Roxton lhe ofereceu um último olhar antes de deixar o quarto. Verônica já o esperava na sala, porém, a imagem de Marguerite dormindo tranquila na cama, que horas antes trocaram carícias ousadas e juras de amor, era quase hipnotizante. Ele sempre tinha vontade de estar com ela, mas, hoje não era só isso. Durante o resto da noite, após a herdeira convidá-lo a permanecer em sua alcova, John se manteve apreensivo. Seus instintos de caçador eram aguçados e ele quase podia sentir pela densidade do ar que algo estava prestes a acontecer. Nunca foi um homem adepto a teorias conspiratórias ou a intuições, achava essas características intimamente ligadas ao sexo feminino, entretanto, naquela manhã, estava disposto a reconsiderar tal afirmação. “Bobagem, Lorde Roxton, você só está com medo da felicidade depois de tantos anos de vida solitária. É isso!” pensou consigo mesmo, tentando afastar de si tal sensação.

​De tão aturdido em seus próprios devaneios não percebeu quando a garota loira surgiu logo atrás dele e lhe tocou as costas o chamando.

​—Vamos, Roxton?

​A atitude o fez sobressaltar. Não estava esperando tal ultimato e teve medo que o gesto pudesse vir a despertar a herdeira. Por mais que Marguerite apresentasse uma postura mais permissiva nos últimos tempos, custava acreditar que ficaria contente ao acordar e notar que uma plateia a observava.

​—Shiii…_ levou o dedo a boca, sugerindo que a moça fizesse silêncio. Em seguida indicou o caminho de saída, o qual ele acompanhou logo em seguida.

​Verônica não demonstrou surpresa ao encontrá-lo àquela hora da manhã em aposentos que não eram os seus. Tão pouco julgou tal atitude, ao contrário, para ela era claro que Roxton e Marguerite se amavam e se sentia aliviada, até mesmo feliz, em saber que os amigos finalmente haviam se acertado. É bem verdade que, por um bom tempo, a menina da selva chegou a julgar que o nobre caçador era uma pessoa com qualidades muito superiores às da herdeira ambiciosa. Agora quase se envergonhava de tal consideração. Marguerite tinha ganhando seu respeito e sua amizade, provado sua lealdade para com os amigos em muitas ocasiões. A implicância entre ambas ainda era um costume constante, porém, isto se tornou muito mais uma provocação divertida e do que um conflito. De toda maneira ela estava sinceramente alegre por eles, e, faria o que estivesse ao seu alcance para manter a harmonia entre ambos, que considerava como seus irmãos mais velhos. A moça tristemente lembrou-se de Malone, e imaginou se um dia teria também o privilegio de tal felicidade.

​Antes de se recolherem na noite anterior, os aventureiros haviam acordado que Finn e Challenger partiriam cedo com destino a aldeia de Zanga a fim de realizarem algumas trocas justas de mantimentos e especiarias por tecnologias desenvolvidas pelo próprio cientista. Verônica e Roxton, como mais hábeis caçadores, seriam os responsáveis pela reposição do estoque de proteínas da casa da árvore. Marguerite não participou de tal reunião, havia se recolhido antes, evitando qualquer conversa indesejável com John. Para os demais exploradores tal indisposição tratava-se dos efeitos colaterais causados pela inalação de gás de carvão, entretanto, o caçador sabia que não. Marguerite fugia de uma conversa séria com ele depois do ocorrido na caverna, mas, a obstinação dele surtiu efeito, depois de confrontá-la conseguiu, finalmente, que ela admitisse seus sentimentos e lhe confiasse seus segredos (vide a fic O guardião de seus segredos). “Se os outros pudessem imaginar a disposição que ela demonstrou durante toda a noite em meus braços, não a poupariam das tarefas mais pesadas” pensou sorrindo internamente. Todavia, considerou que diante do seu mal pressentimento, se sentiria mais seguro com sua amada protegida na casa da árvore, de todos os lugares no platô aquele, definitivamente, era o menos perigoso. Isto era o que ele supunha.

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​Lenta e deliciosamente, Marguerite espreguiçou-se na cama ainda sem abrir os olhos. Há muitos anos não se sentia tão bem, pensando melhor, concluiu que talvez nunca se sentiu como naquela manhã. Tateou o colchão ao seu lado e não encontrou o corpo do homem com quem compartilhou momentos de divina paixão. Isto não a surpreendeu, Lorde Roxton era uma pessoa extremamente diurna, ao contrário dela, e muito provavelmente já estava envolvido em algum dos seus afazeres diários. Sorriu ao imaginar seus músculos bem definidos exercendo algum trabalho braçal, podia quase ver em sua mente as gostas de suor brotando em sua pele bronzeada e quase sentiu inveja delas que podiam tocar seu corpo viril a qualquer momento do dia sem nenhum tipo de decoro. Em pouco tempo, imaginando tal cena, Marguerite já se incendiava de desejo novamente. “Controle-se garota! É apenas manhã e você já está com pensamentos libidinosos” policiou-se.

​Notou que a casa estava mais silenciosa do que o de costume, quase deixava o quarto quando percebeu um papelzinho dobrado sobre sua penteadeira. Isto era tão típico de um certo Lorde. Ansiosa ela abriu o papel. Reconheceu a caligrafia do homem que amava imediatamente, embora, observou que ele havia se esforçado para que sua letra estivesse mais caprichada que o habitual.

“Minha amada Marguerite,

Deixar a sua companhia esta manhã foi um ato de profunda coragem. Porém, minhas responsabilidades me obrigaram. Pensarei em você durante todo o dia, ansioso pelo nosso reencontro logo mais a noite. Com todo o meu amor, John”.

