Never knew I needed

Bem vinda à Nerdlândia


A manhã seguinte fora um tormento. O prédio de sua nova escola era um anexo à Universidade de San Fransókyo, mas parecia dez vezes mais complicado e cheio de curvas e corredores. Quando finalmente chegou à sua sala, estava atrasada.

A professora, uma mulher impossivelmente magra e ruiva a olhou com indiferença quando ela lhe entregou o papel de transferência, mandando que se sentasse em algum lugar vago para que ela pudesse prosseguir com a aula.

Tip obedeceu prontamente, tirando da mochila seu caderno e estojo, tentando prestar atenção à aula de cálculo avançado.

A aula terminou sem que Tip tivesse entendido coisa alguma do que havia sido explicado. Aqueles alunos estavam mesmo na mesma série que ela? Metade das coisas que a professora explicara ela não tinha visto ainda e a outra metade ela teve que se esforçar muito para compreender.

Suspirou aliviada quando o o sinal do intervalo tocou. Talvez não fosse tão ruim assim. Ela só tinha que fazer amizade com alguns colegas e talvez, com tempo e ajuda, ela conseguisse acompanhar as matérias. Só estava emburrada por que era o primeiro dia e tudo parecia difícil e confuso. As coisas ficariam melhores logo, e ela iria se acostumar. Logo estaria rindo daquilo tudo.

Levando um sanduíche e uma caixinha de suco, Tip se aproximou de uma das mesas onde alguns de seus colegas de classe estavam sentados. Havia uma garota loira com óculos enormes que segurava um livro de física com a mão e um garfo com um morango espetado na outra. Havia um garoto moreno claro, alto, magro e com cara de sono, que parecia terrivelmente entediado. E um garoto gordinho, ruivo e sardento que digitava freneticamente alguma coisa em um notebook. Nenhum dos três olhou para ela enquanto ela se aproximou da mesa.

Tentando projetar mais confiança do que realmente sentia, Tip parou diante da mesa, esperando que eles a notassem, mas ninguém a olhou nem emitiu nenhum som. Então ela pigarreou, limpando a garganta. A garota loira desviou os olhos do livro por uns três segundos, depois voltou à sua leitura, como se nem a tivesse visto.

O ruivo continuava digitando o que quer que fosse no seu notebook e o moreno com cara de tédio apoiou o queixo na mão, estudando-a com desinteresse

– A ufóloga bolsista. - comentou a loira, sem olhar na direção de Tip, como se classificasse algum tipo de micróbio em um laboratório.

Tip sentiu que era hora de dizer alguma coisa.

– Oi. Meu nome é Tipolina. Posso me sentar com vocês? - ela perguntou.

– Só se fizer muita questão. - o garoto ruivo comentou, com um risinho.

Tip tentou se decidir se aquilo era um sim ou um não, mas se sentou assim mesmo. Abriu seu sanduíche, desembrulhando o papel alumínio com cuidado, pensando no que diria em seguida.

– Como vocês se chamam? - Ela perguntou, já que ninguém tinha se apresentado.

– Cassandra. - a garota disse, sem realmente olhar para ela.

– Brandon. - o garoto do notebook respondeu, mas algo em seu tom advertiu Tip de que ele só tinha respondido para tentar parecer educado.

– Thomas. - o moreno disse, suspirando, como se estivesse lidando com uma criança.

Tip sorriu.

– Eu fiquei esperando que a professora dissesse seus nomes durante a chamada, mas não houve nenhuma. - ela explicou.

Brandon ergueu os olhos do notebook e a encarou.

– Chamada? Isso é tão medieval. - ele comentou e voltou a digitar.

– Não fazem chamada aqui? Como sabem quais alunos faltam e quais estão presentes? - Tip perguntou, curiosa.

– Dãã... Te deram um crachá e você o passou na roleta, se lembra? - Cassandra zombou. - Francamente, de que caverna você saiu?

Tip corou com o comentário, que pareceu ainda mais cruel por que ninguém na mesa se dignou a rir. Não era uma brincadeira. Era mais como uma alfinetada. Tentando mudar um pouco de assunto, Tip inspirou fundo, e introduziu um novo tema na conversa. Se é que podia chamar aquilo de conversa.

– O que foi aquela aula de cálculo? - ela deu um risinho sem humor. - Acho que não entendi metade das coisas que ela disse.

