Nascido Do Sangue

A Fome Falou Mais Alto II


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No meio da noite, Damian despertou ao ouvir um barulho, sentou-se em sua cama e com o olhar atento procurou de onde vinha aquele som oco, fixou seus olhos em um canto do quarto onde avistou um rato roendo a parede, franzindo o cenho, o rapaz levantou-se pegando a espada sem corte que usara no combate simulado na Festa da Primavera há algumas semanas.

Com passos lentos e silenciosos foi se aproximando do pequeno animal, olhava-o como se fosse um inimigo apertando ainda mais os lívidos dedos no punho da espada, quando a asquerosa criatura percebera a presença do menino era tarde demais, o ferreiro o matou apenas com um golpe amassando sua pequenina cabeça fazendo com que um pouco de sangue espirrasse no piso.

O que parecia ser algo normal, naquele momento teve um toque de relevância. O jovem começou a observar minimamente o cadáver daquele roedor, não sentia nojo muito menos repulsa por aquele animal esmagado como um inseto no chão de seu aposento, pelo contrário, uma estranha sensação tomou conta de si, estava zonzo como da outra vez em que ardera em febre, sua cabeça doía e estava faminto.

O cheiro que o sangue do rato exalava preenchia seus pulmões provocando-lhe sensações antes desconhecidas, como se aquele odor o estivesse atraindo para perto da carcaça ainda quente do bicho e cada vez mais aquela fragrância fazia seu estômago roncar alto, cada vez mais alto.

Largando a espada e ajoelhando-se diante do corpo da criatura, o rapaz tocou o sangue ao lado do rato com a ponta dos dedos levando até perto de seu rosto, um estranho aroma entrava por suas narinas, um cheiro que não sabia ao certo como descrever, era atrativo, todavia ao mesmo tempo repulsivo e além do mais, sabia de onde viera aquele líquido carmesim e viscoso.

Olhava para seu dedo pintado de vermelho, não sabia ao certo o que se passava em sua mente, admirava aquela viva cor com atenção como se fosse a primeira vez que a via, analisava precisamente e deixava-se inibir pelo aroma curioso e, porém demasiado azedo do sangue daquela praga asquerosa.

Ouvia o som de seu estômago a cada suspiro que dava aspirando o cheiro que era emanado do sangue daquele rato. A cada ronco faminto ecoando em sua mente latejante, seus olhos brilhavam ainda mais intensamente tendo como centro de sua atenção o líquido tão resplandecente, cada ronco parecia puxar o dedo do ferreiro para mais perto de seus lábios rubicundos, que no momento perderam sua tonalidade por estar fraco e um pouco enfermo.

Uma enorme vontade o fez levar o dedo indicador manchado de sangue até a boca lambendo-o, fechou os olhos sentindo repulsa e culpa de si mesmo, entretanto sentira também um estranho sabor, a lembrança do refinado, quente e doce vinho que Benjamin oferecera veio-lhe à mente, o gosto era quase idêntico, porém era um tanto amargo e o fato de saber que este líquido pertencia a um roedor imundo e nojento impedia-o de saboreá-lo com mais precisão.

Por mais que tentasse relutar, sentiu a necessidade de provar mais, como se seu paladar ainda não tivesse certeza do sabor e textura, repetira novamente o ato de molhar a ponta do dedo indicador na pequena poça de sangue levando à boca, foram várias vezes seguidas até não restar praticamente nenhuma gota no chão. O garoto abrira seus olhos e sentira novamente o nojo e a ânsia de vômito obrigando-o a regurgitar as poucas gotas que injetara daquele líquido asqueroso.

Contudo, por mais que seu estômago não quisesse aceitar o “alimento” que Petrescu o enviava, Damian forçava-se a ultrapassar seus próprios limites físicos e até mentais. Ele então pegara o pequeno cadáver do mamífero em suas mãos e mordeu-o tentando sugar o restante de sangue, que não era muito, que havia em seu corpo. O medo de contrair alguma terrível doença passou por ele, mas pouco se importou, o que mais queria naquele momento era absorver até a última gota daquele líquido escarlate tão semelhante ao vinho.

Estava nervoso, porém isto não lhe incomodou, a sensação daquele sangue quente descendo por sua garganta o deixara mais calmo, novamente pôde comparar aquela sensação a um beijo apaixonado, mas nunca poderia se igualar a uma noite de amor, pois era o viscoso líquido de uma praga, era bom como um beijo, mas não era delirante quanto um orgasmo.

Não demorou a sentir uma essência fria gelar sua garganta e com ela viera um gosto amargo, abriu os olhos e a repulsa tomou conta de seus sentidos novamente fazendo-o arremessar o corpo do bichinho em um canto de seu quarto.

Sentiu as batidas de seu coração quase transpassarem seu peito, estava ofegante e confuso, os olhos arregalados fitando aquela criatura esmagada e com marcas de mordidas feitas por ele mesmo, o sangue do rato em sua boca, estava agitado e entrando em desespero, não podia compreender as razões que o levaram a cometer tal ato nojento e impulsivo.

Correu imediatamente para a cama escondendo-se entre os pálidos lençóis, seu rosto estava ainda mais branco e frio, apertava os olhos não querendo pensar no que acabara de acontecer, algumas lágrimas apavoradas escorreram sutilmente de seus olhos contraídos, não sabia o motivo de ter feito aquilo e o pior, se esta ação tão repulsiva iria lhe trazer algum mal.