NeoSquad

A Proposta


Aquela casa com certeza traria boas lembranças a Aegis. Uma casa velha e abandonada, onde caçadores de recompensas se abrigavam e, juntos, buscavam enriquecer através de tesouros dados por cumprir certas tarefas. Os mais fortes preferiam as missões de recompensa por cabeça, enquanto os mais novos ou fracos simplesmente faziam escoltas e segurança de alguma pessoa não tão importante, ou se dedicavam a trazer e levar materiais proibidos ou de difícil acesso, planos de outras empresas, protótipos de androides e até informação do paradeiro de alguém ou de algum item valioso. Não havia quem recusasse uma missão que pagasse bem. Aquele definitivamente era seu lugar, mas já era hora de sair.

Quase que instantaneamente a angústia dominou seu coração. Terras que havia deixado para trás, tempos que havia largado pela frente. Não era fácil a vida de um andarilho temporal, ainda mais sem mestre ou parceiro, sem ninguém que pudesse lhe servir de guia ou conselheiro, mas ele cumpria sua função muito bem, fosse ela qual fosse. Aquele dom lhe fora dado por algum motivo e ele sabia disso, apesar de nunca ter ficado face a face com o ser que o presenteou.

Há anos sua memória o havia traído e ele já não se lembrava mais de qual tempo ele pertencia, agora começava a suspeitar que nunca pertenceu a tempo nenhum. Sua casa era a sala de muitas portas, a dimensão intermediária que liga tudo e todos, onde a entrada e a saída são uma só e o tempo e o espaço são infinitos e nulos. Era difícil viver em um local tão contraditório e mesmo assim funcional, por isso ele frequentemente viajava para tempos e locais diferentes, seja em Arton, seu preferido, cheio de magia e intrigas, Arcádia, onde os elfos e os goblinóides haviam devastado tudo em sua intensa guerra que acabou se tornando um conflito mundial da utopia contra a liberdade, Hulery, uma terra pequena e pacata que tinha ar de infância, apesar dele não ter mais nenhuma memória dos tempos em que era menino, Athezor, um lugar desolado e imerso em guerra há dez mil anos, onde raças diferentes se dividiram em dois hemisférios e combatem uns aos outros, enquanto terceiras ameaças aparecem para tentar impor uma tirania que ninguém seria capaz de aceitar.

Ir para essas terras e ocupar sua mente com coisas mundanas era o que ainda o salvava da loucura. Quando não queria ocupar sua mente com nada mais do que o vazio, ele ia para o único lugar onde nada fazia sentido e ninguém parecia se importar com isso. Um lugar onde ele poderia ser ignorante sem que isso o prejudicasse, afinal ignorância era o que mais existia por lá. Além disso, havia uma incrível variedade de povos e culturas que entraram em contato e subjugaram ou absorveram umas às outras. Muitas dessas culturas caçoavam de outras sem perceber o erro que cometiam. Aegis nunca deixava de rir ao lembrar que naquela terra, há muito tempo, existiu um povo que mumificava seus mortos, por acreditar que iriam voltar à vida algum dia, e que o corpo precisava ser preservado para quando isso acontecesse e, apesar dos povos que atualmente dominam aquelas terras respeitarem esse povo por aprender técnicas tão avançadas sem possuir muita tecnologia, caçoavam do pensamento de que os mortos voltam à vida, mas não percebem que estão há cerca de dois mil anos esperando um antigo herói voltar. Seja lá o que aquele tal de Jesus tenha feito, Aegis pensava que devia algo realmente grandioso, para que tantas pessoas ainda o respeitassem, depois de tanto tempo.

Um sorriso apareceu nos lábios do viajante. Quando percebeu isso, achou graça da própria reação de libertou uma gargalhada gutural.

– Apesar de tanta diversão nessas áreas, algo me diz que é hora de voltar para casa, mais uma vez.

Casa.

A palavra ainda parecia estranha, mesmo depois de tanto tempo. Quantos anos eram mesmo? Impossível dizer.

Aegis fechou os olhos. Com as pálpebras cerradas e a mente aberta, uma imagem preencheu sua mente. Em um fundo negro, três círculos brancos surgiram e foram, gradativamente, mudando, cada um de sua forma. Um deles manteve-se branco assim como quando tinha nascido, mas piscava de forma que ora estava lá, ora não estava, mas sempre regressava. Outro transformou-se quase imediatamente em cinza e foi enegrecendo cada vez mais, até que quando estava prestes a se confundir com o fundo negro, tornou-se vermelho escarlate e, dentro do círculo, podia-se ver uma rachadura que crescia lentamente. Aegis observou com dor algumas lascas do círculo se quebrando e placas de metal preenchendo os buracos. A última delas consumiu-se em chamas vermelhas e explosivas, mas logo foi perdendo sua intensidade e se tornando cada vez mais branda, até que a luz de suas chamas se tornou dourada e escamas surgiram sobre algumas partes espalhadas do círculo.

