No Rugido Do Leão

Capítulo 24 - Terra Média - Confusões na escuridão


A Lua brilhava alto lá fora. Seus raios de luz e claridade pálida iluminavam vagamente o interior da caverna, acentuando os tons de cinza das paredes rochosas e frias. Abelle olhava em volta e constatou que todos agora dormiam, salvo Legolas e Gimli, que decidiram de bom grado vigiar durante esta noite. O frio nas montanhas é incômodo, acentuado pelo vento assoviante e o chão frio de rochas. Por essa razão, todos, incluindo ela, estão cobertos pelas capas que Legolas lhes dera, e Belle ria ao notar que elas adquiriram a mesma cor das rochas na montanha cinza. Pareciam grandes rochedos respirando e sonhando!

Belle fechou os olhos. A lua também lhe trazia lembranças alegres, dos momentos de aventuras que vivera em Nárnia, apenas há alguns meses. Mas mesmo meses podem parecer eternidades se aquele que você gostaria que estivesse ali, não está.

O fogo ainda crepitava na lenha, trazendo seu brilho acolhedor e seu calor reconfortante. Susana e Lúcia estavam deitadas em silêncio, e os roncos do anão soavam alto na floresta. Porém, um lindo par de olhos verdes estava mais acordado do que nunca, seguindo avidamente a jornada que uma voz calma e alegre guiava ao seu lado.

– Olhe ali. - Edmundo aponta para o céu - Se prestar bastante atenção, consegue ver ainda uma ponta do Navio, e o Martelo, mais para lá. Mas meu favorito é o Leopardo. Aquele bem ali.

Belle olhava atentamente onde o garoto mostrava. Eram fabulosas constelações, apesar das copas das árvores cobrirem quase todo o céu azul. Mas ainda assim, era possível identificar as estrelas. O martelo, que parecia trabalhar nas mãos de um anão ferreiro, criando armas e espadas celestiais. Era quase possível ouvir o tinir dele contra o ferro quente. Em outro lugar, o navio navegava em águas misteriosas. Seria tripulado por piratas ferozes, avidos por riquezas e tesouros além da imaginação? Ou seria uma armada aventureira, pronta para desbravar mundos não descobertos?

Mas aquele que mais lhe encantou também era o favorito do rapaz deitado ao seu lado na grama verde e úmida de orvalho. O Leopardo estava sentado, como se vigiasse sua presa, esperando o momento certo de atacar. Ele parecia com o gatinho de estimação que ela tinha em casa, toda a vez que caçava uma borboleta. E se riu com isso.

– Ed, - ela chamou suavemente - posso perguntar uma coisa?

– Claro! - ele respondeu com voz suave, quase adormecido.

– Nárnia era bonita? Quer dizer, quando você reinou nela, ela era bonita? - ela se virou para ele - Você viveu muitas aventuras nela?

Edmundo suspirou. Queria e deveria medir muito bem suas palavras, pois apesar de todo o seu reinado ter durado muitos anos, aquilo que mais lhe dói foi o que aconteceu quando chegou ali. O que ele fez.

– Nárnia era muito bonita, mas eu gosto mais dela agora. - ele disse, enfim.

– Por quê? - Belle perguntou, curiosa. Um sorriso se iluminou na face de Ed.

– Porque agora eu posso mostrar ela para você.

Belle sorria com suas lembranças. Seu melhor amigo. Na verdade, muito mais que isso.

– Ed, você também estaria adorando. - ela sussurrou, feliz.

Um barulho estranho a assustou. Uma fenda se abria na rocha, não muito grande. Belle estendeu sua mão e pegou a espada de Caspian, e a manteve junto de si, coberta pela capa. Qualquer um teria se levantado. Edmundo estaria de pé. Mas ela paralizou. Não de medo. Na verdade, ela nem sabia por quê um vento frio lhe percorria a espinha. Mas agora é tarde para se levantar.

