezando pela sua alma... Apenas não cite meu nome, tudo bem?

—Não irei, Emma. Fique tranquila... Obrigado de novo.

—Eu não consigo guardar rancor por muito tempo. Manter sentimentos ruins assim por muito tempo apenas atrasam nossas vidas e nos deixam pesados demais para prosseguir. Sempre que eu perdoo alguém é como se um peso que me puxasse para baixo sumisse, deixando-me mais leve... Demorou com você, porque todo dia me dava um motivo novo para odiá-lo.

—Bem... Saiba que não irei mais.

—Conversamos mais tarde, tenho trabalho agora. – indiquei a porta dos fundos da casa. – Até. – acenei, afastando-me dele.

Assim que pisei do lado de dentro da casa, fui capaz de ouvir os gritos de Milah. Os criados estavam amontoados na porta, não querendo perder nenhuma palavra vinda da mulher irada. Imaginei como estaria a cara de Jones e reprimi o riso, começando colocar nas bandejas os pratos do café da manhã.

—Ele passou a noite fora. – Tinker contou. – Milah passou a noite em claro, fula da vida. Ela não dormiu, mas também não deixou ninguém dormir.

—Que coisa. – murmurei sem conseguir mostrar interesse. Tink inclinou a cabeça para o lado, estudando-me.

—Alguma coisa boa aconteceu... Você está animada. – observou.

—Graham irá jantar em casa no domingo. – informei, como se esse motivo fosse à causa de toda a animação. – Venha também, Tinker. Meus pais ficarão felizes de recebê-la.

—Tem certeza? Não quero que pense que estou querendo roubar Graham de você.

—Se alguém está roubando aqui... Esse alguém sou eu. Afinal, você já o beijou também.

Tink riu e abaixou a cabeça, o rosto adquirindo um tom rosado.

—Vou adorar ir passar um tempo com vocês... Pronta para entrar no campo de guerra? – perguntou, pegando uma bandeja.

—Sim, senhora! – bati continência, a seguindo, em direção aos gritos.

[...]

O clima na casa ficou estranho pelo resto da semana. Milah mal olhava para Jones, que pareceu ficar grato em ser ignorado pela noiva. Às vezes trocávamos algumas palavras quando eu estava limpando algum cômodo, mas nada muito profundo e que desse motivo para Milah reclamar. Apesar de estar furiosa, a mulher estava quieta e isso era o paraíso.

Até que em um lindo dia em que a neve havia decidido cair, ela se tornou a mulher mais forçadamente adorável que eu já havia conhecido. Abraçava Killian com frequência e sorria para os criados, o que nos assustava, principalmente quando ela dizia; “por favor” e “obrigada”. Quando isso acontecia, era normal ver alguém fazendo o sinal da cruz, com medo do que viria depois que a onda de cortesia fosse embora.

—Qual o problema de Milah? – indaguei para Killian que estava na biblioteca lendo em voz alta, enquanto eu limpava. – Ela disse: “Muito obrigada, Emma. Você é sempre tão prestativa”.

—Meus pais vão chegar hoje. Creio que ela está se acostumando a tratar as pessoas bem para tentar impressioná-los.

Parei e olhei para ele.

—Vou receber mais se eu falar que ela é a melhor patroa que já tive? – quis saber, vendo Killian sorrir divertido. – Sério, porque se eu receber um aumento; posso fazer esse esforço.

—Você e todos os outros? – perguntou fechando o livro

—Vou pedir um pouco mais para tentar persuadir eles.

Jones balançou a cabeça, parecendo desapontado.

—Está meio gananciosa, não acha?

—Não. Acho que é pouco ainda... Eu poderia pedir joias ou roupas... Todavia estou pedindo umas moedinhas a mais.

—Meus pais sabem a peça que Milah é. Nada que falar irá fazer mudá-los de ideia.

—Uma pena... Facilitaria muito se eles aprovassem. Muito obrigada pela leitura.

—Não foi nada... Será que eu poderia pedir algo para você?

Escrutinei seu rosto com atenção.

—Depende do que irá pedir.

—Fique aqui hoje para receber meus pais. Eles irão chegar; no começo da noite e acredito que ficarão felizes em vê-la. Principalmente minha mãe, ela sente sua falta.

Concordei, enfiando as mãos nos bolsos do avental.

-Posso fazer isso por você.

-Obrigado, Emma.

