Nascido Do Sangue

Uma Verdade Revelada


Lá estava Benjamin de costas para o garoto, segurando forçosamente a outra prostituta, apertando o corpo dela contra o seu com um braço enquanto o outro prendia o pescoço desnudo dela próximo a seus lábios. Damian encarou os olhos da mulher, estavam abertos fitando algo que não podia ver, assim como sua boca, estava pálida e entreaberta, notava-se que sua feminina carcaça estava leve como a de uma boneca.

O sujeito parou o que estava fazendo erguendo a cabeça elegantemente, ao espiar por detrás do ombro do lorde, vira duas marcas profundas no pescoço da moça por onde uma grande quantidade de sangue escorria até manchar seu vestido amarelo claro.

Friamente, Grigore soltou a mulher, que caiu pesadamente ao chão, não necessitava de muita observação para constar que estava morta, porém o sangue ainda escorria da ferida em sua jugular. Voltou seu olhar para o homem em sua frente, percebia pela inclinação de sua cabeça que ele nem ao menos olhava para o cadáver aos seus pés, como se a meretriz não passasse de um enfeite tolo que não valia a pena admirar.

Petrescu soltou um gemido e rapidamente tapou a boca com uma das mãos para que o som não se tornasse um grito, estava horrorizado, porém não parava de olhar para o corpo caído sobre o tapete da sala, os olhos dela ainda estavam abertos e agora fitando o semblante atemorizado do adolescente. Sua respiração acelerou-se enquanto o rapaz a sua frente parecia brando como uma estátua.

___ Não queria que me visse assim... Pelo menos não por enquanto ___ a voz de Benjamin era amena e sombria, grave e inalterada como se viesse acompanhada de uma fúnebre melodia tocada em um piano.

___ Oh, meu Deus... Ela está... Não! Oh não, oh meu Deus, não! O... O que você fez? ___ balbuciava o garoto aflito e abismado.

O jovem estava muito nervoso para encarar o amigo, deixava os olhos fechados ou apenas os direcionava para outro canto da sala mergulhada em penumbra. Não pôde ver o outro enxugar sutilmente os lábios com um delicado lenço de seda dobrando e novamente guardando-o em um dos bolsos de seu paletó.

___ Sinto muito, meu de tineri.

___ Sente muito?___ repetiu o menino perplexo com a curta fala do outro diante daquela cena ___ Apenas isso?

___ O que mais quer? Que eu lamente?! Por que faria isso?

___ Oh meu Deus, o que foi que você fez? Ela... Não!

A voz do moço saía dificultosa, não sabia ao certo se queria chorar, gritar, fugir para bem longe ou fingir que nada vira, mas não podia simplesmente ficar parado em silêncio.

___ Ela era só uma prostituta...

___ Como pode falar assim?___ a cada minuto ficava ainda mais impressionado com a frieza do amigo.

Damian caminhou até uma poltrona e lá desfaleceu-se horrorizado, procurava não olhar para o cadáver sobre o tapete persa que o falecido senhor Voiculescu encomendara há muitos anos, contudo era impossível, os olhos sem luz dela pareciam clamar por atenção.

___ Por que fez isso? Por que a matou?

Uma lágrima rolou de cada um de seus grandes olhos azuis, tão semelhantes a um mar furioso que agora transbordava.

___ Ela não foi a primeira e não será a última.

___ Como assim?

Num rápido movimento que Petrescu mal pôde perceber, Grigore estava a sua frente encarando seus olhos, ambos tão semelhantes, como se olhasse para seu próprio reflexo num espelho, porém suas expressões eram diferentes. Olhos soturnamente passivos encontrando olhos ternamente assustados.

___ Você não é nenhum tolo, Damian... Sabe o por quê. Sabe por quê só lhe visito à noite, sabe por quê não me alimento diante de ti, sabe por quê sou como um fantasma vagueando à luz do luar... Você sabe...

Mais lágrimas reluziam em seu rosto encanecido, se não estivesse sentado provavelmente estaria agora caído ao chão, a força esvaiu-se por seus poros e sua cabeça pesava, como das vezes em que tinha aquelas nefandas tonturas seguidas de enxaqueca... E apenas uma coisa o curava.

Ben estava tão próximo de seu corpo, as mãos apoiadas nos braços da poltrona, poderia tocar sua boca se assim desejasse, todavia algo assustou o adolescente, estar assim tão perto daquele sujeito, o fez pela primeira vez constar de que não sentia a respiração quente em sua pele fria, parou para pensar durante alguns segundos... Será que realmente havia ar dentro daqueles pulmões?

___ Você sabe, Damian...

O ferreiro procurava manter a calma, não deixar que sua respiração tornasse-se esbaforida, porém sentia arrepios gelados percorrem-lhe o corpo enrijecido e encolhido na poltrona, o lorde tão elegante nunca tivera um ar tão assustador quanto naquele instante. E então ele sorriu, um sorriso tão horrendo e perturbador que fizera o garoto sentir-se como uma criança amedrontada.

___ Está com medo... Está morrendo de medo! Mas você sabe... Eu sei, eu posso ver, posso sentir...

___ Não... ___ a voz do jovem era trêmula e baixa, quase um sussurro.

___ Sim!___ afirmou Grigore, quase que com o mesmo tom de voz do outro acompanhado de um brilho peculiar em seus olhos.

O rapaz via no fundo do olhar do ferreiro, a resposta vinha-lhe à ponta da língua, porém o medo não a deixava sair, mas ela viera, finalmente viera e era absolutamente certa.