Ele já estava quase abrindo os olhos novamente, quando um estrondo de trovoada ressoou através de seus ouvidos, fazendo-o entrar em estado de alerta. O fundo negro foi forçado em alguma direção difícil de distinguir, mas parecia estar perto de se romper, como um tecido quando está prestes a se rasgar. Foi exatamente o que aconteceu. Uma abertura no tecido negro revelou um brilho amarelo muito forte e, por meio segundo, Aegis pôde sentir na pele a estática que aquele círculo carregava.

– Não. Ainda tenho assuntos para resolver por aqui – decidiu o viajante –, Ficarei para ouvir o que ele tem a me dizer.

****

Uma nuvem de fumaça preencheu a sala onde eles estavam, como se algo tivesse acabado de ser despressurizado, e, por fim, a porta se abriu.

Do outro lado, ruínas e ruídos. Nos corredores de um imenso coliseu que poderia servir de sítio arqueológico, mesas enormes estavam espalhadas, com pessoas dos mais diferentes estilos e tipos, até mesmo para aquele mundo de tendências cada vez mais bizarras. Eram como a casa dos caçadores de recompensas onde o grupo havia encontrado Leônidas, só que maior e um pouco mais exótica. Brutamontes gigantes e magricelas que mais pareciam zumbis sentavam-se uns dos lados dos outros e celebravam aquele momento. Algo importante estava acontecendo, mas eles não faziam ideia do que poderia ser.

Antes que pudessem fazer qualquer coisa, uma enorme porta se moveu. No extremo oposto daquela sala e cercado de quinze guardas tão bizarros e variados quanto os celebrantes, uma figura imponente e gigantesca surgiu. Ele era humano, apesar de não parecer muito. Ter quase dois metros e meio de altura e quase dois de largura definitivamente não era o padrão de tamanho humano, mas depois do Açougueiro e do resto da galera, nenhum deles duvidava mais de nada.

VEM MONSTRO!

De dentro de sua bermuda larga que projetavam pernas que mais pareciam gravetos brancos e peludos e de sua camiseta tão aberta que melhor seria não vesti-la, a voz do homem saiu tão imponente quanto ele. Não restava dúvidas de que ele era o líder daquele grupo.

– IRMÃOS SOMBRIOS! – começou ele – Hoje celebraremos mais um dos adorados torneios de combate da Irmandade Sombria! Todos que se considerarem homens devem lutar! Não deverão ter pena das mulheres que decidirem participar, afinal, elas sabem bem o que querem quando se inscrevem. Comam bem, pois essa pode ser a última refeição de vocês... Mas aquele que ganhar, será premiado com todas as mulheres da Irmandade! É sério, elas adoram caras que dão porrada.... Estará permitido todo tipo de arma. Lembrem-se do lema da Irmandade, NÃO PRECISAMOS DE SORTE, PRECISAMOS DE ARMAS!

Dito isso, aquele monstro em forma humana e sua trupe de cães de guarda voltaram para trás das imensas portas que dividiam os líderes dos liderados.

– Um torneio? – disse Leo – podemos participar?

– Claro que não! – Sobressaltou-se Zero – estamos aqui para matar alguém.... Resta saber quem é.

– Na verdade, era o Turak que eu deveria matar – rebateu Leo –, mas já que estamos aqui, vamos aproveitar que descobrimos o paradeiro de uma organização procurada pelo governo e tentar descobrir algumas informações! Isso deve me dar um dinheiro absurdo!

– Mas – Addam começou a falar, mas logo foi interrompido.

– Nem adianta, cara. Sai pra lá! Eu disse que o dinheiro seria todo meu e vocês concordaram!

– Não é isso que ele quer dizer – Alec assumiu o comando –. Olhe em volta. Podemos morrer aqui.... Não temos chance contra tantos assassinos experientes.

No meio da discussão, um alarme soou e todos se levantaram de seus lugares e largaram suas comidas. Puseram-se a marchar em direção a um corredor lateral que dava acesso à arena.

No meio da movimentação da multidão, uma figura humana, encapuzada passou por trás do grupo e disse alto o suficiente para apenas os aventureiros ouvirem:

– Sei o que procuram. Nesse momento, nossos verdadeiros líderes estão se reunindo na biblioteca do Coliseu – disse e apontou para uma porta oposta ao corredor para onde toda a multidão havia ido –. Se quiserem informações, é lá que acharão – e saiu andando, seguindo a multidão.

Os aventureiros se entreolharam.