– Não me admira em nada. - Thomas disse, rolado os olhos e debruçando-se sobre a mesa, olhando-a com o mesmo olhar entediado.

– Olha. - Cassandra baixou o livro, empurrou os óculos para cima e a olhou demoradamente. - Não nos leve a mal, mas não estamos exatamente acostumados a lidar com o seu tipo.

– Meu tipo? - Tip franziu as sobrancelhas.

– Sim. Seu tipo. Garotinhas bolsistas que inventam historinhas de amizade com extraterrestres para se sentirem especiais. Mas deixa eu te contar uma novidade, Tipolina. - Brandon fechou o notebook e olhou nos olhos. Algo no jeito como ele disse seu nome a fez sentir desconfortável. - Você não vai durar aqui.

– Não! - ela finalmente encontrou algo pra dizer. - Eu realmente conheci um deles...

– Você não espera que nós realmente acreditemos nessas teorias de conspiração que o governo quer que a gente engula, quer? Extraterrestres. Ah, por favor... - Thomas ironizou.

– O que os rapazes estão tentando dizer, mas que você parece não entender devido ao seu intelecto inferior, é que na melhor das hipóteses, você é uma ingênua. Na pior, é uma idiota, e que, em ambas as hipóteses, não vai durar muito nesse colégio. As pessoas que entram aqui se preparam durante a vida toda. Somos os melhores. - Cassandra deu ombros, como se explicasse que a chuva era molhada e que não havia nada que Tip poderia fazer sobre isso.

– Não sabemos o que você fez para merecer essa bolsa. - Brandon disse - Mas a média para se manter nesse colégio é sete, e eu duvido que com a sua educação consiga se manter nesse nível. Então, assim que você se levantar da mesa, eu vou esquecer o seu nome, por que no fim das contas, você não vai ficar aqui por tempo suficiente para que a gente se lembre dele. - dito isso, abriu o notebook e continuou a digitar, como se ela não estivesse ali.

Tip se levantou da cadeira, um pouco desorientada, olhando em volta e esperando ver alguma solidariedade nos olhares dos colegas em volta. Mas não havia nenhuma. Era como se todos concordassem que realmente nem valia a pena saber o nome dela, pois ela acabaria indo embora na semana seguinte. Engolindo a vontade de chorar, Tip se trancou no banheiro durante o resto do intervalo, amaldiçoando a si mesma por ter escolhido estudar naquele lugar.

_________

Tip passou o resto da aula em silêncio, sem fazer nenhuma tentativa de conversar com outros colegas de classe. A lição de química passou como um borrão e ela mal conseguiu prestar atenção no resto dela. Sentia o peso dos olhares dos colegas nas suas costas, medindo-a, analisando-a e se perguntando de que "caverna" ela tinha saído,como se não fosse digna de estudar ali apenas por que não tinha se preparado o suficiente, como eles. Por um momento sentiu-se tão sozinha quanto um ano antes, quando tinham acabado de se mudar de Barbados e as garotas maiores implicavam com ela por ser diferente. Ali era pior. Não implicavam com ela. Não roubavam seu lanche, nem zombavam dela, mas a ignoravam e sussurravam em suas costas. Sentiu falta de Oh, perguntando-se o que ele estaria fazendo agora.

Desde que se tornara o novo comandante, o boov se esforçara para manter a amizade, mas seus deveres o impediam. As visitas estavam se tornando menos frequentes e os compromissos o impediam de dar tanta atenção a ela quanto ele queria. Tip não o condenava por isso. Não era culpa dele. Ela sabia que ele sentia sua falta também e que fazia o melhor possível considerando sua nova posição. Apenas não era a mesma coisa.

O sinal bateu e ela suspirou de alívio. Arrumou seu material, jogando as coisas na mochila sem olhar para os lados, enquanto seus colegas saíam, um a um.

Assim que visse sua mãe, diria que aquela ideia toda de se mudar fora um erro, e pediria para que voltassem para sua cidade e as coisas voltariam a ser como eram antes.

Sentada em um banco de pedra no jardim, Tip ficou escolhendo as palavras que diria para mãe quando um sedã prateado encostou ao lado dela. No início ela mal tinha reparado nele, mas o carro continuava ali, ligado e a espera. Ao olhar para cima e ver sua mãe no volante, Tip não conseguiu esconder a surpresa. Lucy sorriu ao ver a expressão boquiaberta da filha.

