Nascido Do Sangue

La mulţi ani, dragul meu!


Naquela manhã, a sensação de irritabilidade não fora diferente por conta do feixe branco e quente que lhe vinha atordoar suas tão puras safiras, mas o ardor também estava presente em outros lugares. Petrescu não mais conseguia se manter imóvel em meio aos lençóis, algo o incomodava como mil alfinetes beijando sua macia pele, mas era mais do que apenas alfinetadas, eram comichões, coceiras, formigamento.

Uma doentia euforia resvalava por suas veias, a sensação podia ser descrita facilmente como se tivesse sido decorada, era como se suas veias fossem feitas de pólvora, longos e finos caminhos negros como a noite se enrolando e se enroscando debaixo do fino e lívido lençol de pele, bastaria que somente uma pequena faísca, uma vibrante, ardente e avermelhada faísca entrasse em contato com suas veias enegrecidas para explodir em completo deleite. Era a doce vida que lhe concebia feito um recém-nascido.

Pulou da cama sentindo um delicioso arrepio quando seus pés descalços entraram em contato com o frio piso de madeira, mirou logo a tigela de porcelana, ali tão bem posicionada sobre a cômoda, com sabão e uma toalha limpa e perfumada aguardando poder apalpar aquela essência angelical emoldurada por reluzentes fios de ébano.

Mergulhou as mãos em forma de concha dentro da tigela, inclinou-se e deixou com que aquela água fria entrasse acariciasse seu rosto quente, o pequeno e instantâneo choque proporcionava uma gostosa e inominável sensação. Esfregara o rosto com o sabão e o enxaguou mais algumas vezes, sentiu que o sono não mais se reunia no canto de seus olhos, acreditava que não se manifestava em nem mais uma parte de seu corpo.

Damian encarou, então, a silhueta adormecida de Andreea através do espelho, virou sua cabeça em direção à cama, seus pés lhe foram levando até perto de onde a viúva tranquilamente encontrava-se, sentia as pequeninas e geladas gotas de água que pingavam de seu queixo serem absorvidas por sua pálida camisa.

O ferreiro parou bem diante da mulher e a observou com curiosidade e admiração, percebia raios dourados tocando sua pele e seus cabelos, não sabia ao certo se aquela delicada luz vinha da janela ou se emanava do corpo daquela dama. Seus olhos, ao mesmo tempo focados e distantes, se moviam lentamente, como se estivesse num quarto escuro e uma fraca claridade fosse surgindo e crescendo gradativamente iluminando um ponto de cada vez.

Esforçou-se ao máximo para não acordá-la quando sentou-se ao seu lado vislumbrando aquela lenta e despreocupada respiração. Andreea... Sua doce e frágil criança! Estava com o corpo arquejado, o braço direito sobre o abdômen enquanto o outro estava tão próximo ao seu rosto parcialmente visível, uma parte afundava no macio travesseiro e a outra era ocultada por uma loura cortina reluzente.

Petrescu moveu os dedos com extremo desvelo, afastou as mechas de cabelo revelando um semblante tão plácido e belo que somente fitá-lo já era uma dádiva. Não sabia o que dizer muito menos o que sentir naquele momento, a vida em suas veias borbulhava o sangue tal qual água numa chaleira, mas... Ao mesmo tempo fazia as bolhas findarem-se como se a água viesse de um lago adormecido, esquecido entre árvores quietas e ocas de um bosque, um vazio e acolhedor bosque.

“Oh, Andreea! Tanto fizera por mim”, pensava o rapaz sentindo um brando ardor penetrar em seu coração, tinha quase a absoluta certeza que era algum tipo de compaixão e sentiu-se triste, o amor mais cândido e sublime que aquela mulher podia lhe oferecer era recompensado com uma confusa compaixão. “Eu não mereço isso...” admitia Damian para si mesmo.

Sentia-se ainda pior ao pensar que, compaixão fora o sentimento mais nobre e profundo que alguém pôde oferecer àquela mulher e, sabia, de algum modo, que ela via que era apenas isto que Petrescu podia lhe oferecer, mas parecia não se importar, como um pobre cão sem dono que aceita poucas migalhas para matar a fome. A compaixão de Damian, era o frio alimento para a alma faminta de Andreea.

Entretanto, havia uma dolorosa contradição dilacerando suas emoções, não sabia exatamente se era somente compaixão que podia oferecer a ela. A amava. Tinha mais do que um resquício de certeza disto. Amava o riso melodioso que ela exalava, a voz pueril e animada de uma garotinha ansiosa pela festa de aniversário, o modo como aquelas esmeraldas faiscavam ao se atritarem com suas safiras.

Ela era especial, do jeito cálido e resplandecente que toda criança é, ela era sua garotinha, a pessoa que despertava seu lado paternal, de uma maneira maravilhosa e surpreendente, pois era dez anos mais novo que ela, mas isso não importava quando a admirava como uma sobranceira obra de arte ou quando a tinha, tão apaixonada e perdida, em seus braços.

Um sorriso se abriu como uma janela deixando uma intensa e linda luz entrar, seus olhos refletiam parte de uma ideia que acabara de brotar em sua mente.


Ao despertar, a primeira coisa que a viúva viu foi o sorridente semblante do amante, estava sentado ao seu lado, bem vestido e com os olhos fixos nela, ao sentar-se na cama, perguntou ainda com voz sonolenta:

___ O que houve, draga mea?

___ Levante-se!___ ordenou o rapaz ao mesmo tempo cumprindo sua ordem saltando jubiloso para alguns centímetros longe da cama.

