Marguerite paralisou frente a revelação de Violett. Não temia por ela mesma, mas sim pela segurança das pessoas que amava… pela segurança de John. Sabia o quanto seu ex marido poderia ser cruel e possessivo e a mulher ruiva estava se mostrando mais perigosa do que a herdeira julgava. ​A habilidade de não subjugar a ninguém era uma das capacidades que Marguerite notava estar atrofiada. Se tal fato acontecesse três anos antes, desconfiaria da inocência genuína de Violett logo quando a mesma se aproximou do grupo, entretanto, o convívio com os aventureiros a fez perceber que nem todas as pessoas são cruéis e querem se aproveitar uma das outras. A herdeira aprendeu nesses últimos anos valores importantes como lealdade, união, amizade e amor. E em defesa desses valores que ela estava disposta a sacrificar sua felicidade em benefício dos outros.

​—O que você pretende com isso, Violett?_ Marguerite assumiu uma postura autoritária e saiu de trás do caçador. A morena lembrou-se de quantas vezes precisou negociar com pessoas bem mais astuciosas que uma aristocrata inglesa, entretanto, sabia que uma mulher rejeitada era capaz de qualquer coisa, portanto, era preciso ter cuidado e não menosprezar suas ameaças.

​—Ora, que pergunta boba!_ ironizou_ Não parece óbvio? Eu quero meu marido de volta. John e eu viveremos felizes juntos e você ganha o mundo como sempre o fez. Em troca disto, seu tirano marido nunca saberá que está viva.

​—Você está blefando. Está presa como todos nós neste lugar._ John interrompeu a negociação por receio que Marguerite fosse altruísta o suficiente para aceitar tal proposta.

​—E se eu disser que eu menti sobre minha chegada? Se eu lhe disser que sei a saída e se chegarmos a um acordo posso contá-la para vocês.

​—Você não seria a primeira a aparecer contando essa história._ recordou Verônica ponderando aos amigos que não deviam confiar no que Violett dizia.

​Roxton compartilhava da mesma opinião que ela. Além disto, nada no mundo o faria abrir mão do amor de Marguerite. O rosto tenso da mulher que amava e sua imobilidade encarando a rival o faziam pensar que ela estava considerando o infame acordo. Ele não permitiria isso.

​—Não seja ridícula, Violett! Mesmo que Marguerite aceite essa proposta absurda, para que haja um casal é necessário duas pessoas e eu jamais aceitaria voltar para você. Pode tentar nos separar, mas nunca terá o meu amor.

​Aquela tinha sido a gota d’água para a mulher. Havia apostado todas as suas fichas em sua chantagem, estava tão próxima de conseguir o que queria, mas, John, sempre John, colocava tudo a perder. Começou a lembrar de tudo que enfrentou para tê-lo a seu lado, abriu mão da própria dignidade implorando que ele a aceitasse. Foi a piada da corte por anos quando ele a abandonou e ainda sim engoliu sua vergonha e o seu orgulho para procurá-lo novamente, afinal, ela nunca o tinha esquecido. Tomada pelo descontrole, a mulher começou a gritar e a se debater.

​—NÃO! EU NÃO ACEITO! VOCÊ É MEU MARIDO! MEU!

​Os três amigos se assustaram com a reação extrema de Violett. John tentou contê-la, mas só conseguiu com que seus gritos fossem ainda mais altos.

​—Acalme-se Violett! Gritar aqui pode ser perig..._ o caçador não conseguiu completar a advertência. Saltaram sobre o grupo quatro velociraptores.

​Os humanos estavam em desvantagem visto que Marguerite e Violett estavam desarmadas. John com um tiro certeiro abateu o animal que se aproximava de Marguerite. Verônica também conseguiu a proeza de acertar duas de suas facas no pescoço de dois dinossauros que estavam prestes a atacá-la. Ainda restava um, próximo da nova visitante. Marguerite, Roxton e Verônica sabiam que manter-se imóvel ajudava a confundir os repteis, contudo, Violett não estava preparada para aquele confronto. Seu instinto de sobrevivência a fez sair correndo, porém, o raptor foi mais veloz e cravou sua mortífera garra no abdômen da mulher.

​—VIOLETT!_ gritou John antes de deflagrar uma bala na direção da fera voraz. O predador caiu sem vida ao lado da mulher que sangrava de forma hemorrágica.

​—John…_ disse com dificuldade enquanto o marido se aproximava.

​—Acalme-se… vamos tirá-la daqui. Você vai ficar bem._ o caçador não tinha plena certeza do que dizia, mas, era sua obrigação mantê-la tranquila.