Fiz uma reverência e sai da biblioteca, sentindo-me desanimada. Só Deus sabia como eu sentia falta dos Jones. Quando Killian estava longe, era normal eu ir visitá-los e passar o dia com eles.

Brennan e Jenna me faziam sentir como parte da família e agora, não fazia ideia de como seria lidar com eles de outro jeito.

Exatamente como Killian falara, seus pais chegaram; no fim da noite. Jenna continuava a mesma mulher linda que eu me lembrava, parecia apenas um pouco mais séria, como se estivesse descontente e os olhos azuis estavam distantes. Brennan continuava com seu ar calmo, como se nada fosse abalá-lo e seus olhos escuros observaram atentamente o ambiente, antes que cumprimentasse a família Odom.

Eles abraçaram Killian, conversando em sussurros com ele, que indicou que entrassem.

Ajeitei o vestido, afastando-me da janela e terminando de ajeitar a mesa, enquanto ouvia as vozes e passos se aproximando.

-A viagem deve ter sido bem cansativa, Sra. Jones. – Milah estava ao lado de Jenna, que parecia tensa. – Odeio viagens de carruagens.

-Eu não. Gosto de observar a paisagem. – a mulher retorquiu, tirando a capa e a pendurando em seu braço.

-Sim, claro. Tudo tem seu lado positivo e a paisagem é uma delas. E você, senhor Jones? Com muitas saudades do campo? Aqui é um lugar adorável, entendo porque sente tanta falta daqui.

Franzi as sobrancelhas, olhando para Milah sem acreditar no que ouvia. Troquei um breve olhar com Jones que pressionou os lábios para evitar rir.

-Com toda certeza. Corro risco de não querer voltar mais para Londres. – Brennan respondeu pacientemente.

-Eu agradeceria aos céus se isso acontecesse. – Jenna murmurou, olhando com atenção ao seu redor.

-Killian poderia comprar uma casa para vocês aqui...

-Milah... Pare de falar que eles devem estar cansados. – Sr. Odom a cortou bruscamente e ela abaixou a cabeça, assentindo. – Preparamos um lanche rápido para vocês, imaginamos que estariam com fome.

Ergui o olhar para eles e encontrei os olhos azuis de Jenna me fitando com alegria. Sua boca estava levemente aberta e eu sorri para ela, contente de ter sido reconhecida.

-Posso ajudá-la a desfazer suas malas, Sra. Jones... – Milah começou, soando prestativa.

-Emma! – a mãe de Killian gritou, atravessando a sala e abraçando-me apertado. Fiquei sem reação por um momento, antes de abraçá-la, fechando os olhos ao sentir o carinho que emanava dela. Respirei fundo, segurando as lagrimas de saudade que queriam surgir cada segundo que ficava dentro de seu abraço de mãe. – Ah Emma! Minha filha querida. – falou, segurando meu rosto em suas mãos e depositando um beijo em cada uma de minhas bochechas.

Segurei suas mãos sem conseguir parar de sorrir e olhei por cima de seu ombro. Killian olhava para os pés, enquanto Sr. Odom havia se afastado e fumava um charuto. Encolhi-me ao fitar Milah e sua mãe que nos observava com os olhos brilhantes de uma fúria contida.

-É muito bom vê-la novamente, Sra. Jones.

-Ah Brennan. – ela se virou para o marido como se lamentasse. – Ela voltou a me chamar de Sra. Jones... Já falei que é Jenna. Ah filha, como senti saudades de ter sua companhia. – a mulher voltou a me apertar em seus braços, dificultando minha respiração.

Brennan bateu no ombro do filho ao pedir passagem e se aproximou com cautela.

-Quando eu fui embora deixei uma menina e agora olha que linda mulher se tornou. Seus pais devem estar bem orgulhosos, filha.

Soltei-me dos braços de Jenna e o abracei.

-Senti falta dos seus ensinamentos.

-Senti falta da sua animação para escutar. Em Londres é apenas Jenna e eu. Ninguém se interessa pelo o que esse velho homem tem a dizer.

-Nem mesmo o filho. – Jenna resmungou, ajeitando com cuidado os fios de cabelo de minha cabeça, enquanto me fitava com amor.

-Estão com fome? – instiguei, afastando-me deles, ao encontrar o olhar de Milah, que parecia querer me matar, seu rosto e pescoço vermelhos de raiva, antes de respirar fundo e grudar no braço de Killian, puxando-o para fora sem proferir uma só palavra.

E eu soube que fora uma péssima ideia ter ficado para recebê-los.