No Rugido Do Leão

Capítulo 4 - O Outro Lado


Estava escuro. A primeira impressão era a de que nada havia mudado. Elas fecharam os olhos. O silêncio do internato sempre foi carregado de roncos de professores com apneia e broncas de monitores que pegaram alunos fora da cama. Às vezes, quando estava tudo bem silencioso mesmo, podia-se ouvir o som do trem ao passar pelos trilhos a quilômetros de distância. Mas o silêncio daqui é diferente. Vinha carregado do frescor do vento e de folhas caindo. Quase se podia ouvir as árvores crescendo. Era um silêncio calmo, mas cheio de vida; o silêncio mais acolhedor que elas já ouviram.

Abelle queria correr para abraçar o vento e todo o seu frescor, mas Samantha segurou o pulso dela. Ela já tinha acostumado seus olhos com a escuridão, e podia definir melhor as coisas. Ela identificou casas e um grande pátio de pedra. Ela via uma sombra em cima de um muro. Era pequena, parecia um animal. Teve a impressão de que a sombra a olhava diretamente, e por isso segurou sua irmã. Não queria que fizesse qualquer movimento antes de que Sam pudesse identificar o local como seguro. Belle logo viu a silhueta, e paralisou, o que ajudou muito. A sombra desceu lentamente do muro; e começou a correr na direção delas. A cada passinho, ele se movia mais depressa, e o coração das duas também. Ele chegou tão perto que elas quase podiam ouvir a respiração daquele ser pequenino, quando virou para a esquerda.

–Ufa, essa foi por pouco! - falou Belle, soltando a respiração.

– Olha só....... - Sam não conseguia parar de olhar.

A sombra subiu em um muro, onde uma silhueta maior estava debruçada. Parecia um rapaz.

– Perdeu o sono, majestade? - disse a sombra pequena.

– Sim, Rip-Chip, não consigo dormir.

– Pensando nos reis e rainhas, senhor? - Rip-Chip parece meio intrometido.

– Não, neles não. - essa voz é masculina. Será Caspian?

– Perdoe-me o mexerico, senhor, mas em quem seria então? - perguntou Rip-Chip.

– Primeiro, não é mexerico se não se espalhar, o que acredito que não vai acontecer...

– Levarei esta conversa para o túmulo, majestade! - Rip-Chip sempre exagerado.

– E depois, - continuou a sombra - estou pensando na minha prima...

– Alguma em especial, majestade? - Rip-Chip está muito intrometido.

– Nas duas. Eu sonhei com elas semana passada. Eu as via sentadas aos pés de uma grande cerejeira, ao anoitecer. Elas riam, falavam coisas... - contou a sombra.

– E o que diziam, senhor? - Rip-Chip perguntou.

– Só falavam. - falou a sombra - Sabe Rip-Chip, depois que meu pai morreu, meu parente mais próximo era Miraz. Não é bem o que se pode chamar de família, mas era o que eu tinha. Depois que ele morreu, pode-se dizer que eu me senti meio sozinho. Mas, durante todo o tempo, eu tinha Samantha e Abelle, bravas garotas, que me apoiaram e ficaram do meu lado. Foi uma grande alegria para mim, quando descobri que elas eram minhas primas. Agora, - ele suspirou - elas se foram há quase três meses, e eu voltei a me sentir sozinho. Eu daria qualquer coisa para tê-las de volta! - uma lágrima rolou pelo rosto dele.

– Olha, mana! - disse Abelle, meio alto - Eu queria que meus desejos se realizassem rápido assim!

A silhueta se ergueu do muro, impressionado com a voz que ele acabara de ouvir. Desceu as escadas rapidamente e começou a correr na direção delas. A cada passo que ele dava, o brilho dos colares de todos aumentava. Caspian abraçou suas queridas primas com muitas saudades. Ao fazer isso, os colares se tocaram, e uma explosão de luz jogou longe a todos.

Caspian sentou-se. Suas primas estavam se levantando mais ali à frente; e Rip-Chip subiu em cima do rei, preocupado.

– O senhor está bem, Majestade? - Rip-Chip piscava seus olhinhos de rato. Os bigodes dele entravam no nariz do rei, fazendo-lhe cócegas.

– Estou, sim! - Caspian espirrou - Veja como elas estão!

Rip-Chip se aproximou das garotas que estavam rindo entre si.

– Wow! Parece até aquela palestra de química! - comentou Samantha.

– É verdade! - concordou Abelle - Aquela quando você colocou o líquido verde, o vermelho...

– E derrubamos o frasco preto! - repetiram juntas.

As meninas se levantaram do chão, relembrando os rostos sujos de carvão dos alunos. Levou uma semana para limparem tudo, mas a nota foi boa. Rip-Chip se aproximou delas e, após fazer uma rasgada reverência, disse:

– Bravas senhoras, é um prazer revê-las!

– É um prazer para nós também, Rip! - responderam elas.

– Fico feliz de ver que estão bem. - ele disse, mantendo sua mãozinha na espada - Agora que chegaram, eu gostaria de pedir um favor...

– O que quiser, Rip! - sorriu Belle.

– Eu gostaria que vocês fizessem Vossa Majestade dormir; afinal esta é a terceira ou quarta noite que ele passa acordado. - ele disse.

– Isso não é necessário! - adiantou-se Caspian - Eu estou bem!

– Você ouviu o rato, mocinho! - Sam segurou o braço dele - Já para cama!

– Mas... - ele fez cara de gatinho pidão.

– Nada de "mas", você vai dormir, sim senhor! - asseverou Belle, segurando-lhe o outro braço.

– Já que pedem tão gentilmente...