Damian chegou à mansão Voiculescu por volta das oito da manhã, entrou pela porta dos fundos, não queria ser visto, porém era impossível com os empregados todos acordados designando as tarefas domésticas, eles o cumprimentaram educadamente, mas o adolescente nada disse a nenhum deles, estava com uma forte enxaqueca e morrendo de sono.

Subiu até o quarto de Andreea, que agora pertencia a ele também, abriu lentamente a porta e deparou-se com sua silhueta adormecida, todo o seu belo corpo enrolado entre lençóis de linho escarlate, sua cabeça apontada para a janela coberta por pesadas cortinas, assim era melhor, a terrível luz matutina não iria incomodá-lo, tentou fazer silêncio ao despir-se e se deitar para não acordá-la, fechou os olhos e tentou dormir, não somente isto, queria esquecer parcialmente a noite anterior e o início daquela terrível manhã.

Algumas horas de sono inquieto transcorreram-se, novamente as imagens dançando em seu subconsciente, a cada sonho elas surgiam de maneiras diferentes, em sequências distintas, porém eram sempre as mesmas, a adaga, os rubis, o sangue, os reluzentes e misteriosos olhos azuis, tudo acompanhado por um grito feminino de pavor cruzando a noite, uma noite tão escura e soturna como nenhuma outra e sempre despertava depois daquele berro assustador.

Olhou para o lado esquerdo da cama e notou que a viúva já havia levantado-se, vestiu um roupão, lavou o rosto e as mãos numa tigela de lívida porcelana e olhou-se no espelho da majestosa penteadeira que a dama possuía em seus aposentos, por um instante não conseguiu se reconhecer e parecia espantado ao chegar a esta conclusão.

Buscou alguma faísca de alguma antiga chama brilhando dentro daqueles olhos tão azuis quanto um solene oceano, mas tudo que obtivera fora um vazio amargo e frio, um vazio escuro que abraçava e sufocava até seus mais doces sonhos, suas mais fortes lembranças, sendo elas antigas ou recentes, logo esfriavam e morriam não restando nem ao menos as cinzas ou uma tênue nuvem de fumaça fugindo e se misturando com o vento.

Aquilo fez seu coração comprimir-se numa profunda agonia e angústia, onde estava si próprio? Onde estava o jovem e sonhador ferreiro? Onde estava Damian Petrescu? Havia morrido com o brilho que habitava seu peito? Havia tornado-se agora Damian Voiculescu? Ou o quê?...

Passado-se alguns minutos de indagações internas, o rapaz desistira de achar as respostas e desceu até a sala de jantar para comer alguma coisa, estava faminto e sua cabeça ainda latejava como se tivesse tido golpeado inúmeras vezes, encontrou Andreea sentada tomando uma xícara de chá, sentou-se ao seu lado com uma expressão um pouco indisposta. Após alguns minutos de silêncio, a mulher iniciou um diálogo com o amante:

___ Não vi você chegar.

___ Não queria acordá-la.

___ Onde passou a noite?

___ Na casa de meu pai, senti saudades, quis vê-lo.

___ Soube do assassinato?

___ É claro.

___ Fiquei preocupada que pudesse ter-lhe acontecido algo.

___ Mas não aconteceu.

___ Mas podia!

Os empregados estavam servindo-os e quando se retiraram, a donzela começou novamente a falar:

___ Conhecia a garota?

___ Não muito para lamentar sua morte.

___ Mas... Certamente conhecia a jovem que levou para o arvoredo escuro durante as danças e a cantoria.

O ferreiro apenas a encarou sem saber o que dizer, mas a senhorita retrucou com uma voz branda:

___ Não, não me deve explicações, disse que seria livre contanto que me satisfizesse quando bem entendesse.

Damian levou um pedaço de pão à boca tomando um gole de café.

___ Recebi um telegrama hoje de manhã ___ comentou a dama não deixando que o silêncio se apossasse do ambiente ____, um convite do Conde de Bucareste para um baile no final da semana, fica apenas há algumas horas daqui.

O jovem acabou de mastigar e então assentiu com a cabeça dizendo também:

___ Por mim está ótimo.

___ Teremos a semana de ocupações.

___ Como quiser ___ sua voz fora automática.

Andreea percebia que as respostas do moço eram vagas, simplesmente as emitia como se sua boca tivesse vontade própria, então indagou:

___ O que há de errado, Damian?

___ Não há nada errado.

___ Está como na noite passada.

___ Rău.

___ Draga mea, eu já lhe disse que...

___ Andreea, acredite em mim, não estou infeliz ao seu lado, eu apenas estou cansado de ontem, só lhe peço que tenha paciência, tudo ainda é novo para mim ___ falou ele segurando carinhosamente a mão dela entre seus dedos alvos.

A mulher sorri.

___ Tudo bem, querido.

O adolescente também sorri tentando passar confiança e conforto para a dama, que sabia que o amava muito.