No Rugido Do Leão

Capítulo 12 - Eu preciso partir.


Passo Largo respirou fundo. Como explicar-se, mas sem .... explicar-se? Motivos fortes, e talvez incompreensíveis, o trouxeram ali, e ele não estava disposto a colocar tudo a perder. Talvez ele finalmente a tivesse achado. Talvez agora, tudo poderia voltar ao normal. Mas como explicar tudo isso, de maneira que eles entendam, mas sem colocar tudo a perder? Será que eles conseguiriam compreender suas razões?

Ele levantou-se, conturbado em seus pensamentos. Olhou pela janela, para o lado de fora. Pelo vidro, ele tinha um magnífica visão dos jardins secretos, propriedade particularmente construída e plantada para e pela Lady Samantha, uma forma de distrair a mente. Lá em baixo, um fauno tocava uma linda melodia a uma dríade formada de pétalas de flores de cerejeira, que dançava no ritmo melodioso de sua flauta harmoniosa. Ele jamais vira seres como aqueles. Nem mesmo em seu mundo. Seu mundo... Talvez seja melhor começar por aí...

– Eu tenho peregrinado pela terra por mais tempo do que a alguém poderia ser permitido peregrinar. Eu caminhei por muitos lugares, eu vi muitas coisas, eu provei, eu senti, eu fui, eu vim. Quanto mais se pode andar, mais se pode conhecer. A mente apenas pode imaginar, todas as criaturas que eu vi com meus próprios olhos.– ele falava, de olhos fechados, quase como um sussurro.

– Por que não escreve um livro então? - Sam se riu, mas em voz muito baixa, quase inaudível.

– Mas assim como a mais frondosa e mais antiga faia da mais antiga floresta da mais remota região do universo, que já viu milhares e milhares de verões; teve um início em uma semente pequenina em uma terra desconhecida; eu também tive um começo.– Passo Largo tinha uma voz firme e penetrante, calma e sufocante.

Ele tocou o vidro da janela com a ponta dos dedos, como se pudesse ver algo além da paisagem floral.

– Eu venho do clã mais pobre, do povo mais pobre, o único povo prisioneiro de toda a Terra Média. – ele temia o som de suas próprias palavras – Meu pai era um simples fazendeiro, e minha mãe era apenas uma camponesa. Meus pais nunca viram o brilho de uma moeda, a cor cintilante de uma pérola, o sabor de um assado fresco ou o perfume de uma flor de Lóthien. Eu cresci sem saber a cor do céu, a beleza de uma rosa, ou o sabor de uma água fresca.

Que passado triste! - Belle emocionou-se. Mas Caspian estava muito concentrado na narração.

– Tudo o que eu conhecia era a escuridão. Eu nasci na escuridão, eu cresci na escuridão, ela impregnava o ar, tirava o sabor do pão, contaminava a água, matava as plantas. Ela deturpava as pessoas de coração mais nobre, e as jogava no precipício do medo e da incerteza. – uma lágrima rolou pelo seu rosto – Um dia, essa escuridão invadiu o coração de meu pai, e sua mente foi inundada de incertezas e temores maiores do que os que nós enfrentávamos todos os dias.

O coração de Caspian batia mais rápido. O que teria acontecido ao pai deste narrador?

– Ele se entregou ao vinho enfeitiçado das Montanhas Sombrias, e suas memórias sobre mamãe, eu mesmo ou qualquer coisa foram esmagadas. Ele gritava com o vento, e quebrava os poucos móveis que tínhamos. – ele parecia não querer chorar, então sua voz se tornou firme e segura – Guiado por minha mãe, tendo nada além de um cantil com água e fé, eu consegui escapar, emaranhando-me pela floresta, a procura de algo que pudesse me ajudar.

Ele virou-se para eles, mais convicto do que quando ele pedira para Samantha não deixá-lo sozinho, na primeira vez que conversaram.

– Muitos anos eu vaguei, e agora, eu encontrei meu destino. E estou disposto a segui-lo.

– Então, isto é um adeus? - Belle se levantou.

– Eu preciso partir. – ele se resumiu a dizer.

Belle correu até ele e o abraçou. Ela chorava, não queria vê-lo partir. Ele, mesmo não tendo convivido tanto, tinha um lugar em seu coração. Era como um irmão, ou um coelhinho. Não poderia partir.