No Rugido Do Leão

Capítulo 13 - Lembranças, doces lembranças...


Samantha suspirou. A escuridão da noite a cercava, com seus braços frios e cálidos. Apenas uma coisa a impedia de mergulhar na negridão da noite: a Lua. Sim, a Lua. Grande, majestosa, magnífica, silenciosa. Sentada no parapeito acolchoado da janela de seu quarto, ela olhava para sua eterna confidente, e sentia o olhar de uma única pessoa a lhe responder: Pedro.

Sim, Pedro. Ele roubara seus sentimentos de modo tão sutil que ela lhe deu seu coração de livre e espontânea vontade. Ele era o único que podia. Ela fechou os olhos. A luz de sua amiga e confidente lhe trazia à memória lembranças de um passado recente, momentos doces que eles viveram juntos na primeira vez que se viram, no ano anterior, Casa do Professor Kirke.

"Querido Diário,

Depois do chá da tarde, eu fui à biblioteca. Por descuido, comecei a dedilhar uma canção, antiga melodia de família, que já nem me lembro o nome. Me deixei levar por aquela canção, e aquelas notas me lembraram vovó e suas histórias de reinos mágicos, anões, elfos e dragões; seres e mundos além da imaginação. Tudo tão lindo e tão perto que eu quase podia tocar.

– Bonito. - uma voz assustou-me.

– Há quanto tempo você está aí? - perguntei, sem me virar.

– Uns vinte minutos, na verdade. - ele falou - Estava lendo quando uma canção atraiu minha atenção.

Ele se aproximou. Tinha cabelos loiros, olhos azuis, era alto e tinha um porte nobre. Sua presença me intrigava e me constrangia, dava medo e coragem. Ele sentou-se do meu lado. Eu me afastei no banco; foi automático, mas perceptível.

– Você tá com medo de mim? - ele riu.

– Não posso falar com estranhos. - cruzei os braços.

– Interessante. - ele riu. - O que está fazendo?

– Nada. - eu me levantei - Já estava de saída.

Eu caminhei até a porta, mas pouco antes de sair, ouvi o piano ser tocado outra vez. Ele tocou as primeiras notas da minha melodia com maestria, talvez até melhor do que eu.

– Você tem bom ouvido. - eu sussurrei.

Ele apenas riu, e tocou outra vez. A mesma parte, a mesma estrofe. Mas ainda estava mais impecável que da primeira vez.

– Sou Pedro Pevensie. - ele falou - Agora, não sou mais estranho."

Samantha se riu com suas lembranças.

"Querido Diário,

Mais tarde, naquele mesmo dia, eu fui para a biblioteca procurar meu gramofone, quando ouvi a doce melodia de minha canção. Este rapaz toca ainda melhor do que eu! As notas pareciam dançar ao meu redor. Mas então, ele tentou tocar a segunda parte, e errou quase todas as notas. Ele parou, ofegante.

– Não, não. - ele sussurrou para si mesmo - Ela não tocou assim.

E ele tentou outra vez. As notas voltaram as soar bem, e depois a gritar como gatos machucados. Ele parava, e recomeçava. parava e recomeçava. Ele ficou tão chateado que abaixou a tampa do piano e bufou.

– Chega! Eu já sabia que não levava jeito! - ele cruzou os braços - Talvez seja melhor nem tentar mais...

– Não é assim que se aprende. - eu finalmente disse.

Ele olhou para mim, como os olhos tristes.

– Vamos tentar outra vez. - eu disse.

Sentei do seu lado no piano, e toquei a melodia outra vez. Depois, era a vez dele. Ele tentou, e errou; tentou e errou.

– Pare, pare! - eu disse, rindo - Vi um gato fazer esse barulho uma vez...

– E o que aconteceu? - ele perguntou.

– Ele estava engasgado. - eu disse, séria.

Ele começou a rir. E seguimos a tarde assim. Cada vez que ele errava, eu fazia uma piadinha ou um comentário engraçado, e ele ria, com aquele sorriso lindo... Isso fez com que ele se sentisse à vontade, e a mim também. Eu já lecionei piano para garotos de mesma idade que eu, e nenhum deles fez eu me sentir tão confortável...

– Crianças, desçam logo! - Eva, a nossa empregada, chamou da sala de jantar - Está na hora do jantar!

– Bom, já chega por hoje. - eu me levantei, caminhando em direção à porta.

– Eu vejo que já não sou mais estranho para você... - ele disse - Mas você ainda não me disse seu nome...

– Tente adivinhar! - eu sorri, e desci para o jantar."

Samantha lembrou-se de como ele passou a chamá-la de Sunshine daquele momento em diante, ele dizia que seus cabelos eram da cor do Sol. Mas eles gostavam mesmo era da Lua. Era sob a luz do luar que eles conversavam, riam, brincavam, que eles se apaixonaram um pelo outro. Foi ela quem viu o dia em que Pedro ensinou Samantha a cavalgar; foi ela quem permitiu que os dois pudessem treinar piano à noite; e o primeiro beijo em Nárnia, ah! Somente a Lua viu isso, e mais um par de olhos reconfortantes. Aslam os abençoou.

Uma pedra arrancou-a bruscamente de seus pensamentos. Ela deveria acertar o vidro da janela, mas como estava aberta, acertou foi sua testa, que ficou bem vermelha.

– Imbecil! Vai tacar pedras na sua mãe! - ele gritou, da sacada.

– Fale baixo! Não vai querer que o rei acorde! – uma voz conhecida falou, lá de baixo, nos jardins.

– O que quer agora? - ela esfregou a mão no local machucado – Já não estragou minha vida o suficiente?

– Eu preciso falar com você!– Passo Largo gritou – Me encontre no jardim secreto!

– Nunca! – Samantha berrou, fechando as janelas.

– Te espero lá! – ela o ouviu gritar. E ficou com raiva.