​Com a ajuda de Verônica e Marguerite, Roxton transferiu Violett até a casa da árvore. O nobre homem não saiu do lado dela. Era quase impossível afastar de si a culpa pelo que aconteceu… por tudo que aconteceu. John se considerava a maior desgraça na vida daquela mulher. Lhe tirou William, o amor, a chance de formar uma família e agora por sua culpa via que a vida lhe era tirada também. As palavras de Violett ecoavam em sua mente, enquanto ele carinhosamente depositava compressas de água fria em sua testa. Por certo ele não a amava como um marido deveria amar sua esposa, entretanto, não podia ignorar que tinha por ela consideração e muito remorso. Alheio ao que acontecia em seu entorno, John não notou quando as mulheres aplicaram o emplasto na ferida. A hemorragia foi contida, mas havia sinais claros de infecção. Ele sabia que suas chances de sobreviver eram pequenas, talvez em um moderno hospital de Londres, mas ali na selva, Lady Roxton tinha o seu destino cruelmente traçado.

​—John..._ Marguerite tocou seu ombro, despertando-o de seus pensamentos._Fizemos o que estava ao nosso alcance. Eu… sinto muito._ era verdade o que ela dizia, e o caçador sabia que sim. Marguerite não demonstrava ciúmes pelo cuidado dele com a moça, também não era hipócrita a ponto de dizer que estava sofrendo, entretanto, lamentava profundamente a dor da culpa que se abateria sobre o homem que amava caso Violett viesse a falecer.

​—Eu sei._ em resposta as condolências da herdeira, ele apenas proferiu as curtas palavras e tocou sua mão que ainda se encontrava depositada sobre ele.

​—John… _uma voz fraca chamou a atenção de ambos.

​—Violett… está tudo bem. Não se esforce. Eu estou aqui_ reagiu ele ao seu chamado.

​—Preciso… preciso contar.

​—Agora não… apenas descanse e você melhorará.

​—Eu sei que não é verdade… nunca soube mentir._ arriscou um fraco sorriso.

​Marguerite que assistia a cena foi obrigada a concordar com a rival. Roxton era a pessoa mais transparente que conhecera e talvez fosse esta a virtude que o fez conquistar seu coração. Entendendo que os dois precisavam de privacidade, a morena fez menção de sair, mas foi contida pelo pedido de Violett.

​—Fique… quero que ouça também.

​—Não acho que seja prudent…_ Marguerite tentou argumentar, porém foi interrompida.

​—Esse é meu último pedido._ a herdeira concordou e se manteve ao lado dele disposta a ouvir o que a mulher tinha a dizer._ eu sempre o amei, John._ Violett começou._ Sempre sonhei que você fosse meu marido._ sua voz era quase um sussurro, mas o caçador e a herdeira eram capaz de compreender absolutamente tudo o que ela dizia._Nunca fui apaixonada por William… meus pais… eles queria nosso casamento pelo título, mas… você sempre foi o homem que habitava meus sonhos.

​—Violett… não acho que devemos relembrar._ Roxton se sentiu constrangido por tal declaração, era tudo que ele precisava para se sentir mais culpado.

​—Escute… por favor._ pediu ela._ Não foi você… não foi.

​—O que está querendo dizer, Violett?_ incentivou Marguerite. Ela já havia visto muitas pessoas morrerem e sabia que ninguém era capaz de mentir em seu leito de morte. A moça ruiva tinha uma culpa e precisava se livrar dela na esperança de fazer uma passagem tranquila.

​—A bala que matou William… ela não saiu de seu rifle, John._ falou finalmente._Fui eu… pedi que trocassem as armas e atiçasse o gorila. Era meu plano. Com a morte de Will, você poderia se casar comigo, sua culpa o faria tomar essa decisão. Eu sabia que vendo seu irmão em perigo atiraria mas não erraria o alvo. Então, pedi que trocassem as armas. Seu rifle tinha balas de festim. Eu encomendei a morte do seu irmão.

​Era Roxton que se sentia atingido pelo tiro de um rifle. De repente toda a cena voltou a sua mente, todo o horror de ver seu irmão morrendo e ao mesmo tempo se sentindo o pior de todos os assassinos. Por anos evitou olhar-se no espelho, pois sua imagem o causava repulsa. Foi acusado pela sociedade, ainda que sob um véu de cinismo, de ter planejado a morte de William com o objetivo de herdar o título de lorde. Afastou-se de sua família, não estava presente na morte de seu pai, abandou sua pobre mãe pois não conseguia olhá-la nos olhos sem que sentisse vergonha. Quanta dor… quanto desespero. Condenou a própria vida a uma culpa que não era sua.

​—Não peço o seu perdão… mas, quero que tenha paz, a paz que eu sei que… nunca… nunca… irei… alcançar._ suas últimas palavras foram como um sopro esvaindo-se junto com sua vida.

​—VIOLETTT! VIOLETT!_

​—John… ela se foi._ a herdeira amparou seu amado, sabia que era apenas isso que ele precisava. E ele não recusou. Abraçado a Marguerite se permitiu chorar as lágrimas represadas por anos e anos na escuridão do remorso.

​Tentou durante todo esse tempo, desesperadamente, fugir do seu passado, recomeçar, fresco e novo, mas, como uma página que não podia ser virada, a vida trouxe seu passado de volta, não para persegui-lo e sim para libertá-lo para o futuro.