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Quando a luz da manhã tocara seus olhos, o rapaz rapidamente cobrira o rosto, esfregou-os e somente assim pôde olhar para a janela cujas cortinas estavam bem abertas permitindo que os raios de sol adentrassem aquele quarto escuro. Vira que a viúva ainda dormia com a cabeça em seu braço, suavemente livrou-se e pôde sentar-se à beira da cama.

Permaneceu imóvel e pensativo durante alguns minutos como se tentasse recordar de cada detalhe que acontecera no dia anterior e por mais que todas as imagens estivessem fervilhando em sua mente, nenhum sentimento fora demonstrado e ao fitar o rosto brando daquela mulher, o ferreiro não se arrependeu de nada do que fizera.

Levantou-se e começou a recolher suas roupas espalhadas pelo chão, vestiu-as vagarosamente, não temia que a dama acordasse e perguntasse se já estava partindo, era uma mulher da vida que não se importava se abrisse os olhos ao amanhecer e não encontrasse alguém ao seu lado.

Saiu do quarto levando o fraque estendido em seu braço, as luvas e a máscara seguras entre seus dedos, ao descer as escadas deparou-se com uma empregada espanando um vaso dourado e cheio de detalhes coloridos, constatou que poderia ser uma peça altamente valiosa, porém não muito se importou, nem mesmo a criada relevara a presença daquele jovem, devia estar tão acostumada com estranhos circulando pela mansão que o garoto não passava de um ornamento junto a tantos outros.

___ Pode dizer à senhorita Voiculescu que precisei partir?___ pediu ele com uma voz tímida.

A mulher apenas balançara a cabeça positivamente.

___ Mersi.

Após dizer isso, dirigiu-se vagarosamente até a porta e saiu fechando-a com cuidado e silêncio.

Foi para a casa andando, à beira de uma pequena estrada de terra onde passavam homens montados em cavalos ou sentados em humildes carroças de madeira, era um lugar tranquilo e silencioso, um cenário perfeito para novamente sua imaginação despertar e ficar perdido em pensamentos.

O momento era propício, nem um som se ouvia ao seu redor, nem mesmo o canto dos pássaros, se é que havia algum por entre as poucas árvores que escondiam a luz do sol, começou a se lembrar da madrugada incômoda que tivera e recordou-se de que teve um pesadelo... Sonhou estar fazendo amor com a viúva Voiculescu e num determinado instante, ela lhe mostrara uma adaga de prata, a mesma que lhe assombrava quase todas as noites ao cerrar seus olhos, o gume lucilante e afiado e o solitário rubi embelezando a arma branca, delicadamente a jovem faz um profundo corte em seu pulso e deixa algumas gotas de seu sangue caírem sobre os lábios escarlates do rapaz.

Damian se lembrava, como se estivesse vivendo aquilo, ele se lembrava do gosto que tinha o sangue, era mais doce e vicioso quanto vinho, um gole e não mais poderia parar, com suas duas mãos, segurou firme o pulso dela perto de sua boca, só sabia sugar e não queria parar, não até que a última gota fosse absorvida. Seus olhos estavam fechados concentrando-se no sabor, ouviu gemidos e gritos emitidos por ela, ambos se misturavam, não sabia ao certo se estava gostando ou lamentando, o que sabia era que aquele líquido rubro era irresistível, sentiu-se até mais forte, mais vivo, como se finalmente a vida corresse por suas veias secas...

Algo fez o moço voltar a si, ouviu a voz de um homem gritando, percebeu que vinha de trás dele, quando se virou, viu uma carruagem com dois cavalos aproximando-se rapidamente e o cocheiro gritando para que saísse do meio da estrada. Se não atirasse seu corpo sobre a grama, provavelmente seria pisoteado.

Demorou alguns instantes para entender o que acabara de lhe ocorrer, se não fosse aquele momento ainda estaria trancado em uma espécie de transe hipnótico, seu coração estava acelerado, deitou a cabeça sobre a relva e com os olhos cerrados, ali permaneceu.