Levantou-se em um pulo da cama descendo até a cozinha, onde os criados desviaram o olhar ao notarem-no, não se passara nem ao menos uma hora do acesso raivoso do ferreiro, estariam com medo por acaso? Exceto o mordomo, o encarou com a face fria e inexpressiva, como em toda e qualquer ocasião.

___ Deseja alguma coisa, senhor Petrescu?___ perguntou sombriamente.

___ Onde está Grigore? Não me diga que saiu assim que o sol nasceu por conta de um compromisso?!___ o moço insinuou ser esta a resposta.

___ Ele está dormindo no quarto de hóspedes.

Os olhos azuis de Damian arregalaram-se, não esperava por isso.

___ O senhor Grigore decidiu ficar porque pensou que o senhor poderia precisar de companhia neste período difícil que está enfrentando ___ concluiu o mordomo.

___ Ele disse isso?

___ Cada precisa sílaba, meu senhor.

___ Vou falar com ele.

Saiu em disparada da cozinha subindo novamente os longos degraus até chegar ao segundo andar da mansão, num amplo corredor com cinco quartos, a suíte principal onde dormia com a viúva e quatro quartos de hóspedes.

Olhou para as portas fechadas como se tentasse ver através delas em qual dos aposentos o misterioso lorde estaria. Aproximou-se de uma, deteve-se por um momento como se procurasse coragem para fazer aquilo.

Apertou a maçaneta contra a palma de sua mão e subitamente abrira a porta deparando-se com um quarto amplo e vazio, onde a claridade o banhava intensamente. Espremeu os olhos diante da forte luz, detestava quando seus olhos iam de encontro a ela, era doloroso, acreditava que desde garoto tinha uma certa sensibilidade à luz solar, não somente ao fitá-la, mas também quando se expunha a ela por muito tempo, sua pele queimava e ficava vermelha. Pois bem, constatou que o amigo não estava ali.

Fechou a porta daquele dormitório e dirigiu-se tranquilamente para o outro, que ficava bem ao lado. Novamente o encarou de forma que quisesse ver através da madeira da porta, queria saber o que estaria se passando, Benjamin podia estar dormindo, podia estar andando de um lado para o outro, lendo algum livro, olhando para o nada através da janela aberta perdido em pensamentos, seja lá o que fosse, detestaria incomodá-lo. Todavia, o que mais o lancinava era os acontecimentos da noite anterior, precisava conversar com o sujeito sobre tudo, mas tinha medo, medo de quê?

Umedeceu os lábios com a língua, entrelaçou a maçaneta dourada com seus lívidos dedos, inclinou a cabeça fechando os olhos por alguns instantes, estaria novamente tentando criar coragem? Soltou um forte suspiro que parecia vir do mais íntimo de seu ser e então impulsionando-se para frente fez com que a porta rangesse alto ao se abrir.

Para seu desapontamento notara apenas uma cama vazia, porém uma voz que vinha à sua esquerda o assustara.

___ Como vai, Damian?

O quarto estava extremamente escuro, apenas iluminado pela fraca chama da vela de um lustre, o garoto direcionou seus olhos para onde a voz viera e avistou Grigore sentado num elegante divã revestido de veludo negro, pelo menos parecia negro à meia luz. Estava inclinado para frente, o cotovelo direito apoiado no joelho, a mão alva segurando o queixo fino e pontudo, levemente arredondado, parecia pensativo e extremamente calmo, como sempre.

___ Por acaso estou incomodando?___ inquiriu o menino envergonhado ao invadir os aposentos daquela maneira.

___ Sua presença nunca seria um incômodo para mim.

Petrescu apenas sorriu, julgava incomum o modo como referia-se a ele, tão lisonjeiro e direto, entretanto sempre adorava receber elogios de um alguém como Ben.

___ O que deseja, meu amigo?

___ Ah... ___ o jovem tentou encontrar uma resposta para aquela pergunta tão simples ___ Eu apenas queria saber se estava bem.

___ E precisava invadir bruscamente meus aposentos apenas para isso?

A voz do elegante estranho era provocante e zombeteira, o ferreiro parecia nunca saber quando o amigo falava sério ou quando apenas brincava com sua mente fazendo-o responder e confessar coisas embaraçosas.

___ Îmi pare rău . Não quis parecer rude.

Grigore riu, um riso longo e descontraído, como se cada detalhe mínimo do envergonhado menino à sua frente fosse uma deliciosa piada. Petrescu sentiu-se incomodado com a gargalhada e perguntou demasiado enrubescido, porém não se podia notar por conta da penumbra:

___ Disse algo de errado?

___ Ora, mas é claro que não, meu de tineri!___ respondeu o outro ainda rindo.

___ Então qual seria o motivo de seus risos?

___ Ah, Damian, eu adoro este seu jeito ingênuo, é cativante, sabia disso?

O adolescente franzira as sobrancelhas num sinal de confusão, o rapaz então se levantou e caminhou até ele colocando a mão em seu ombro.

___ Meu caro, esta mansão é sua, tens mais dinheiro do que um barão ou até mesmo um conde e age como um pobre e inocente garoto que cometera algo de errado e está com medo que o pai lhe dê uma lição. Isto é hilário!

___ Mas eu sinceramente não quis ser rude. Você é meu amigo e também meu convidado.

___ Mas não sou o dono desta casa, ela é sua, pode entrar e sair quando quiser, não precisa sentir-se envergonhado por isso, está bem?

___ Sim.

Benjamin sorriu apertando o ombro do moço e dizendo ternamente:

___ Você é um bom menino, Damian, sabe disso, não é?

___ Meu pai sempre me dizia isso ___ respondeu o ferreiro sorrindo.

A alegria feneceu no rosto pálido de Grigore, ele baixou os olhos por um instante engolindo grosso, Damian notara a expressão desapontada do colega e inquiriu:

___ O que houve, Ben?

___ Absolutamente nada, meu caro, apenas uma nefanda enxaqueca, nada que seja relevante.

O lorde distanciou-se fugindo do olhar curioso e indagador do menino.

___ Por que está tão escuro?

___ Perdão?___ disse Benjamin voltando-se para o outro.

___ O quarto, por que está escuro?

___ Oh sim... A luz da manhã, ela... Machuca os meus olhos, é terrível.

Petrescu fixou sua atenção no rapaz diante de si, sentiu-se impressionado e ao mesmo tempo seguro, reconfortado. A cada dia que passava sentia como se ele e o amigo fossem parte um do outro, como se pudessem se completar, ele era Benjamin e Benjamin era ele. As sensações e emoções ligadas ainda mais intensamente como se em algum momento que estivesse por vir... Seriam apenas um.