Nascido Do Sangue

As Gotas Avermelhadas da Mudança


Algumas noites calmas e entediantes se passaram, durante a estada de Benjamin na mansão Voiculescu tudo se sucedia conforme as vontades do lorde, ele comandava a casa e Damian não mexia um dedo para interferir, deixava o amigo dar ordens e punir os empregados da maneira que bem entendesse.

Realmente, Damian não se importava nem um pouco como as coisas corriam naquela casa, sempre tão distante, perdido entre a loucura e a lucidez, a realidade e a fantasia, nem ao menos notara que toda a mansão fora tomada por uma soturna escuridão, era a insossa desculpa do lorde de que sua pele e seus olhos eram sensíveis à luz, então o sol não poderia apossar-se de nenhum milímetro quadrado da propriedade.

Passava dias e noites sentado na sala de estar, esvaziando garrafas e mais garrafas de vinho, uísque, cerveja ou qualquer outro tipo de bebida alcoólica, ao saborear a última gota de forma tão frívola vinha-lhe a decepção de ainda estar sóbrio, acreditava que ficava ainda mais lúcido após beber do que quando começava, isto lhe frustrava, pois não poderia nem ao menos fazer com que as memórias lancinantes fossem embora por apenas algumas horas enquanto, assim como a mansão, afogava-se numa acolhedora e temida escuridão.

Ouvia gritos durante as madrugadas, eram as punições que Grigore dava para os escravos e empregados, chibatadas, queimaduras e mais torturas terríveis que o lorde acompanhava de perto enquanto o garoto encolhia-se escondido entre os lençóis tapando os ouvidos como se fosse ainda uma criança com medo da forte tempestade.

Todas as noites o amigo o convidava para sair, queria ir a bares e cabarés, mas o jovem sempre recusava, às vezes dizendo em alto e bom som apenas um não, ou na maioria das vezes o silêncio falava por si próprio, de qualquer forma, Grigore parecia não se importar com a resposta, sempre ia sozinho, voltava quando estava quase amanhecendo e de vez em quando trazia uma ou outra prostituta com ele.

Damian fingia não ver e não ouvir, não queria saber de mais nada, todos os seus movimentos eram automáticos, sentia que a cada manhã milhares de células de seu corpo morriam e nem uma nascia novamente para ficar no lugar das que se foram, estava fenecendo aos poucos, não queria comer, não tinha sono, apenas sentia-se vivo quando saciava os vinhos da adega, eles o faziam lembrar o gosto do sangue descendo por sua garganta.

As poucas horas que conseguia dormir, tinha apenas pesadelos. Eram sempre os mesmos, a adaga roubando o brilho prateado da lua, sendo a única estrela num céu escuro, o som metálico cruzando a noite, sangue inocente sendo derramado e ao tocar o chão transformando-se em preciosos rubis e por fim, os tenebrosos e deslumbrantes olhos azuis. Não sabia o que significava cada imagem e nem buscou saber, nunca contara ao amigo sobre isso também, não queria aborrecê-lo.

Durante alguns dias, Benjamin tentou novamente provocá-lo, levava taças com sangue que, dizia ele, pertencer aos animais do bosque, ele mesmo os matava e pegava o sangue, dizia que estava preocupado com o rapaz e que temia que morresse por alguma enfermidade, mas Petrescu sempre recusava, sempre que fixava seus olhos no brilhante e rubicundo líquido, tudo que mais o apavorava vinha à sua mente... Seus pesadelos, as mulheres mortas, seus primeiros e confusos contatos direto com sangue, Tristan, Rosalind...

Recusava com dor no coração, queria mais que qualquer coisa afogar-se em uma banheira cheia deste precioso líquido vital, mas renegava, buscava alertar até o canto mais obscuro de sua alma de que não precisava, de que isto era loucura, que não era um monstro psicótico para cometer tal atrocidade, porém era terrível ter de suportar.

A cada manhã sentia-se mais fraco e debilitado, por vezes não conseguia levantar da cama ou simplesmente não queria, por que se levantar? Não havia motivos para abrir os olhos, não queria nada nem ninguém por perto, apenas gostaria de desfalecer nos braços da materna escuridão, a qual nunca lhe abandonou.