– Acreditaremos nesse cara? – Perguntou Addam.

– Porque não? – Alec falou.

Leo já estava caminhando na direção da porta, quando um machado de arremesso cortou o ar, perto de seu focinho. A quinze metros de distância, um homem baixo e branquelo, vestindo roupas coloridas que alternavam entre verde e laranja, ambos fluorescentes, usava quatro machados de arremesso como malabares. Leo não sabia como os braços fracos daquele homem conseguiam trabalhar tão bem, mas lembrou-se de que a força pode ser facilmente substituída pela habilidade, apesar de não ser muito honroso para ele.

– Não vai querer cruzar essa porta – disse o homem –. Lá dentro tem pessoas importantes conversando. Eu e mais duas garotas.

– Como você está lá dentro e aqui fora, espertinho? – Perguntou Leo.

– Quer descobrir? Entre.

Foi o que ele fez, mas certificou-se de fechar a porta quando passou com seus companheiros e pediu para Alec ficar de guarda, para o caso daquele homem tentar entrar.

Outro alarme soou, provavelmente indicando que o torneio havia começado. Logo após ele, ruídos de pancadas e gritos de guerra, confirmando a suspeita.

Internamente, a sala era uma imensa biblioteca, mas aquela não hospedava livros. Aquela era uma biblioteca de hardwares. Mais especificamente, memórias de computador em tamanho nano, separadas em células que as protegiam de poeira ou qualquer outra coisa que poderia atrapalhar a comunicação daquele circuito que quase não parecia existir, de tão pequeno. No centro da sala, três poltronas colocadas de frente umas para as outras e uma mesa de vidro negro redondo, no centro. Os três lugares estavam ocupados por pessoas que estavam em assembleia, mas todas se viraram para ver quem lhes perturbava o debate. Duas garotas e um homem. Uma das mulheres era mais velha, aparentando ter seus quarenta anos. Seus cabelos brancos como neve denunciavam que ela tinha muito mais do que isso...

Jamais duvide de cirurgias plásticas.

.... Carregava com ela um casaco de malha com tantos bolsos que causaria inveja em muitos paraquedistas. A calça não ficava muito atrás. Aquela mulher praticamente vestia bolsos e todos eles estavam ocupados por celulares, tablets, pen drives e etc. A segunda das mulheres tinha o cabelo roxo vibrante, como muitas outras garotas de Arton...

Nenhuma marca de coloração para cabelo me patrocina

.... Além disso, vestia couro sintético em todas as peças que conseguia. Calças de couro sem bolço, botas de couro de cano longo e salto extremamente alto e fino, acompanhado por um espartilho de couro, amarrado com um fio de metal.

O que diabos eu criei?

Junto delas estava o malabarista, sorrindo como se dissesse “eu avisei”.

– Alec, você deixou alguém passar? – Gritou Leo, sem tirar os olhos daquele sorriso maldito.

– Não que eu tenha visto – Alec gritou em resposta.

– Pode vir para cá, garoto – gritou o malabarista –. Já passei por você.

A mulher dos cabelos roxos interveio.

– Brincando com seus amigos na hora da reunião, Hynnin?

– Não dá nem para brincar com essa sua raça, Valkaria. A percepção deles geralmente é pior do que a de Tannah-Toh, quando não se trata de conhecimento.

A outra mulher levantou os olhos do e-book que lia.

– Vá se foder, seu palhaço de merda. Você que pediu nossa ajuda.

Zero não podia acreditar. Ele e os outros estavam diante de três antigas divindades de Arton. Eis uma história da qual poderia se gabar para seus filhos e netos, se viesse a ter algum. Por algum tempo, nem pareceu escutar o barulho ensurdecedor do combate que ainda se estendia na arena de torneios.

– Vamos, diga logo o que tem a dizer para esses doentes – disse Hynnin.

– Tudo bem – Valkaria começou –. Pedi para esse palhaço chamar vocês aqui porque eu queria fazer um pedido a todos vocês. Já faz tempo que eu e Tannah-Toh estamos colhendo informações, através da minha rede de hotéis, e tentando descobrir o próximo passo de todas as outras facções de Arton, incluindo o Governo. Não queremos assumir o comando, mas também não queremos dar esse cargo para pessoas que não enxergam nada além do próprio nariz, como os retardados Revolucionários. Muito menos concordamos com os Anarq. Sem governo, não há como Arton prosperar. Será um caos eterno e Sszzaas adoraria isso, aquele maldito.

– Afinal de contas, o que você quer, mulher? – Zero foi direto ao ponto.

– Ajuda – ela respondeu –. Precisamos de ajuda. Juntem-se à Irmandade Sombria e nos ajude a matar aqueles que com certeza vão nos levar à morte, se não fizermos nada.