Ela fez o que lhe ordenara sem questionar, vestiu um robe vermelho de seda brilhante e então o moço a vendou com um lenço de cetim, rindo com a atitude do jovem, a mulher indagou:

___ O que está fazendo, Damian?

___ Shhh! Não pergunte nada, apenas me siga.

Havia entusiasmo juvenil na voz dele, algo que encheu a senhorita de alegria e confiança.

___ Como quiser.

___ E não tente olhar!

___ Está bem ___ respondeu ela sorrindo.

Andreea sentiu os dedos frios entrelaçarem-se aos seus, não compreendia como a pele daquele adolescente era tão macia, lisa, branca e gélida, tão semelhante a um delicado floco de neve que se desfaz ao primeiro toque, fora andando até sentir o primeiro degrau, quase iria cair se não fossem as habilidosas mãos do rapaz agarrando fortemente sua cintura e dizendo:

___ Cuidado com a escada.

Degrau por degrau, cada passo ia sendo visualizado em sua mente, já que seus olhos nada viam, estava conhecendo cada centímetro de sua casa de uma maneira que nunca havia parado para pensar e sentir, sabia onde estava mesmo que não pudesse enxergar, até que pôde sentir o calor dos raios solares tocando-lhe a pele, o sopro leve da brisa da manhã beijando seu rosto e a grama fazendo-lhe cócegas nos tornozelos, estavam no jardim.

Ouvia-se o canto dos pássaros, aspirava o aroma das flores, eis que a escuridão se desfez e a luz do sol pôde invadir sua vista, a primeira coisa que viu fora a mesa de madeira usada somente para tomar o chá da tarde arrumada para o desjejum, uma linda toalha de mesa decorada com flores coloridas e um trio de músicos ao lado segurando um violino, uma flauta e um pequeno tambor, Andreea tapou a boca num gesto de surpresa e virando para o moço, inquiriu:

___ O que significa isso?

___ La mulţi ani¹, dragul meu!

___ Mas... Como soube? Quem lhe contou?___ inquiriu ela alegremente surpresa e confusa.

___ Eu apenas sei... ___ respondeu o venusto menino com um enigmático e sedutor sorriso nos lábios ___ Vamos, sente-se!

___ Ah, mas eu nem ao menos me vesti, estou horrível, eu...

___ Você está linda, querida! Deixe de tolices!___ mais uma vez o jovem sorriso inebriante de Damian veio iluminar o local.

Puxando a cadeira para a viúva educadamente e depois sentando-se, o acompanhante deu o sinal para os músicos começaram a tocar uma alegre melodia sem letra, o ritmo era festivo e contagiante, ambos comeram e riram durante uma hora inteira, para Damian, era como se ultrapassasse um obstáculo, como se houvesse conquistado uma vitória e para Andreea, era um perfeito deleite estar com a pessoa que mais amava e sentia-se amada.

___ Onde arranjou os músicos?

___ São do vilarejo, tocaram na noite do solstício de verão, não se lembra?

___ Ah lamento, estava escuro e...

___ Tudo bem, não há problema em não se lembrar.

Ele a encarava disfarçadamente e percebia que com o passar dos dias, o sentimento para com a jovem viúva crescia cada vez mais, certamente sabia que não era algo que pudesse perfeitamente retribuir, mas estava esforçando-se em tentar, era tão boa consigo lhe dando tudo sem questionar e ainda assim exigia apenas ele em troca, de corpo e alma, somente ele.

___ Vem, vamos dançar um pouco!___ falou o garoto pegando subitamente na mão da mulher e a puxando.

___ Oh mas, Damian...

Não deu tempo de terminar a frase, ambos já estavam próximos aos músicos, o rapaz arriscando alguns passos, tocando gentilmente a cintura da amante e sorrindo a todo instante, aos poucos a dama começara a se soltar entre gargalhadas e passos incertos, a alegria estava entrando por suas narinas e alojando-se em seu peito dantes tão vazio, a música a envolvia, a tocava e a balançava como ardorosos braços maternos.

Dançaram até seus pés cansarem e serem obrigados a sentarem-se novamente, tomaram juntos meio litro de água fresca e após suas respirações voltarem ao normal, o adolescente educadamente dispensou os músicos, que não demoraram a deixar a mansão, logo o silêncio tomou o jardim, ouvia-se de vez em quando o gorjear de algum canário ou o beijo terno da brisa nas folhas das árvores.

O mocinho correu até o interior da mansão sem nada a dizer para a mulher e logo voltou com um livro de capa marrom e letras douradas intitulado Romeu e Julieta e, sentando-se novamente ao lado dela, falou:

___ O que acha de lermos até a hora do almoço?

___ Eu adoraria.

Ele se levantou e a pegou pelo braço, os dois sentaram-se recostados sobre o majestoso pessegueiro e abriram na primeira página, o adolescente sugeriu que também interpretassem a fala das personagens, ele era o Romeu enquanto ela era a Julieta, Andreea adorara a sugestão, entretanto, ambos mais riam do que concentravam-se no famoso e romântico romance, pois o rapaz não deixava escapar por seus dedos uma só oportunidade de fazê-la sorrir.

A paz invadiu aquele palacete por vários dias seguidos, Damian sempre tão atencioso aos caprichos da viúva, sempre a fazendo sorrir, acompanhando-a nas festas e jantares e aos poucos tentava fazê-la ver que apesar da vila ser algo pequeno e humilde, era sublime, havia tantas coisas para fazer e tantos lugares para ir.

A vida lhe dera uma nova perspectiva, afinal, havia renascido, era esta a melhor palavra. Esta era sua nova vida e teria de se adaptar e, não mais parecia ser tão ruim quando sentia-se ao menos útil, útil na vida de um outro alguém, já que, todas as pessoas que um dia lhe foram úteis e quase insubstituíveis, aparentemente se foram de um modo tão tétrico, que nunca mais poderiam voltar.