___ Oh, meu Deus.... ___ suspirou Petrescu ao mesmo tempo em engolia em seco ___ Não...

Benjamin distanciou-se e deu alguns passos tranquilos pelo amplo perímetro do cômodo, como se fosse uma tarde tediosa de verão e não houvesse nada a fazer para entreter-se. Soltou a sua familiar e sarcástica gargalhada, esta era tão animada e ansiosa quanto todas as outras, estava mais do que óbvio que sentia-se satisfeito.

___ Oh, meu caro, por que está tão surpreso? Pelo que me consta, sempre admirou histórias de vampiros... ___ falou voltando os olhos à figura acanhada do outro encolhido na poltrona aveludada.

___ Não pode ser real... ___ novamente a frase saíra por um fio de voz, sendo inaudível para qualquer um que estivesse por perto, porém não para Grigore.

___ Sim, pode ser ___ respondeu sussurrante ___ Damian...

O estranho aproximou-se mais uma vez e inesperadamente, Damian saltou da poltrona distanciando-se do outro e do cadáver estirado sobre o tapete.

___ Não se aproxime de mim.

___ Como é?

___ Não pode estar falando a verdade... Está mentindo!

___ Já notou o cadáver no canto da sala, meu amigo?

Petrescu não queria, mas encarou a prostituta morta com os olhos bem abertos e de novo, um arrepio frio eriçando seus pelos deixando em pé até seus negros fios de cabelo passou por seu corpo. Descuidou-se por um instante observando a mulher que quando notou, o sujeito estava a cinco passos de distância, recuou, contudo era inútil, pois atrás de si havia uma parede.

___ Eu nunca mentiria para você, meu de tineri, eu nunca... Faria nada que lhe magoasse ou lhe ferisse.

___ E por que não? O que quer de mim?

___ Sua confiança... O que deixou-me contente ao saber que há muito tempo a conquistei.

___ O que mais você quer?

___ O que mais poderia querer?

___ Somente você pode me responder.

Alguns segundos em silêncio, encarando o semblante atemorizado daquele menino, Grigore dera mais dois passos em direção a ele respondendo baixinho:

___ Você.

O moço arregalou os olhos espantados.

___ Eu?

___ Exato.

___ O que quer de mim? Meu sangue, minha alma, minha companhia?

___ Um pouco de tudo ___ respondeu o outro sorrindo.

___ Por quê?

Mais alguns passos à frente e novamente seus rostos estavam próximos, Ben percorreu a lúrida e frígida tez do jovem com uma das mãos, Damian tremia como se estivesse entregue à uma madrugada do mais rigoroso inverno, sem nada ou alguém que o aquecesse... Apenas o frio e a escuridão.

Ele sentia o toque tenebroso dos níveos dedos do rapaz em sua face, porém não fugiu e não disse nada, estava tão hirto e com medo, qualquer coisa que tentasse, sabia que seria inútil.

___ És tão lindo, băiatul meu, como um reflexo resplandecente, olho para você e vejo apenas a mim mesmo, poucos anos mais jovem, um assustado e cândido garoto que de nada sabia do mundo... Muito menos dos pavores e prazeres que podem lhe proporcionar. É isto que lhe torna tão belo, sua ingenuidade infantil, teus traços sensuais e teu ar tão confuso e melancólico, como uma alma perdida que vaga à procura de seu corpo. Você é único, meu caro, é sublime, é excepcionalmente perfeito.

___ Onde quer chegar com tudo isso?

___ Como um reflexo... Eu me vejo em seus olhos e sei que vê a si mesmo quando fita os meus. Você e eu... Somos um só, draga mea.

___ Eu não entendo.

___ Ora, é claro que entende, porém está um pouco confuso apenas. Temos uma só alma... Um só corpo... Um só coração que bate somente quando tiramos uma vida alheia.

___ Eu não sou como você!

___ Tem absoluta certeza disto?

___ Vá embora! Deixe-me em paz!___ falou o adolescente distanciando-se do donaire lorde.

___ Sabe que não farei isso, sabe que ficarei ao teu lado para sempre.

___ Por que eu? O que há em mim que não pode encontrar em outro alguém?

___ Somente você pode obter as respostas, elas estão dentro de sua alma, basta saber onde procurar.

___ Eu não entendo... Eu não sei do que está falando.

___ Não seja um tolo, Damian!___vociferou o pálido sujeito derrubando um abajur fazendo com que os cacos se espalhassem pelo chão.

Benjamin andou tranquilamente para perto do garoto e segurou com ambas as mãos o pequeno rosto dele, olhando fixamente em seus olhos.

___ Eu sou como você... Você é como eu... Somos um, meu de tineri, apenas um!___ soltou um riso nervoso, porém terno ___ Fico tão abismado em como se parece com sua mãe... A doçura e a ingenuidade, os cabelos negros, mas... É estranho... Não se parece em nada com o pobre e velho Ionel!

Naquele instante, Damian estava em pé, porém parecia que suas pernas haviam sumido e nada mais o sustentava, um tremor correu por seu corpo enfraquecendo-o por completo, o toque das mãos frias de Grigore fora ainda mais doloroso, sentia os batimentos sufocados de seu coração bombeando o medo por suas veias fazendo com que as palavras morressem em seus encanecidos lábios.