– É lindo não é? - ela disse, orgulhosa. - A faculdade o cedeu para mim e eu achei que poderíamos almoçar juntas. O que acha?

Tip forçou-se a sorrir.

– Acho uma boa ideia. Tenho mesmo umas coisas que preciso te contar.

– Então entre. Vamos sair para comer, e você me conta durante o almoço.

Lucy passou todo o caminho elogiando o novo emprego, os colegas, o trabalho que ela fazia, tudo, cada detalhe, fazendo Tip querer afundar no banco de couro do novo carro. Ela parecia tão entusiasmada, tão animada com sua nova vida, tão leve... Tão... Feliz. Até sua expressão estava mais radiante. Lucy estava trabalhando junto à assessoria da faculdade, fazendo tarefas administrativas. Falou bem dos colegas, do escritório e dos benefícios, tão bem que Tip não pode deixar de sorrir com cada comentário.

– Sabia que eles tem uma máquina de café expresso para os funcionários que faz oito variedades diferentes? - ela comentou. - Oito! Um dia, vou levar você lá para experimentar cada uma delas. Aqui, chegamos. Por que não desce e escolhe uma mesa enquanto eu estaciono o carro?

Tip assentiu, soltou o cinto e desceu do carro, olhando para a fachada do restaurante italiano. Entrou, escolheu uma mesa afastada da porta e ficou olhando para a toalha xadrez enquanto a mãe se sentou e pediu um cardápio para a garçonete.

– E então, querida. O que é que você queria me contar mesmo? - Lucy perguntou, apoiando o queixo na mão.

Tip inspirou fundo. Não podia fazer isso. Não podia estragar a felicidade recém conquistada dela, não tinha esse direito. Fazia tanto tempo que não a via assim...

– Eu só queria dizer que gostei muito da escola e que acho que vou me adaptar bem. - Tip mentiu.

Lucy pareceu radiante.

– De verdade, filha? Isso é ótimo! É uma oportunidade maravilhosa, no futuro você vai entender. Estudar nessa escola vai te abrir muitas portas. Conte mais sobre como foi o seu dia.

Tip contou, tomando o cuidado de omitir sobre o tratamento rude dos colegas da escola, focando em como eram as salas de aula e laboratórios modernos e o estranho sistema de chamada. Graças a Deus sua mãe não entrou em detalhes perguntando se fizera amigos ou se tivera alguma dificuldade com as matérias. Em meio à conversa, o almoço passou voando e Lucy a levou de volta, deixando-a na porta da Universidade de San Fransókyo.

– O carro já está lá dentro. - ela entregou o número da sala para Tip em um papelzinho dobrado - Basicamente eles vão apenas fazer algumas perguntas sobre o funcionamento, alguns testes que vão precisar da sua ajuda, já que foi você quem usou o carro a maior parte do tempo. Não se preocupe, não vai ser nada difícil ou constrangedor.

– Tudo bem, mãe. Obrigada por me trazer. - ela se inclinou e a beijou na bochecha. - Eu te amo.

– Eu também te amo, querida. - Lucy respondeu baixinho, enquanto esperava a filha subir a escadaria de San Fransókyo.

________

Tip identificou-se na recepção, onde uma atendente lhe deu um crachá com os dizeres "consultor visitante" e a orientou a procurar pelo senhor Hiro Hamada. Tip agradeceu e seguiu na direção indicada pela atendente, deslumbrando-se com o prédio da Universidade. Por fora era tudo espelhado, e por dentro, um edifício moderno e tecnológico. Estudantes iam e vinham, conversando sobre temas que ela nem podia imaginar. Estranhamente ninguém prestou muita atenção nela, apesar de sua pouca idade. Talvez a Universidade recebesse estudantes jovens e superdotados de vez em quando. Ela riu baixinho com o pensamento.

Depois de entrar em um corredor repleto de laboratórios, Tip virou a direita, procurando as identificações nas portas quando esbarrou-se em uma moça alta, loira e com óculos gigantes. A mulher derrubou uma prancheta no processo, espalhando folhas com diagramas e anotações.

– Desculpe. - Tip disse, enquanto a ajudava a pegar as folhas que haviam caído. Com o tratamento que recebera dos jovens estudantes de ciência na escola, Tip esperava algo bem pior daqueles cientistas da Universidade. No mínimo seriam todos arrogantes e pretensiosos. Mas ao contrário do que esperava, a mulher apenas sorriu.

