No Rugido Do Leão

Capítulo 5 - O Peregrino


Eles caminharam pelos corredores longos e escuros, mas acolhedores do castelo. O lar. Não demorou muito e estavam no quarto do rei. Era um lugar grande, com uma enorme cama cortinada. Tinha um guarda-roupas e uma escrivaninha. Logo ali, uma sacada com cortinas alvas.

Abelle tirou o colete de ferro e as botas de couro de Caspian, e se dirigiu ao guarda-roupa. Ela sentiu uma brusca corrente de ar frio, que lhe fez tremer os joelhos; vinha do móvel. Belle olhou para trás, sua irmã estava brigando com Caspian por não dormir, enquanto lhe arrumava a cama; estava distraída. Uma forte curiosidade impulsionou Belle a ir móvel adentro; em meio a camisas e coletes, havia um degrau. E depois outro, e mais um; eram muitos degraus descendo em espiral, e não dava para ver onde ia dar.

Tirou do bolso de sua calça de pijama uma das muitas pedras que costumava colecionar e a jogou; ela foi descendo, e descendo e descendo. Belle queria muito saber o que havia lá. Olhou para trás mais uma vez. Caspian estava deitado em sua cama; Sam estava do lado dele, cantarolando uma canção de ninar e escovando os cabelos dele com seus dedos. "Parece a mamãe" pensou Belle.

Silenciosamente, Abelle desceu as escadas, sempre olhando para cima, esperando que não descem por falta dela. Finalmente chegou ao fim da escada. A primeira coisa que viu foi um enorme apoio de madeira com espadas acopladas organizadamente. E outro com arcos, e outro com bestas, e ainda outro com aljavas cheias de flechas, e mais um outro com lanças. Aquela sala de pedra era a sala da artilharia. Ela caminhou silenciosamente, mantendo a escada, sua rota de fuga, sempre ao alcance da vista.

Belle estava fascinada. Nunca vira tantas armas em um mesmo lugar. Mais ali na frente ela viu um armário com dezenas de capacetes. Ainda tinha o rosto de ferro de Miraz, o que significa que Caspian precisa providenciar novos urgentemente.

Belle ouviu vozes. Com o coração na mão, correu para a escada. Ficou ali escondida, mas não subiu; sabia que não demorariam muito ali, e na verdade, queria saber aonde aquela sala iria dar. Belle deu uma espiada. Eram dois soldados; um tinha o rosto grave e redondo, o outro tinha um olhar sério e barba por fazer.

– Não acredito que estamos fazendo isso realmente! - comentou o primeiro.

– Nem é necessário, soa até meio ridículo, na verdade! - retrucou o segundo.

– Eu sei, quer dizer, mobilizar todo o exército por um mendigo, um cão perdido! - indignou-se o primeiro.

– Por mim, já dava uma flechada na cabeça e acabava de vez com essa palhaçada! - exclamou o segundo.

– Não tomaremos nenhuma atitude sem antes constatar à Majestade. - disse Rip-Chip, em tom grave - Agora, voltem à seus postos.

– Sim, senhor! - disseram os dois, saindo.

Belle suspirou, aliviada.

– Já pode sair, milade. - falou Rip-Chip.

Abelle saiu da escada, mais aliviada. Enquanto se ajoelhava, Rip-Chip se aproximou dela, tocando com sua patinha o joelho dela.

– O que está acontecendo, Rip? - ela perguntou.

– Vem e vê. - ele simplesmente disse.

Abelle e Rip-Chip seguiram por algumas escadarias, até chegarem aos muros do castelo. Haviam muitos soldados armados, mirando algo do lado de fora. Belle sentiu um toque em seu ombro esquerdo, e ao se virar, viu Samantha.

– Sabe o que está acontecendo? - perguntou para Sam.

– Eu sei lá! Um soldado abriu a porta do quarto quando eu finalmente consegui fazer o Caspian dormir. Aí ele disse que era muito importante e que eu deveria segui-lo e... - caindo em si, Sam perguntou - Peraí, como foi que você saiu do quarto???

– Eu encontrei umas escadas no armário do primo; desculpe, eu estava muito curiosa; então encontrei Rip-Chip e ele me trouxe pra cá.

– Senhoras, vejam isto! - chamou Rip-Chip.

As duas correram para o muro. Estava meio escuro do lado de fora, e apenas algumas raras tochas iluminavam os muros. Mas lá embaixo havia algo desesperador. Era um rapaz, da idade de Caspian; tinha uma mochila velha de andarilho e as roupas rasgadas, estava descalço e sujo. Parecia cambaleante. O rapaz gritava e chorava. Os soldados olhavam uns para os outros, confusos. Rip-Chip temia o que poderia acontecer, então ergueu sua espada para dar a ordem de morte, mas Samantha segurou-lhe a espada. Ela sabia o que estava fazendo.

– Você, você e você, venham comigo. Você vá lá dentro e me traga água fresca, sem veneno! - ela deu as ordens para os soldados, que prontamente obedeceram.

Rip-Chip parecia atordoado e confuso, mas Belle sorria aliviada. Seguindo Samantha, os soldados, Belle e Rip-Chip caminharam muralha afora, rumo ao encontro do peregrino.

– Calma, rapaz, está tudo bem. - disse Sam.

Eu não te entendo.– respondeu ele, em outro idioma.

Mas eu sim, juro que vai ficar tudo bem.– confortou-lhe Sam. Ela nem percebeu que falara outro idioma.

Você consegue me entender?– ele perguntou, surpreso.

Eu e minha irmã conseguimos, sim.– respondeu Belle.

Oh! Graça da Estrela Vespertina que me guiou ao lugar certo!– exclamou o rapaz, erguendo as mãos para o céu.

– O que vocês estão falando? - perguntou Rip-Chip para Belle, discretamente.

– Você não entendeu? - surpreendeu-se Abelle.

– Ninguém entendeu! - ele apontou para os seus homens.

Sam deu um grito. O andarilho desmaiara. Samantha se ajoelhou ao lado dele, apoiando-lhe a cabeça adormecida em seu colo. Nisto chegou o soldado a quem ela pedira água, com um cantil nas mãos.

Eu juro que te mato se estiver envenenada!– ela disse, pegando o cantil.

– Como? - perguntou o soldado, baixinho.

– Se ele morrer, você morre. - ela disse, com faíscas no olhar.

Samantha bebeu uns goles do cantil, porque pensou "antes eu do que ele", e sem sentir sabor algum, despejou um pouco na garganta dele. O andarilho engoliu e respirou melhor, mas não acordou.

– Rip-Chip, este homem agora é nosso amigo. - instruiu Sam - Cuide e proteja ele com sua vida.

– Sim, senhora! - Rip-Chip bateu continência.

Enquanto os soldados levavam cuidadosamente o corpo adormecido, Abelle se aproximou de Samantha:

– O que diabos aconteceu aqui?!

– Não sei, não conheço o idioma que falei! - comentou Sam.

– Nem eu, agi por impulso! - admitiu Belle, que fazia muito isso.

– Mas de uma coisa eu sei: aquele rapaz é muito importante para nós. - refletiu Samantha.