Ela ergueu um pouquinho da sua capa suavemente. Ninguém mais havia notado, ou querer ouvido. Somente ela. Nem mesmo Legolas sabia do perigo que eles todos corriam. Ela pensou em se levantar e correr, mas ainda não conseguia se mover. Que sensação maldita!

Passos desengonçados e ligeiros subiam pela fenda. Ela podia ouvir grunhidos agora perto de sua cabeça.

– Odeio, odeio, odeio isso! - grunhidos asquerosos disseram. Belle sentiu um cheiro forte e podre, de coisa se decompondo. E sentiu ânsia. - Odeio ter que ficar aqui!

– Aqui não é tão ruim! Podemos ver a lua! - outros grunhidos responderam. Porém os primeiros resmungaram em contragosto.

– Que graça tem em ver esta maldita bola de luz? - o primeiro reclamou - Orcs combinam com escuridão, dor e medo! Deveríamos estar lá dentro, quebrando ossos e afiando armas!

– Pare de reclamar! - o segundo berrou - Já se esqueceu que é por sua culpa que estamos aqui, vigiando esta montanha?

– Mas eu vi mesmo humanos! - o primeiro sentou-se em Belle, que se segurou para não gemer de dor com o peso dele - Haviam humanos no rio das Terras Selvagens!

– Se viu, por que não trouxe eles para cá? - o segundo disse - Há dias que não comemos algo decente! - ele fungou o ar - Eu já sinto até o cheiro de sangue fresco! Carne... Preciso de carne...

O orc que estava sentado encima de Belle se levantou de súbito. E ela viu ele passar perto dela, até onde estava PL.

– Eu também sinto cheiro de sangue fresco... - ele se abaixou, para analizar melhor. A capa de Passo Largo estava molhada com o sangue da ferida. - Olhe isso aqui, rastro fresco de humano!

– Não estão muito longe! - o outro fungou o ar novamente - Eu diria para irmos até eles! Vamos alcançá-los!

O orc tocou no local onde estava molhado de sangue. PL se mexeu e gemeu, pois ainda doía muito.

– Humano! - o orc berrou - Humano!

Belle se levantou de súbito e ergueu a espada.

– Humanos! - o outro orcs berrou - Humanos!

Belle se virou, e com um movimento rápido, cortou a cabeça do segundo orc. Sangue negro jorrou, tingindo o chão de pedra, e exalando um cheiro ainda pior.

– Mas como você é perspicaz! - Belle ironizou.

Uma flecha zuniu. Ficou cravada na cabeça do orc que estava perto de PL, que acordou com o som. O orc caiu, morto. Legolas entrou na caverna, e todos olharam para os corpos.

– PL! - Sam se ajoelhou do lado dele - Você tá legal?

– Eu disse que essas terras não serviam para passar a noite. - Legolas falou, sério. - Levantem-se. Este local vai estar cheio de orcs e menos de cinco minutos.

– O que nos denunciou? - PL perguntou.

– Você, infelizmente. - Belle falou. - Um deles sentiu cheiro de sangue, e foi verificar. Eram apenas sentinelas.

– Não quero ouvir mais nenhuma palavra a respeito disso, de ninguém! - Sam falou, séria. Sabia que Legolas culparia o amigo ferido. - Vamos partir, e bem rápido. Se Aslam quiser, ainda chegamos à Fangorn.

– Então isso é que é um orc? - Caspian disse, enjoado - Esterco cheira melhor que isso! E é bem mais bonito!

Todos pegaram suas malas e suas capas e se puseram a correr. Caspian e Samantha serviam de apoio para Passo Largo, para evitar que ele ficasse para trás.

Eu deveria ter acertado a garota! - Legolas sussurrou, furioso, cansado e descontente com essa situação - Teria menos problemas!

– E com certeza uma orelha a menos! - Belle disse, ainda com a espada de Caspian em mãos - Porque eu não ia deixar barato, não mesmo!

Legolas riu. Com toda certeza, essa jornada estava sendo divertida desde o início!