​Ela beijou o pedaço de papel, podia sentir o perfume amadeirado que embalou seus sonhos, parecia uma boba apaixonada, entretanto, era isso que ela era, uma apaixonada. Não podia mais negar esse sentimento a ela, nem a ninguém. Subiu as escadas e observou toda a casa da árvore, absorvendo cada pequeno detalhe. Se dirigiu até a varanda e olhou a vastidão de selva, e pela primeira vez conseguiu notar mais beleza que perigos. O amor deve fazer isto, proporciona às pessoas perceberem o melhor de todas as coisas. Sentia-se tomada por um sentimento de tanta plenitude que decidiu de boa vontade e sem reclamações coser a pilha de roupas que lhe esperava a semanas.

​Sentada na clareira sob o lugar que passou a chamar de casa, Marguerite se permitia sorrir e até mesmo cantarolar enquanto remendava algumas peças. Uma perturbação no ambiente a fez ficar atenta. Uma revoada de pássaros fugiram em debandada, depois a herdeira pôde ouvir gritos de socorro. Procurou envolta de onde tal apelo surgia, foi então que ela pôde avistar ao longe uma silhueta feminina correndo desesperada de um grupo de três velociraptores.

​Marguerite sabia que a mulher sozinha não teria a menor chance. Atirou para cima tentando chamar a atenção dos animais, e percebeu que a vítima também notou sua presença e mudou a direção vindo de encontro a clareira. Era o que ela precisava, assim que os animais se aproximaram Marguerite conseguiu abater o que estava mais próximo da mulher. O segundo tentando cortar caminho acabou se chocando com a cerca elétrica, e o terceiro um pouco mais distante contentou-se em saborear a carne dos companheiros mortos.

​—Por aqui!_ gritou Marguerite indicando o portão de entrada da cerca. Enquanto a mulher se aproximava a herdeira pôde observá-la com maior cuidado. Tratava-se de alguém que definitivamente não pertencia aquele lugar. Seu cabelo ruivo estava desgrenhado pela fuga na selva, suas roupas de caça se encontravam suja de lama, o que Marguerite considerou aceitável diante da situação, contudo, tinha que admitir que era bela mulher que aparentava ter uma idade beirando a sua. _Entre, aqui você estará segura.

​—Muito obrigada! Não sei o que aconteceria se você não aparecesse._ agradeceu a mulher em um gesto que pareceu sincero.

​—A selva é um lugar perigoso. Não deveria transitar por ela desacompanhada ou desarmada, Srta…_ a herdeira deu a deixa para que a nova amiga se apresentasse.

​—Nosso acampamento foi atacado de surpresa essa manhã, selvagens peludos, não saberia classificá-los. Meus empregados não sobreviveram e eu fugi, mas no caminho me deparei com essas criaturas horríveis que parecem ter saído de uma filmagem de terror.

​—Bem vinda ao mundo perdido._ saudou-a com sarcasmo_ Mas, você disse que veio em uma expedição? Como encontraram o platô?

​—Na verdade era uma expedição de busca, procurávamos a expedição Challenger, mas, nosso balão foi atingido por uma terrível tempestade e se danificou. Depois do ataque só restou a mim._ explicou com desolação.

​—Neste caso, parte do seu objetivo foi alcançado._estendendo a mão,_Marguerite Krux, financiadora da expedição Challenger._se apresentou sorrindo.

​—Eu não acredito que os encontrei! Finalmente!_ repetindo o gesto cortês da herdeira, a ruiva apertou sua mão_ Muito prazer, sou Lady Violett Roxton.​

​Marguerite a olhou com dúvida. Se deu conta que não sabia o primeiro nome da mãe de John, todavia, imaginava que seria uma senhora bem mais velha e incapaz de se expor a uma viagem de tal magnitude. Por outro lado, o caçador nunca mencionou nenhum outro membro na família com o mesmo título. Suas dúvidas agora se transformavam em uma incômoda curiosidade que precisava urgentemente ser sanada.

​—Lady Roxton? Imaginei que a senhora fosse um pouco mais velha._ a observação foi ridícula, ela sabia disso, mas foi o que lhe surgiu no momento. A mulher por sua vez soltou um risinho discreto.

​—Você deve estar mencionando a minha sogra, Lady Elizabeth. Eu sou esposa de Lorde John Roxton, você provavelmente o conhece, não?

​Marguerite sentiu como se os tiros que anteriormente havia disparado em defesa da mulher estivesse a atingindo neste exato momento. Não podia acreditar no que acabara de ouvir, John era casado? Como pode esconder dela tão importante fato? Por quelhe jurou amor, ganhou sua confiança, entrou e se apossou de seu coração para traí-la de maneira tão fugaz? Por outro lado, foi dominada por uma raiva insana dela mesma por permitir que suas defesas fossem rompidas por um homem. Ela deveria saber que todos eles são exatamente iguais. Roxton não seria diferente, desde sempre foi claro em dizer que era um caçador e Marguerite provavelmente foi mais um prêmio de suas caçadas. Seu objetivo era mais uma conquista e como bom estrategista foi cauteloso e paciente até que com seguiu domesticá-la a ponto de ganhar sua confiança para então destruí-la por completo.

​—Srta. Krux, algum problema? A srta. está pálida, aconteceu algo com meu marido? A srta. o conhece, não?

​—Muito menos do que eu imaginei que o conhecesse._ disse num tom frio.