Nascido Do Sangue

Bom demais para ser verdade


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Após algumas semanas de ardentes sorrisos e nenhuma preocupação, a melancolia caiu sobre a mansão Voiculescu, Andreea adoecera da noite para o dia, amanhecera fraca e debilitada, permanecendo somente em seu leito, seus olhos estavam cansados, sua pele e seus cabelos haviam perdido o sensual tom dourado que possuíam, não comia, não bebia, seus dedos tornaram-se finos e enrugados e seus lábios perderam o brilho como uma rosa que acabara de murchar, não havia mais vida dentro dela, como se ao amanhecer toda a sua vitalidade tivesse sido sugada.

“Da noite para o dia” fora apenas uma força de expressão, mas aos poucos, lentamente, quase que sem nem ao menos perceber, desconfiar, até que finalmente as consequências apareceram, algo inexplicável e doloroso que ganhava força enquanto a dama a perdia.

Damian se vira perdido e desolado, com a culpa sufocando-lhe um pouco mais a cada minuto que tomara conhecimento do problema, como não fora capaz de notar? A vida tão querida que corria por suas veias, estava resvalando pelos finos e esbranquiçados dedos da doce mulher.

Tantas respostas para suprir o mistério desta súbita enfermidade, uma mais absurda que a outra, mas que pareciam consolar momentaneamente e apagar, por um instante ao menos, o pesar estampado no olhar do pobre garoto.

Não sabia o que pensar, há algumas semanas encontrava-se no lugar da bela dama, ali combalido e deixando que a morte lhe desse seu beijo fatal, mas que com apenas um gole do mais sápido vinho, havia se enchido novamente de vida, mas por que com Andreea isto não funcionara?

Era inútil, tantos e tantos goles e até garrafas em vão, tudo para nada. O doutor Valeriu perdera as palavras, não sabia explicar a rápida recuperação do adolescente e a decadência da amante, era como se seu mal houvesse sido transportado para ela.

O rapaz sempre tão atencioso para com sua querida criança, levava-lhe chás medicinais que aprendera a fazer com sua ama, ele próprio já tomara algumas vezes quando adoecia, o que dificilmente acontecia, ajudava-a levantar, a tomar banho, a comer e durante a tarde lia para ela uma antologia poética que estava empoeirada e esquecida em uma das estantes do escritório do senhor Voiculescu.

Olhava para ela e parecia não mais reconhecê-la, não fisicamente falando, mas aquelas tão sublimes esmeraldas com o passar dos dias, iam perdendo seu fulgor. Eram raros os momentos em que ouvia a voz de Andreea, não mais parecia uma melodia animada e dançante, agora não passava de uma tétrica canção sem letra, uma ode à crueldade.

Nem mesmo com Andreea em tal qual estado não fazia com que seus sentimentos se intensificassem, ainda a certeza de que apenas compaixão era o que podia oferecer lhe preenchia o peito culpado. Uma branda e sensível compaixão que lhe fazia querer compensar algo, suprir um vazio e para isto, era necessário dia e noite de uma profunda dedicação que não entregara a ninguém, até agora.

Acreditava estar perdendo sua garotinha, a cada manhã ela mudava, se transformava em algo diferente, triste e frio, porém ainda tão doce quanto uma gota de orvalho, o nefando orvalho que escorria incessante daquela flor emurchecida, encanecida, mas que ainda ansiava por compaixão, não mais da parte de Damian, mas da vida, implorava para que a Vida não fugisse, não sumisse, não lhe deixasse.

Súplicas silenciosas, pois assim como Petrescu, era inútil usar o pouco ar em seus pulmões para desferir gélidas palavras que ficariam soltas no ar, um ar que se tornaria pesado e quase impossível de se respirar, pois nele estaria concentrada a mais pura dor, a enegrecida e poluente dor que gradativamente fugia com gauches suspiros.

O ferreiro não gostava de ter tais pensamentos, pois nunca foi de seu feitio desejar algo assim, mas estava um pouco feliz pela senhorita estar enferma daquela forma, feliz não era o real adjetivo, a real palavra que explicava, mas um tanto aliviado, satisfeito, entretanto, de modo algum, feliz. Sentia-se mais livre para pensar, passear pelo jardim e até podia ir visitar seu amado bosque solitário quando ela caía no sono.

Era como se sua vida voltasse a ser sua, apesar das longas e estafantes horas de dedicação para com Andreea, ainda era um alívio. Sem festas, sem pessoas inúteis e pedantes ao seu redor, apenas a doce paz interior que renascia cada vez mais forte em seu âmago, era mais um sinal de que a vida lhe dera outra chance.