– Sem problemas. - ao terminar de juntar as folhas, estendeu a mão para ela. - Pode me chamar de Honey Lemon.

Tip ergueu as sobrancelhas, surpresa. Por um segundo ficou apenas boquiaberta, depois pareceu se recuperar e estendeu a mão para ela.

– Tipolina Tucci. - ela se apresentou.

– Muito prazer. - Honey Lemon disse. Então colocou as folhas de volta na prancheta e pareceu notar algo estranho. - Ah, acho que isso é seu. Deve ter caído quando... Você sabe.

Tip pegou o papelzinho com o número da sala. Em seguida, um outro grupo de estudantes cruzou uma das portas. Honey Lemon acenou para eles.

– Pessoal, estou aqui.

– Por que demorou? - perguntou uma garota morena, baixa e com mechas coloridas no cabelo.

– Ah, tive um pequeno acidente. Pessoal, essa é Tipolina Tucci. Acabei esbarrando nela, e derrubei todo o meu projeto.

Tip sorriu para o grupo de recém chegados enquanto Honey Lemon os apresentava. Diferente do que pensava, não eram nem de longe arrogantes e pretensiosos. Apesar de serem estudantes e obviamente, cientistas, Tip os achou bem amigáveis e interessantes. Então se lembrou que precisava encontrar o senhor chamado Hiro Hamada e quase lamentou ter que se separar deles.

– Ah, eu estou meio perdida, é meu primeiro dia aqui. Estou procurando essa sala - Tip entregou o papel para Honey Lemon - Tenho que encontrar o senhor Hiro Hamada lá.

– Você é a garota do carro? - Fred perguntou.

– Do carro? Já ganhei um apelido? - Tip riu. - Então acho que sou sim.

– Quantos anos você tem, exatamente? - Wasabi perguntou.

– Catorze. Mas não sou uma cientista nem nada assim. Só estou aqui como consultora.

– Consultora... - Wasabi acrescentou, pensativo, enquanto o grupo se entreolhava, com um olhar pensativo e conspirador.

Se é que aquilo era possível, Honey Lemon sorriu mais radiante ainda.

– Bem... Essa sala não é muito longe. Você só tem que dobrar à esquerda e seguir o próximo corredor até o final. - ela aconselhou. - Ah... Talvez você não deva chamar Hiro Hamada de senhor. Ele não vai ficar muito a vontade com isso. - Honey Lemon acrescentou e por algum motivo todos riram.

– Nem um pouco a vontade mesmo. - confirmou Gogo.

– Mas tenho certeza que vocês vão se dar muito bem. - Honey Lemon disse, e pareceu um pouco desesperada ao completar. - E tenho certeza de que serão bons amigos. Vocês parecem ter muito em comum.

O grupo confirmou com acenos de cabeça e Tip se perguntou o que ela poderia ter em comum com um cientista renomado da Universidade de San Fransókyo.

– Vocês o conhecem? - ela perguntou.

– Trabalhamos em alguns projetos juntos. Somos amigos desde então. - Gogo explicou.

– Precisamos ir, pessoal. - Fred disse. - Temos que comprar os ingressos antes que o cinema fique lotado.

– Talvez não precisássemos se alguém tivesse comprado antes pela internet, não é? - Gogo alfinetou.

– Desculpe. Precisamos mesmo ir. - Honey Lemon disse. - Mas se precisar de alguma coisa, normalmente pode nos encontrar no laboratório E-29. Mas acho que Hiro pode te explicar tudo o que você precisar saber.

– Tudo bem. Obrigada, por tudo. E tenham um bom filme. - Tip sorriu e seguiu a direção que Honey Lemon indicou, pensou ter ouvido Fred gritando "Fúria Assassina 3!" mas não teve bem certeza. De qualquer maneira, não acreditou muito. Cientistas de uma Universidade tão renomada jamais assistiriam a um filme assim tão idiota.

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Assim que viram Tip dobrar o corredor, todos no grupo se entreolharam em silêncio.

– Vocês estão pensando a mesma coisa que eu estou pensando? - Honey Lemon perguntou.

– Sim! - Gogo confirmou.

– Ela é perfeita! - Disse Wasabi.